Por Elaine Tavares.
Parece que foi ontem. Eu, curumin, espiando os enormes gravadores da Rádio Fronteira do Sul, onde trabalhava meu pai. Ou no estádio do Inter de São Borja, vendo o pai, microfone na mão, a fazer comentários e entrevistas. Também era puro encanto vê-lo interpretar o “nhô zé”, personagem que corria a cidade levando alegria e a boa música sertaneja/ nativista. Foi daí que nasceu em mim esse desejo de narrar a vida, de contar histórias e que me arrastou para o jornalismo desde que me conheço por gente.
Também vem do meu pai essa fome que tenho de livros e letras. Talvez por ter sido caixeiro-viajante na juventude, e compreender a dureza que era andar de casa em casa a tentar vender algum produto, ele raramente se negava a comprar quando os vendedores de livros batiam na nossa porta. Comprava tudo. Por isso nossa casa era cheia de coleções inteiras dos clássicos nacionais estrangeiros, enciclopédias, livros de arte, livros de história. E foi debruçada neles que comecei a compor frases e textos.
Meu pai sempre foi um homem da vida, generoso e ativo. Quando os problemas da política o levaram para longe do Rio Grande e ele teve de abandonar a vida no rádio, nunca deixou de ser um homem da palavra. Entrou para o DER em Minas Gerais, atuando como escriturário e em pouco tempo já andava pelas estradas, como um trem-pagador, levando os salários para os trabalhadores que atuavam nas obras das estradas. Recolhia histórias e respeitava seus colegas com um fervor quase místico. A ponto de, numa enchente, arriscar a vida para passar para o outro lado do rio, levando sua maleta de salários, incapaz de deixar na mão quem confiava nele. Outra coisa que me ensinou e que pratico cotidianamente.
Depois, mais velho e já atuando como chefe de setor, era sua capacidade de desenhista que ele colocava ao alcance de todos os colegas. Técnico em edificações, ele desenhava a casa de todo mundo que queria construir e não tinha grana para pagar um engenheiro. Muitas são as moradas que levam sua marca na cidade onde vive. E o fazia por pura gratuidade, sem exigir nada em troca. Só um acidente que lhe tirou o movimento da mão o fez parar.
Ainda assim, um homem como ele nunca poderia ficar parado, sem o uso da palavra viva. Fez-se pregador da graça de nossa senhora de Fátima. Devoto da virgem, ele visita as famílias, leva sua mensagem e faz o que sempre fez desde jovenzinho: trabalha com a palavra. Faça chuva ou sol, pouco depois do almoço, lá vai ele pela cidade afora fazer suas obrigações e visitas. Ninguém consegue fazer com que pare.
Dia desses o pai fez 80 anos, um tempo largo de vida. Qualquer outro poderia entregar-se a idade. Ele não. Na pequena cidade mineira onde vive, ele circula como um menino a fazer as compras de casa, pagando as contas, levando a mensagem da virgem, participando da missa, gravando seus CDs. É dono de uma das mais importantes coleções de música sertaneja de raiz. Durante a tarde, quando descansa, pode-se ouvir a batida da viola saindo do seu quarto, com a música tocando baixinho. Outra paixão que me passou por osmose.
Meu pai fez 80 anos e segue sendo um menino: teimoso, valente, generoso. Meu pai é um exemplo que venho seguindo desde que, aos cinco anos, construí de papelão, um gravador e andava pela casa a entrevistar as gentes, como ele fazia. Me pai forjou em mim a jornalista que sou e me ensinou que nessa vida dura tudo o que se precisa ser é honesta, teimosa e valente. Meu pai é um homem apaixonante e eu o amo demais. Que bom poder partilhar desse tempo todo com ele. Que venham mais outros 80, seu Zé!
Parece que percorremos a vida junto com seu Zé através desta bela homenagem da Elaine.Parabéns ao seu Zé!