“Meu nome é Mahmoud Khalil e sou um prisioneiro político (dos EUA)”

Constituintes do deputado estadunidense Daniel Goldman em frente ao seu escritório em Nova York para protestar contra o silêncio do congressista em relação à prisão do líder estudantil da Universidade da Columbia, Mahmoud Khalil, em 17 de março. Foto: Gina M RandazzoZUMA Press Wire

Nota dos editores: Esta mensagem do graduado da Universidade de Columbia e líder estudantil Mahmoud Khalil foi publicada com o título “Carta de um prisioneiro político palestino na Louisiana, ditada por telefone a partir da detenção do ICE”, em 18 de março de 2025 pelo Centro de Direitos Constitucionais (CCR, por sua sigla em inglês). Khalil foi detido por agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, por sua sigla em inglês) no prédio de apartamentos de propriedade da universidade onde mora, na cidade de Nova York, em 8 de março. A CCR mantém uma página dedicada a atualizações sobre seu caso.

Meu nome é Mahmoud Khalil e sou prisioneiro político. Estou lhes escrevendo de um centro de detenção na Louisiana, onde acordo com manhãs frias e passo longos dias testemunhando as injustiças silenciosas em curso contra inúmeras pessoas excluídas das proteções da lei.

Quem tem o direito de ter direitos? Certamente não são os seres humanos amontoados nas celas daqui. Não é o senegalês que conheci e foi privado de sua liberdade por um ano, com sua situação legal no limbo e sua família a um oceano de distância. Não é o detento de 21 anos que conheci, que pisou neste país aos 9 anos, apenas para ser deportado sem sequer uma audiência.

A justiça escapa dos contornos das instalações de imigração deste país. Em 8 de março, fui levado por agentes do DHS [Departamento de Segurança Nacional] que se recusaram a fornecer um mandado e abordaram minha esposa e eu quando voltávamos de um jantar. A esta altura, as imagens daquela noite já foram divulgadas. Antes que eu percebesse o que estava acontecendo, os agentes me algemaram e me forçaram a entrar em um carro sem identificação. Naquele momento, minha única preocupação era com a segurança de Nur. Eu não tinha ideia se ela também seria levada, pois os agentes haviam ameaçado prendê-la por não sair do meu lado. O DHS não me disse nada durante horas – eu não sabia a causa da minha prisão ou se estava enfrentando deportação imediata. No Federal Plaza 26 (N. da T.: prédio do FBI), dormi no chão gelado. Nas primeiras horas da manhã, os agentes me transportaram para outra instalação em Elizabeth, Nova Jersey. Lá, dormi no chão e me recusaram um cobertor, apesar de meu pedido.

Minha prisão foi uma consequência direta do exercício do meu direito à liberdade de expressão, pois defendi uma Palestina livre e o fim do genocídio em Gaza, que recomeçou com força total na noite de segunda-feira. Com o cessar-fogo de janeiro agora interrompido, os pais em Gaza estão mais uma vez embalando lençóis pequenos demais e as famílias são forçadas a pesar a fome e o deslocamento contra as bombas. É nosso imperativo moral persistir na luta por sua total liberdade.

Nasci em um campo de refugiados palestinos na Síria, em uma família deslocada de sua terra desde a Nakba de 1948. Passei minha juventude próximo, mas distante, de minha terra natal. Mas ser palestino é uma experiência que transcende fronteiras. Vejo em minhas circunstâncias semelhanças com o uso que Israel faz da detenção administrativa – prisão sem julgamento ou acusação – para privar os palestinos de seus direitos. Penso em nosso amigo Omar Khatib, que foi preso sem acusação ou julgamento por Israel quando voltava para casa após uma viagem. Penso no diretor do hospital e pediatra de Gaza, Dr. Hussam Abu Safiya, que foi capturado pelo exército israelense em 27 de dezembro e permanece em um campo de tortura israelense até hoje. Para os palestinos, a prisão sem o devido processo legal é comum.

Sempre acreditei que meu dever não é apenas me libertar do opressor, mas também libertar meus opressores de seu ódio e medo. Minha detenção injusta é um indicativo do racismo antipalestino que tanto o governo Biden quanto o governo Trump demonstraram nos últimos 16 meses, já que os EUA continuaram a fornecer armas a Israel para matar palestinos e impediram a intervenção internacional. Durante décadas, o racismo antipalestino impulsionou os esforços para expandir as leis e práticas dos EUA usadas para reprimir violentamente palestinos, árabes-estadunidenses e outras comunidades. É exatamente por isso que estou sendo um alvo.

Enquanto aguardo decisões legais que colocam em risco o futuro de minha esposa e de meu filho, aqueles que permitiram que eu fosse alvo de ataques permanecem confortavelmente na Universidade de Colúmbia. Os presidentes [Minouche] Shafik, [Katrina] Armstrong e Dean Yarhi-Milo prepararam o terreno para que o governo dos EUA me visasse, disciplinando arbitrariamente estudantes pró-palestinos e permitindo que campanhas virais de doxing – baseadas em racismo e desinformação – não fossem controladas.

A Universidade da Columbia me atacou devido ao meu ativismo, criando um novo escritório disciplinar autoritário para contornar o devido processo e silenciar os alunos que criticam Israel. A Columbia se rendeu à pressão federal, divulgando os registros dos alunos ao Congresso e cedendo às últimas ameaças do governo Trump. Minha detenção, a expulsão ou suspensão de pelo menos 22 estudantes da Columbia – alguns despojados de seus diplomas de bacharelado poucas semanas antes da formatura – e a expulsão do presidente da SWC [Trabalhadores Estudantis de Colúmbia], Grant Miner, às vésperas das negociações de contrato, são exemplos claros.

Na verdade, minha detenção é uma prova da força do movimento estudantil em mudar a opinião pública em relação à libertação da Palestina. Há muito tempo, os estudantes estão na vanguarda da mudança – tendo liderado o ataque contra a Guerra do Vietnã, permanecendo na linha de frente do movimento pelos direitos civis e impulsionando a luta contra o apartheid na África do Sul. Hoje, também, mesmo que o público ainda não tenha compreendido totalmente, são os estudantes que nos conduzem em direção à verdade e à justiça.

O governo Trump está me perseguindo como parte de uma estratégia mais ampla para suprimir a dissidência. Portadores de visto, portadores do “green card” e cidadãos serão todos alvos de suas crenças políticas. Nas próximas semanas, estudantes, defensores e autoridades eleitas devem se unir para defender o direito de protestar pela Palestina. O que está em jogo não são apenas nossas vozes, mas as liberdades civis fundamentais de todos.

Sabendo plenamente que este momento transcende minhas circunstâncias individuais, espero, no entanto, ser livre para testemunhar o nascimento do meu primeiro filho.

 

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