Por Camila Faria e Vinícius Lemos, BBC.
Evelin tinha 13 anos quando engravidou do namorado de 22. Pouco após o nascimento da filha, ele foi assassinado.
Luana, que engravidou aos 14, dizia que tinha planejado a gestação. Ela e o namorado, de 16, estavam juntos havia cerca de um ano quando descobriram que seriam pais.
Edilene, 14, soube que seria mãe pouco após terminar o relacionamento com o então namorado, de 21 anos. Na mesma época, ele também engravidou Joice, 15.
As histórias dessas adolescentes grávidas, moradoras de regiões periféricas do Rio de Janeiro, são contadas no documentário Meninas, dirigido por Sandra Werneck e Gisela Camara. As jovens foram acompanhadas pela produção por cerca de um ano.
Filmado em 2005, após ser aprovado em um edital da Petrobras, o documentário foi lançado no ano seguinte. Na época, chegou a ser exibido no Festival de Berlim, na Alemanha. No Brasil, foi adotado em escolas brasileiras como parte de campanhas de prevenção da gravidez na adolescência.
Sandra Werneck diz à BBC News Brasil que decidiu fazer o documentário pois queria responder a uma pergunta: por que uma menina abre mão da adolescência para ter um filho?
A diretora diz que não há uma resposta exata para o questionamento, mas comenta que descobriu que ter um filho pode ser sinônimo de status na periferia.
“Eu acho que elas não têm consciência (sobre o que é ser mãe). Mas muitas passam a vida cuidando dos irmãos mais novos e têm uma vontade de ter uma coisa delas, porque a vida inteira não tiveram nada”, diz Sandra.
“Para essas garotas, ter um filho representa que passarão a ser vistas como meninas mais velhas”, acrescenta.
Do ano em que a obra foi lançada aos dias atuais, a gravidez na adolescência continua como um problema no país.
Nos últimos 20 anos, o Brasil registrou queda de 37,2% no número de adolescentes grávidas, segundo estudo da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). O levantamento foi feito com base em dados de nascidos vivos (NV) de mães de 10 a 19 anos, entre 2000 e 2019.
Mesmo com a redução nos números, pesquisadores ressaltam que esse cenário continua preocupante. Um dos argumentos é que a taxa de gestação entre adolescentes está muito acima de países considerados bons exemplos nessa área.
De acordo com o estudo, o Brasil possuía uma taxa de mães adolescentes (de 15 a 19 anos) de 48 a cada mil nascimentos em 2019. Nos Estados Unidos, a taxa era de 20 a cada mil, e em países europeus havia uma média de oito a cada mil, segundo o Banco Mundial.
A gestação na adolescência afeta o presente e o futuro dessas jovens, porque costuma prejudicar os estudos e a busca por emprego.
Os impactos de ser mãe na adolescência foram sentidos pelas protagonistas do Meninas, na época das gravações e também nos anos seguintes.
Até hoje, o documentário é visto por muitos jovens. É possível observar a dimensão da obra por meio do YouTube. Na plataforma de vídeos, a produção foi compartilhada por diferentes contas — em uma delas, contabiliza mais de 2,4 milhões de visualizações, enquanto em outra tem mais de 790 mil.
15 anos depois do lançamento do Meninas, a BBC News Brasil foi atrás das histórias das protagonistas do documentário para mostrar os rumos que seguiram.
Grávida aos 13 anos
Uma das histórias mais marcantes no documentário é a de Evelin Rodrigues. A jovem de 13 anos foi a mãe mais nova entre as meninas. Poucos meses após dar à luz, ela se tornou viúva.
Ela relata que, apesar de ter sido alertada pela mãe sobre a possibilidade de engravidar depois de “ficar mocinha”, não obedecia ao conselho de tomar anticoncepcional.
“Tinha medo de engordar ou passar mal”, conta à BBC News Brasil.
Quando ela descobriu a gravidez, a mãe e a avó chegaram a sugerir um aborto. “Mas eu não quis tirar”, relata a jovem, que afirma que tinha medo do procedimento.
“Eu vi amigas abortarem, vi meninas que morreram no processo, eu não queria tirar de jeito nenhum.”
No documentário, Evelin contou sobre um episódio no qual ela, quando já estava grávida, apanhou do pai da filha na frente dos amigos por ter saído de casa sozinha.
“Minha mãe falava que ‘mulher de bandido apanha’, e eu não acreditava”, disse a adolescente de 13 anos à câmera.
Nove anos mais velho, o pai do filho dela era membro de uma organização do tráfico de drogas na Rocinha.
Atualmente, ela reconhece que tinha uma relação conturbada com o rapaz. “Ele era um cara ciumento e possessivo, queria me manter presa dentro de casa e dizia que eu era só dele”, lembra. “Quando eu saía, ele queria me agredir”, conta.
O pai da criança morreu em um conflito com a polícia, dois meses após o nascimento da filha.
Evelin teve ajuda da mãe para criar a filha. “Ela (mãe) disse que a ‘responsa’ era minha, mas sempre me ajudou”, diz. Ela trabalhou como manicure no fim da adolescência e aos 18 anos conseguiu um emprego como vendedora.
Durante quase uma década, Evelin trabalhou em lojas, e hoje investe na carreira como influenciadora digital. Ela acumula 64 mil seguidores no Instagram, sendo a grande maioria composta por pessoas que a acompanharam no documentário e querem saber como está a vida dela atualmente.
Nas redes, Evelin fala com frequência sobre o documentário. Em seu canal no YouTube, onde acumula 48 mil inscritos, os vídeos mais assistidos são relacionados ao Meninas. Entre eles, há conteúdos com perguntas e respostas sobre o documentário e um passeio para mostrar como está atualmente a casa em que ela morava na época das gravações.
Evelin se mudou da Rocinha após conhecer o atual marido, pai de seus outros dois filhos. A residência em que ela morava na época do documentário atualmente é ocupada por seu irmão.
Ela considera que a mudança de casa foi uma forma de evitar que a filha, hoje com 16 anos, repetisse a história da gravidez na adolescência. “Sei que isso não define nada, porque se ela quiser seguir o mesmo caminho, vai seguir. Mas eu quis tentar ter uma vida mais tranquila”, afirma.
“Eu tive menos escolha. Parece que tem um ímã, você acaba se envolvendo porque aquela é a realidade em que você vive, mas eu quis um outro futuro pros meus filhos”, diz.
Hoje, aos 30 anos, Evelin diz que cria os filhos de forma diferente de como foi criada. “Eu tinha muita liberdade”, diz.
Em meio às regras que criou para os filhos, uma das mais importantes para ela é a transparência sobre assuntos considerados espinhosos.
“Desde quando ela (a primogênita) quis começar a namorar, eu já fui bem clara sobre ter relação (sexual). Quando ela quis saber do pai, eu também falei. Ela assistiu ao documentário, perguntou se o pai me batia, eu contei que sim, batia e era ciumento”, conta Evelin. Ela diz ter orientado a filha a “se cuidar antes de se envolver” com alguém.
‘Eu realmente quis engravidar’
No início da adolescência, enquanto cuidava da irmã caçula, Luana Santos decidiu que logo se tornaria mãe. “Eu falava que queria ter um (filho) só pra mim por ter cuidado dela”, disse no documentário, enquanto estava grávida.
Luana explicou, na produção, que sabia os métodos para evitar uma gravidez, como por meio do uso de anticoncepcional ou de preservativo. Porém, em determinado momento quis se tornar mãe e abandonou as formas de prevenção.
Hoje, Luana diz que acreditava que a gestação faria com que ela passasse a ser vista como uma pessoa madura.
“Eu realmente quis engravidar. Eu tinha muitos atritos com a minha mãe e achava que as pessoas entenderiam que eu era adulta se eu também virasse mãe”, afirma à BBC News Brasil.
A então adolescente morava junto com a mãe e as quatro irmãs na comunidade Morro dos Macacos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O pai das garotas era traficante e morreu durante uma guerra de facções, quando as filhas ainda eram crianças.
Quando soube da gravidez da primogênita, a mãe de Luana ficou triste. “Ela me rejeitou a gravidez inteira. Fiz o pré-natal sozinha, junto com o pai da minha filha. A minha mãe só aceitou a minha gestação quando precisou me acompanhar em um exame, por eu ser adolescente, e ouviu o coração da neta pela primeira vez”, diz Luana.