Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Menino, por que anda tão apressado? Pra que passos tão largos neste asfalto quente? Pressa, que pressa é essa? Não ouve lá fora o barulho do helicóptero? Entende este som que está aqui quase sempre? Diz pra mim. São tiros, menino! Volta! Guarda essa mochila e faz uma oração. Pede pra passar logo esse caos lá de fora. Sua reza é forte porque a voz de menino chega mais rápido nos ouvidos de Deus. Pede! Pede pra gente, pra essa cidade. Pede pra mudarem de ideia sobre achar que tiro vai resolver esses problemas todos. Guarda, vai! Guarda essa mochila e entra. Deve estar passando algo legal pra você assistir. Aproveita e tira uma dúvida. Me diz uma coisa, menino. O que leva nessa mochila? Porque é ela que te acompanha na pressa. Leva ideias do que vai aprontar com seus amigos na escola? A bobagem de menino que faz nascer sorriso, é? Uma piada nova? Ou resposta para as questões anotadas em seu caderno? Matemática, português, ciências, existência, cotidiano, a pessoa que gosta? Quem sabe essa mochila não tenha asas guardadas para te mostrar outros continentes. Caminhos para você passear na janela vendo a vista. Não se preocupa tanto com o futuro agora. Vai sorrir! Leva seus desejos mais intensos como se é intenso na sua idade e como tudo faz tanto e imenso sentido nessa idade. Fecha bem sua mochila para que não caia nada no caminho. Tem coisa que acham na rua e não devolvem de jeito nenhum. Coisa rara não se perde nunca! Se cuida como a vida! Fecha bem! Deixa guardadinha essa vontade de mudar o mundo e a própria história. O dia que vai ver todos aplaudindo sua vitória e lembrando quando tinha que andar apressado por entre munições despejadas aos montes. Quero ver você e seus amigos lá. Sigam, por favor. Rega isso pra crescer forte e bonito. Guarda bem e não conta pra ninguém. Você pode fazer exatamente o que quiser. Só não esquece de erguer a cabeça quando passar por carros de sirene. Pra verem que você é de bem, tá?
Mas hoje não. Hoje cê fica aqui e abre a mochila. Aproveita pra dar uma limpada nos seus sonhos. Te dou um pano novo. Peraí! Vai que você sai e acontece igual acontece com tantos todos os dias por aqui. Vai que você vira mais um engano, um equívoco, um erro. Não! Vamos tentar não dar margem para que também te confundam como confundem tantos iguais sempre, tá? Pra que não que não acertem tantos alvos errados. A rua de cima tem história. A que está aqui do lado também tem. 13, 14, 15 anos. Não importa muito! Sempre acontece! E é sempre a mesma coisa. A gente tá lá trabalhando e ligam falando que houve um acidente. Aí vai correndo ver e não vê nunca mais. Deus me livre. Fica! Seus amigos são um bom motivo pra me escutar, menino. A saudade das suas mães não pode ser a minha, sim? Existe algo melhor pra todos chegando.
Menino… oh menino… tudo tá estranho agora. Um escuro, um vazio. Estou andando faz tempo e esse tempo não me pega. É uma sensação de estar amarrada e em movimento. Um grito preso. Venho falando alto as rezas que conheço. E pensando que quero chegar! Porque preciso chegar e logo. Pra ver o que aconteceu. O que aconteceu, pelo amor de Deus? Que aconteceu? Me conta, menino, conta. Eu lá trabalhando e me ligaram. Como pode? Estava bem e agora você aí. Também espero que nunca mais sinta essa dor, mas agora aquieta. Calma! Meu Deus do céu. Calma que vai ficar bem. Você vai tomar água assim que puder. Calma! Você tem tanta vida. De novo! De novo! E eu pedindo tanto para não ser um meu e nem de ninguém. E isso de novo! Não percebem que é toda vez isso, Deus do céu? Como isso pode acontecer, meu Deus? É um menino! É um menino só! Como alguém com uma mochila pode ser bandido? Como ainda estão insistindo na ideia de que matar vai resolver, gente? É meu menino. Era menino!
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Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor.
Forte e angustiante. Em encontro direto ao falso jornalismo normativista de arrivistas que descreveu tantas e tantas vezes e tantas e tantas cenas assim.
Apresentou o fato e fez refletir na marra.
Prossiga, prossiga…
Comoção a mil!! Eram só meninos e a história se repete…. Essa lírica emana um sentimento que mescla grito e silêncio.
Bela explanação da realidade, de forma poética acredito que chegue a muitos corações que já não se afligem mais com tantas vidas ceifadas na naturalidade da violência diária.