Por Wedja Gouveia e Clóvis Campêlo.
“Se eu não acreditasse e não mantivesse a fé no socialismo no mundo inteiro, seria uma pessoa desesperada. Penso que é prá onde o homem caminha e isso a gente devia saber desde Cristo e os primeiros apóstolos. Está escrito nos atos dos apóstolos: todos tinham tudo em comum, quando um precisava todos ajudavam e ninguém tinha nada como seu. A meu ver, enquanto houver um miserável, um homem com fome, o sonho socialista continua”.
Este é o pensamento do escritor paraibano, “naturalizado” pernambucano, Ariano Suassuna, que lançou o primeiro romance de sua carreira, após 50 anos de vida literária.
Defendendo cada vez mais a preservação da cultura popular, Ariano Suassuna concedeu entrevista ao SindPress nos jardins da sua residência, situada nas proximidades da casa do governador eleito Miguel Arraes, cuja admiração pela sua força política faz questão de ressaltar. Nesta entrevista, o escritor fala sobre cultura, literatura, socialismo e ditadura militar.
SindPress – Por que só depois de 50 anos de atividades literárias o senhor resolveu publicar o seu primeiro romance?
Ariano – Este romance foi escrito há bastante tempo, em 1956, mas permaneceu inédito até agora. De maneira que quando a Editora Bagaço me pediu um texto para publicar, lembrei dele, revi e o entreguei. Acho que o problema tratado pelo romance é sempre atual, mas é uma história que, do ponto de vista político, não tem nenhuma abordagem contemporânea. É uma história de amor que eu diria atual porque este é um problema de todas as gerações. É uma versão nordestina da antiga história de Tristão e Izolda. É por isso que o nome é Fernando e Izaura. Coloquei dois nomes brasileiros que soassem parecidos com Tristão e Izolda. Eu o escrevi a pedido do meu amigo Francisco Brennand que queria ilustrá-lo.
SindPress – Em entrevista ao Jornal do Commercio, o senhor falou que talvez a juventude não entendesse o livro. Por que?
Ariano – Eu falei que talvez não aceitasse aquele tipo de problema porque os educadores atuais (eu não reclamo da juventude, reclamo dos educadores) estão querendo partir para uma espécie de amoralismo com a qual não concordo. Tenho a impressão de que eles, com meddo de serem considerados ultrapassados, receiam afirmar a existência de normas morais com validade universal e geral. Eu não aceito o relativismo moral que algumas pessoas pregam atualmente (psicólogos e educadores, principalmente). Quando professor, chamava sempre a atenção dos meus alunos para o fato de acreditar em normas morais absolutas. O que é relativo (o nome está dizendo) é a relação entre a pessoa e a norma. Por exemplo, acho que todo mundo que estrupar e degolar uma criança comete um absurdo do ponto de vista moral. Então essa é uma norma, ao meu ver, absoluta. As pessoas dizem que em todos os acontecimentos o bem e o mal estão misturados. Eu não acredito que aí (na degola e no estrupo) tenha nenhum bem misturado. Isso é o mal completo. Então, quando digo que não aceito o relativismo moral atual é nesse sentido. O que é variável é a relação da pessoa com esta norma. Se eu praticar um gesto deste, a minha culpa é muito maior do que a de uma pessoa que não teve as condições de vida que eu tive, que não estudou e se alimentou como eu. Mas a norma é absoluta e estabelece que este é um ato mau. É isso o que eu digo e o pessoal atualmente não quer aceitar. Outro dia, eu estava dizendo: um dos slogans mais idiotas que já ouvi na minha vida é o que diz “É proibido proibir”. Não é proibido proibir não! Um ato como este tem que ser proibido.
SindPress – Num caso de estrupo, como este, o senhor prega a pena de morte?
Ariano – Veja lá, eu não estou pregando a pena de morte. Estou dizendo que a norma é absoluta, ela estabelece que o fato é mau em si. Agora, se fosse pregar a pena de morte, eu estaria discordando da segunda parte, quando disse a você que é relativa a ligação da pessoa com a norma. Quando a pessoa infringe essa norma, ela tem que ser julgada de acordo com a sua maneira de ser e eu sou absolutamente contrário a pena de morte. Tenho condições para dizer isso porque sou filho de um homem que foi assassinado. Mas não pediria a pena de morte para o matador, de maneira nenhuma. Aceito que uma pessoa, por impulso de vingança, mate alguém (por exemplo, se eu estivesse presente durante a morte do meu pai, poderia até matar o assassino). Mas o que eu não aceito é a pessoa fazer a condenação fria, um assassinato jurídico cercado de garantias. A pessoa fica sem poder se defender e vai o Estado e mata essa pessoa com hora marcada. Eu acho isso de uma crueldade fora de todos os limites.
SindPress – Qual a sua avaliação sobre a questão da violência, hoje, no país?
Ariano – É a mesma coisa. Uma pessoa não pode matar e nem assaltar. Se eu fizesse um assalto, seria um crime imperdoável. Agora, uma pessoa que está com fome, eu entendo perfeitamente. Estou aqui conversando com vocês porque já comi. Mas, se estivesse com fome, estaria pensando em arranjar um revólver para atiar numa pessoa e arrumar o que comer. E isso é lógico para qualquer um que tenha um pouquinho de razão. Quando eu era jovem, o Brasil tinha 30% da sua população nas cidades e 70% no campo, e isso era apontado como uma vergonha, uma marca do atraso brasileiro. Hoje, inverteu a situação: 70% da população está nascidades e começou aí o que chamam de violência urbana, sem ninguém saber o que é. Isso é uma consequência desse regime capitalista que por natureza concentra renda e população nas cidades. Isso é uma decorrência do próprio capitalismo. Então, não sei de que é que o povo está se queixando, porque já sabíamos que isso ia acontecer. E ainda estão achando pouco. Estão querendo, como dizia Collor, levar a gente para o Primeiro Mundo. Nós sabemos que mais violência do que aqui, tem em Nova York. O Rio de Janeiro e São Paulo, comparados com Nova York, é besteira. Isso é o regime capitalista: você junta num aglomerado enorme, numa cidade, uma população que não tem como comer direito, nem se vestir, nem se educar, e ainda mostra o contraste, através dos meios de comunicação, da outra vida. O que é que o homem do morro vai fazer? Ele vê na televisão a vida que queria ter. Por que é que ele não tem direito? Ele vai e assalta.
SindPress – Essa questão da concentração de renda deve piorar com o projeto neoliberal de FHC?
Ariano – Claro. Ele deve saber disso melhor do que eu, porque é sociólogo e eu não sou. É evidente que vai piorar. veja bem, eu hoje, por acaso, estava olhando meu álbum de recortes e vi um texto que escrevi, no final de 1992, dizendo que não adiantava tirar Collor (da presidência da República) e deixar no poder aqueles que achavam que as idéias de Collor eram mesmo boas. Achava que com ele deveria sair também o regime que pregava e praticava, o neoliberalismo, que é a coisa mais nefasta desse mundo. E aí eu já dizia que no PMDB de Orestes Quércia e no PSDB de Fernando Henrique Cardoso só estão os equivocados ou os traidores do País, aqueles que querem que o povo continue do mesmo jeito. Eu disse isso por acaso, pois não sabia nem que eles iam ser candidatos. Então, acho que isto é a essência do neoliberalismo, um sistema que tem como núcleo o lucro. Todo regime capitalista – e o neoliberalismo é um deles – é assim, a social-democracia é assim. Isso por natureza é um regime cruel e desumano. O único regime que não coloca o lucro como núcleo é o socialismo. Agora, infelizmente, com as distorções que houveram na União Soviética o regime caiu e hoje estamos nesta luta difícil. Para lutar ficou mais difícil, mas para sonhar ficou melhor porque o sonho ficou mais puro e a gente já tem uma referência.
SindPress – O senhor ainda acredita no socialismo na América do Sul, apesar de todo esse avanço do neoliberalismo?
Ariano – O sonho socialista continua. Se a humanidade não caminhar para isto, eu não digo nem que voltaremos ao tempo das cavernas, porque acho que o homem das cavernas era mais humano do que este das cidades atuais.
SindPress – O senhor discorda da afirmação de que a sua concepção socialista está montada na religião?
Ariano – Não discordo, não. Está realmente. Em 1973 ou 74, escrevi um artigo onde dizia que os EUA e a URSS iam terminar aliados. Dizia que era um equívoco a briga deles porque colocavam a ênfase na prosperidade material e não na ética, nos valores religiosos e morais, que são de Deus. Achava que eles iriam terminar aliados e escrevi isso. Agora confesso que não esperava ver isso acontecer. Para mim, isso só iria acontecer depois da minha morte. Foi uma surpresa aquel derrocada da URSS, principalmente depois de Yeltsin. Eu já fiquei suspeitando de pois do Gorbachev, porque quando começou o movimento dele, enchi-me de esperança. Acreditava que ele ia buscar uma nova forma de socialismo. Quando vi, o homem estava era se entregando ao capitalismo, coisa que ficou mais visível ainda com Yeltsin. A Rússia está acabada. Aquele país que eu amo tanto e que tenho uma admiração enorme (eu sou um entusiasta da literatura russa, gosto muito do Dostoyewsky, Tolstói, Thecov, Gorky). Quando vi, a Rússia desse jeito aí… Guardo recortes de jornais e tenho ainda um do tempo de Gorba. Sexo, negócios e “rock and roll” é o programa da nova Rússia. Se fosse sexo como todos nós entendemos… Mas, não. Sem a menor dúvida, trata-se da sexualidade que dá lucro. Era muito difícil para mim dizer-me socialista porque não queria ser confundido com aquilo. Agora, eu acho que esse pessoal que se considera pós-socialista está indo pelo caminho errado. Estão se entregando ao capitalismo. Hoje, para mim, ficou até melhor, porque quando digo que sou socialista ninguém vai pensar que sou sócio de Yeltsin ou de Gorba, nem saudoso de Stalin. A minha idéia de socialismo é baseada numa visão de justiça e fraternidade.
Entrevista publicada no jornal SindPress nº 7, do Sindicato dos Previdenciários de Pernambuco, em dezembro de 1994.
Postado por Clóvis Campêlo no Geleia General em 4/25/2012 05:20:00 AM
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