O presidente Andrés Manuel López Obrador e parte de seu futuro gabinete de segurança, durante a apresentação do Plano Nacional de Segurança. Foto Carlos Ramos Mamahua
Por Ana Rosa Moreno, de Cidade de México, para Desacato.info
Tradução: Elissandro Santana, para Desacato.info
Alguns meses atrás, na campanha presidencial e nos debates que ocorreram durante o período eleitoral, nosso presidente já eleito, Andrés Manuel López Obrador, falou sobre uma política de pacificação, de tirar o exército das ruas e nesse momento sua frase “abraços, não balas” tornou-se imortal, com a qual ele criticou a mão dura das administrações anteriores que só responderam com violência em vez de soluções para a insegurança que assola o país.
Já na administração que está prestes a terminar, foi aprovada a Lei de Segurança Interna que define e detalha as ações das forças armadas em tarefas de segurança pública e também define em quais situações o exército pode atuar. De acordo com essa lei, o uso legítimo da força pelas Forças Armadas será racional e proporcional em técnicas, táticas, métodos, armas e protocolos de seus elementos para controlar, repelir ou neutralizar atos de resistência, tudo isso com a intenção de “preservar, em todos os momentos e sem exceção, os direitos humanos e suas garantias”.
Por que é uma má ideia deixar a segurança nas mãos do exército?
Apesar do fato de que a Lei de Segurança Interna estabelece que o exército deverá ficar, temporariamente, em estados e municípios, isso pode ser permanente se o executivo assim o exigir. Basicamente, isso é militarizar o país.
Se o Estado justificar que os protestos sociais violam a segurança nacional, eles podem ser criminalizados.
Dá ao presidente da República toda a liberdade de decretar a intervenção em qualquer caso que considere um risco para a segurança interna apenas consultando o Conselho de Segurança Nacional.
Esta Lei também dá às autoridades o poder de usar qualquer método legal de coleta de informações ao realizar tarefas de inteligência.
Queremos pensar que já havia ficado evidente que, com dois mandatos de seis anos, não é uma boa ideia levar o exército às ruas para manter a ordem e a segurança no país. Desde o início da estratégia militar, mais de 30 mil 942 desaparecidos foram contados (excluindo migrantes) também aumentou o número de homicídios dolosos em 122%, 213.000 homicídios em 2017. De janeiro de 2007 a março de 2013, mais de 1.800 mortes violentas de menores em eventos ligados à guerra contra as drogas. Mais de 287 mil pessoas foram deslocadas pela violência e pela estratégia de segurança com intervenção militar. O exército mexicano mata 8 pessoas por cada uma que fere. Há 1.273 denúncias de tortura nas mãos dos militares entre 2006 e 2014.
No entanto, a Lei de Segurança Interna foi aprovada em 17 de dezembro de 2017 pelo Congresso da União e o decreto foi publicado no Diário Oficial da Federação quatro dias depois.
O coletivo mexicano #SeguridadSinGuerra protestou em 2 de outubro deste ano na Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) para pedir aos ministros que realizem audiências públicas de cidadãos quando a Lei de Segurança Interna for discutida.
“Devemos, ao invés disso, focar a atenção política e legislativa no fortalecimento de nossas instituições de segurança pública. Somente assim poderemos resolver, em longo prazo, a crise de violência, insegurança e graves violações de direitos humanos no país”. Leu em seu posicionamento.
Em 15 de novembro deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça da Nação (SCJN) declarou a Lei de Segurança Interna inconstitucional (anulada), considerando que o Congresso cometeu violações contra o processo legislativo, não considerou os efeitos que essa norma causaria às comunidades indígenas, não diferenciou adequadamente a segurança nacional com a segurança interna e a segurança pública.
A história se repete
Apesar desta grande vitória, o presidente eleito, AMLO, apresentou uma iniciativa que basicamente é reviver a Lei de Segurança Interna que já foi anulada há poucos dias. AMLO o denominou Plano Nacional de Paz e Segurança e pretende continuar com a fracassada estratégia de militarização da segurança pública realizada por Felipe Calderón e Enrique Peña Nieto. Sua Guarda Nacional seria integrada pela Polícia Naval, Militar e Polícia Federal e se encarregaria da prevenção do crime, preservação da segurança pública, recuperação da paz e luta contra a delinquência (tarefas que segundo a constituição mexicana devem ser responsável por civis não militares). AMLO propõe que mais 50.000 soldados sejam recrutados e colocados nas ruas para alcançar seus objetivos.
Há apenas um ano, AMLO criticou a decisão absurda e criminosa de usar o exército contra o crime, em vez de resolver o problema. Todo esse discurso que para acabar com o crime e a insegurança deve-se começar pelo combate à corrupção nas instituições de segurança, os exames e os expurgos entre os elementos são esquecidos. O amável AMLO que vimos na campanha eleitoral e nos debates presidenciais se perdeu desde que eu ganhei a presidência, e a frase “abraços, não balas” mudou para “Abraços não, tiros”.
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[avatar user=”Ana Rosa Moreno” size=”thumbnail” align=”left” /] Ana Rosa Moreno é licenciada em Relações Internacionais e mora em Puebla, México.
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