Estudo analisou produções dos dez principais países da indústria cinematográfica; sexualização ainda prevalece nas personagens femininas.
Por: Helena Martins
Mulheres em postos de comando, ocupando cargos como a Presidência da República ou ganhando prêmios pelo desempenho acadêmico podem até ser mais comuns nos dias atuais. No entanto, ainda não é essa a representação feita sobre as mulheres no cinema, segundo a publicação Preconceito de Gênero sem Fronteiras: Uma Pesquisa sobre Personagens Femininos em Filmes Populares em 11 Países, feita pelo Geena Davis Institute on Gender in Media, a Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres e a Fundação Rockefeller.
A pesquisa destaca que, embora as mulheres sejam metade da população do mundo, dos 5.799 personagens falantes ou nomeados na tela, 30,9% são do sexo feminino. No caso dos filmes de ação ou aventura, essa participação é ainda menor: elas são 23% dos personagens com falas. Já em relação aos protagonistas, apenas 23,3% das tramas tinham uma menina ou uma mulher no papel principal.
Agência Efe
O estudo, que analisou produções exibidas entre janeiro de 2010 e maio de 2013 na Austrália, China, França, Alemanha, Índia, Rússia, Coreia do Sul, no Reino Unido, Japão e Brasil – considerados os territórios mais rentáveis para a indústria cinematográfica – constatou ainda que a sexualização “é o padrão para personagens femininos em todo o mundo”. O estudo mostra que a chance de uma pessoa do sexo feminino aparecer com roupas sensuais ou nua é duas vezes maior que a do sexo masculino. Além disso, adolescentes estão propensas a serem apresentadas como jovens adultas e é comum que as mulheres sejam representadas como magras e atraentes. Enquanto os homens magros são 15,7% do total analisado, a participação de mulheres magras chega a 38,5%.
No caso do Brasil, a pesquisa destaca que a participação das mulheres nos filmes fica em 37,1% – percentual maior que a média mundial. No entanto, o país ganha quando o assunto é a sexualização das mulheres e também na caracterização delas como magras.
Professora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e integrante da Rede Mulher e Mídia Ana Veloso considera importante a divulgação do estudo para mostrar que a sociedade está diante de “uma situação muito grave, que revela que o preconceito e a discriminação contra as mulheres são presentes no mundo todo”. Embora aponte avanços em relação a essa representação nos últimos 20 anos, ela destaca que os dados preocupam por constatarem a invisibilidade, a sub-representação feminina nos campos de produção de conhecimento e de produção de sentidos.
“Quando são sub-representadas, por exemplo, no cinema, como protagonistas, a gente tem uma falsa propagação de que as mulheres não podem exercer determinadas funções. É como se um caso particular se transformasse em universal. Isso compromete a própria formação das identidades, uma vez que a sociedade se referencia muito no que é exibido, no que é projetado, nos meios de comunicação. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação e os meios de produção simbólica também ajudam a construir uma realidade social. E é preciso que isso demonstre a real situação das mulheres na sociedade”, explica.
Essa representação, segundo a pesquisadora, ainda está longe de ocorrer, inclusive no Brasil. Ela destaca que faltam representações de mulheres “reais”, que cuidam da casa e dos filhos, mas também trabalham, estudam e inclusive se relacionam sexual e afetivamente com outras mulheres. “Quando esses modelos são reproduzidos, a gente acaba por ter uma sociedade que não conhece o que é ser mulher dentro do seu próprio país. Ou seja, você sabe e vivencia uma realidade que não é espelhada pelos meios de comunicação”, acrescenta Ana Veloso.
Além da representação, a pesquisa mostra que a desigualdade de gênero também é vivenciada por trás das telas. Para cada mulher cineasta, há 3,9 homens, segundo o estudo. Dos que trabalham com ficção, menos de um quarto é mulher. O resultado disso se vê na produção, pois, no caso de filmes feitos por diretoras, há uma maior presença feminina.
Ciente dessa situação, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), vinculada à Presidência da República, tem buscado fomentar debates e iniciativas que visem a ampliar a participação das mulheres na produção de conteúdos simbólicos. “[Os dados da pesquisa] correspondem à percepção que a gente tinha quando tomamos uma iniciativa, no ano passado, junto com o Ministério da Cultura, de lançar duas ações: o Prêmio Carmen Santos e o Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais”, avaliou a secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da SPM, Vera Soares.
O Prêmio Carmen Santos Cinema de Mulheres 2013 – Apoio à Curta e Média-Metragem traz no nome a homenagem a uma mulher que, nos anos 1920, época do cinema mudo, foi atriz, diretora e produtora. “A gente queria primeiro trazer para a história do cinema esse nome, que é sempre esquecido”, acrescentou Vera.
Com o objetivo de multiplicar esse exemplo, o prêmio viabilizou recursos para obras audiovisuais dirigidas exclusivamente por mulheres. Segundo a SPM, foram apoiados dez curtas e seis médias-metragens. “Com esse material pronto, a gente quer fazer esse debate, tanto dessa situação da produção do cinema quanto da imagem das mulheres”, destacou a secretária, ao acrescentar que os projetos selecionados também colocavam as mulheres no primeiro plano das narrativas. As obras devem ser distribuídas para cineclubes e outros espaços de veiculação.
O Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais selecionou dez projetos de diferentes linguagens artísticas feitos por mulheres, de um total de mais de 900 inscritos, na primeira edição. Na segunda, que está em curso, mais de 500 propostas foram habilitadas. “O que mostra que nós temos mulheres produtoras de arte, mas que não têm oportunidade”, avalia a secretária da SPM
Foto: Agência Efe
Fonte: OperaMundi