Por Francisco Fernandes Ladeira.
Merval Pereira, articulista do Grupo Globo e presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), tem obsessão por defender o (indefensável) ex-juiz, ex-ministro da Justiça e quase ex-senador da República, Sergio Moro. Não sabemos ao certo se é algo que parte do próprio Merval, orientação de seus patrões (principais fiadores discursivos da finada Lava-Jato), ou ambos os casos. Fato é que as colunas e comentários do articulista oferecem exemplos emblemáticos de vergonha alheia jornalística.
Na terça-feira (5/2), Merval se superou. Em sua coluna no Jornal O Globo, afirmou que “apesar de todos os ataques dos últimos anos, Sergio Moro continua com forte apoio popular”. Os “argumentos” para tal pérola são os dados obtidos em pesquisa da Genial/Quaest sobre a Operação Lava-Jato (coincidentemente, este tipo de sondagem geralmente está de acordo com o direcionamento ideológico da família Marinho). No entanto, se o ex-juiz fosse assim tão popular, como explicar que, em muitos levantamentos de intenção de voto para presidente, em 2022, ele não chegou sequer aos dois dígitos.
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No final do ano passado, Merval fez uma grotesca simetria entre as nomeações de Sergio Moro e Ricardo Lewandovski, como ministros da Justiça, respectivamente nos governos de Jair Bolsonaro e Lula. A comparação seria válida se, Lewandovski, em conluio com colegas do Judiciário, antevendo uma vitória eleitoral de Bolsonaro para a presidência, contribuísse para sua prisão, retirando-o, consequentemente, da disputa para o Planalto. Como se sabe, isso não aconteceu, nem no mais conspiratório dos grupos de WhatsApp bolsonaristas.
Ainda nessa linha, Merval comparou as críticas da esquerda sobre os erros crassos de português protagonizados por Moro ao histórico preconceito linguístico da elite brasileira em relação à fala simples do presidente Lula. Parece que o articulista do Grupo Globo, aproveitando sua experiência na ABL, quer se transformar em uma espécie de Marcos Bagno da direita.
Enquanto Moro, a partir de seus privilégios de classe, teve todas as oportunidades para aprender a falar e escrever de acordo com a chamada norma-padrão; Lula, retirante da seca do sertão nordestino, tal como “muitos silvas que as estrelas não brilham”, não pôde completar seu processo de escolarização. Além disso, conhecer basicamente a língua materna é condição sine qua non para o ofício que Moro escolheu antes de se tornar político.
Mas a defesa do ex-juiz não para nas analogias descabidas. Quando vazaram os diálogos entre Moro e procuradores da Operação Lava-Jato para conduzir de forma ilegal a acusação contra Lula, Merval, cinicamente, afirmou que nenhum magistrado é imparcial! Uma obviedade, mas que não era apontada nos áureos tempos da Lava-Jato.
Na mesma época, o colunista do Jornal O Globo escreveu: “Em todas as conversas reveladas pelo hackeamento do celular do procurador Deltan Dallagnol não há um só momento em que se flagre uma combinação entre ele e Moro para prejudicar o ex-presidente Lula ou outro investigado qualquer”. Novamente, se aproveitando de sua experiência na ABL, Merval criou uma nova expressão: “contra fatos, há sim argumentos”.
Antes de ser dublê de Marcos Bagno, Merval Pereira também já quis ser Mãe Dináh. Em artigo publicado no final de 2021, intitulado “Votos (in)úteis”, ele previu que os votos que seriam de Lula na eleição do ano seguinte, num giro ideológico de 180 graus, poderiam migrar para Sergio Moro. Conforme suas palavras: “Muitos eleitores que hoje apostam em Lula, mas não são petistas, podem virar-se para Moro se ele demonstrar nas pesquisas de opinião que tem condições de superar Bolsonaro para assumir o papel de anti-Lula”.
Também no universo paralelo mervaliano, o julgamento de Sergio Moro no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) representa “um sentimento de vingança no ar” (que ironia!) e a Lava-Jato (comprovadamente uma operação lesa-pátria), marcou uma época “em que o combate à corrupção ganhou um protagonismo capaz de alterar estruturalmente o país, mas foi interrompido de maneira abrupta por uma reação do establishment”.
Sobrou até para o Supremo Tribunal Federal (STF); com Merval classificando como “esdrúxulas” as decisões dos ministros em anular as ilegalidades da Lava-Jato. Na época do famoso “Com Supremo, com tudo”, de Romero Jucá, que antecedeu ao golpe contra Dilma Rousseff, os membros da corte eram “heróis nacionais”.
E assim, enquanto parcela considerável da direita já largou o bote furado dos Sergio Moro e Deltan Dallagnol da vida, não comprando a narrativa de perseguição ou vingança, Merval Pereira segue fiel aos seus discursos de viúva desesperada da Lava-Jato. Qual será a próxima pérola para defender o indefensável, é difícil imaginar. Será que Freud explicaria tamanha obsessão?
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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de catorze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV).
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