Em seminário da CUT, especialistas do setor e dirigentes sindicais defendem que aprimorar infraestrutura exige oferecer condições dignas aos trabalhadores
Por Luiz Carvalho e William Pedreira.
Na abertura do Seminário do Setor de Logística, que a CUT promove nesta quinta (27) e sexta-feira (28), em São Paulo, o secretário Geral da Central, Sérgio Nobre, destacou que o país precisa se preocupar em melhorar a eficiência no segmento, mas não pode abdicar de construir relações decentes e modernas de trabalho.
Para o dirigente, o sistema de logística é um dos grandes gargalos da economia brasileira, por conta da estrutura de portos, aeroportos e estradas ficar abaixo da demanda que cresceu com a melhoria economia e a inclusão social na última década.
O encontro faz parte estratégia da CUT de juntar os ramos por cadeira produtiva para que possam fazer o debate e propor estratégias conjuntas.
Segundo Nobre, o momento para que os trabalhadores pressionem pelas mudanças é esse, tanto para evitar a estagnação do país, quanto para fazer com que as transformações incluam a ampliação de direitos da classe trabalhadora.
“Uma coisa é você reivindicar e atuar num cenário de crescimento econômico, outra coisa é você atuar num cenário em que a economia não cresce. A Europa, nesses seis anos de crise que estão vivendo, viu a redução com o custo do trabalho caiu mais de 15%, porque na crise você não tem aumento real e sim corte de benefícios. E não queremos isso”, afirmou.
Conforme destacou a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, o setor está na mira do mundo por conta do crescimento do país afetar outros mercados. “A nossa atuação nesse segmento é fundamental para que o Brasil possa competir em melhores condições lá fora. Mas, sem organização, não poderemos fazer pressão para que os investimentos sejam direcionados também para melhorar a qualificação do trabalhador, a jornada, o salário. Espero que terminemos esse seminário com uma proposta de negociação de um contrato coletivo nacional”, defendeu.
Futuro – Diretor da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) – estatal brasileira criada em 2012 e ligada ao Ministério do Transporte –, Hélio Mauro França, afirmou que o atraso na realização de investimentos em infraestrutura levou o país a uma situação duplamente crítica: um déficit de capacidade instalada, que dificulta as transformações necessárias, e um alto custo logístico para movimentações de carga.
Ele apresentou um diagnóstico em que pontuou os problemas dos transportes rodoviários e ferroviários, principais meios para distribuição da produção nacional. O primeiro, por conta de itens como as condições desfavoráveis de tráfego nas estradas e o longo tempo de espera nas operações de carregamento e descarregamento, opera no limite de sua capacidade e com baixa produtividade.
Já o segundo, não explora dois terços da malha ferroviária e possui trechos que não passaram por nenhum processo de modernização, além de ter preços formados por um ambiente em que impera o monopólio.
De acordo com França, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), primeira iniciativa estruturada para que o país tenha um sistema de transporte adequado após duas décadas de baixo investimento, prevê investimentos de R$ 290 bilhões de investimento, Mas ele alertou para a necessidade de investir outros R$ 353 bilhões para construir uma ampla e moderna rede de infraestrutura.
O diretor destacou ainda avanços como parcerias público-privadas (PPP), que geram polêmica no meio sindical por conta da semelhança com o processo de privatização, para duplicação de 2.828 km de rodovias, que deve ocorrer em cinco anos, e citou a aprovação de 14 novos terminais portuários após a regulamentação do Novo Marco Legal do setor.
França falou também sobre o Programa Nacional de Logística Integrada (PNLI), uma das ações da EPL, que visa identificar gargalos para um modelo de transporte eficiente e produtivo.
Por meio de estudos das10 maiores cadeias produtivas da indústria e da agropecuária, por exemplo, verificou que a capacidade de armazenagem do agronegócio brasileiro é de apenas 14%, contra 55% nos EUA. Isso exige escoar a produção de maneira mais rápida, fator que, aliado à infraestrutura precária para o transporte, fez o valor do frete brasileiro por tonelada atingir em 2013 o valor de US$ 92 contra US$ 23 dos EUA e US$ 20 da Argentina.
Antes de encerrar com o compromisso de convidar as entidades sindicais para discutir o PNLI, ele destacou que os trabalhadores também são prioridade dentro do programa. “O objetivo é que todos os elos da corrente ganhem em produtividade e os trabalhadores tenham melhores condições de vida”, afirmou.
CUT e FGTS – Primeiro trabalhador a presidir o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS), o secretário de Organização Sindical da CUT, Jacy Afonso, lembrou que em 2006, o ex-presidente da Central e então ministro do Trabalho, Luiz Marinho, propôs que parte dos recursos do FGTS fossem aplicados em obras de infraestrutura.
Por conta dessa decisão, cerca mais de 500 mil empregos foram gerados a partir de investimentos do fundo. “Tiramos o valor da especulação para aplicar na produção”, avaliou.
Neste ano, ressaltou, o fundo tem R$ 10 bilhões para investir e a forma como será aplicado depende da capacidade de mobilização da sociedade brasileira. “Se for capazes de pressionar, esse valor pode ser uma injeção na veia para crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e geração de emprego”,avaliou.
Visão dos trabalhadores – Dirigentes dos sindicais também ajudaram a traduzir os números e conceitos de cada segmento ao apontarem os obstáculos e desafios que enfrentam diariamente nas bases.
Secretário-Adjunto de Saúde do Trabalhador da CUT e presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), Eduardo Guterra, apresentou dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para mostrar que a movimento de cargas nos portos praticamente dobrou, passando de 571 de toneladas para 929 milhões. E também reforçou que a estrutura não acompanhou a demanda.
Para Guterra, o Estado precisa ser mais presente. “Temos muitos desafios, como combater a precarização do trabalho, fazer cumprir as normas de saúde e segurança e o desemprego perante as novas tecnologias. Mas, sem dúvida, a briga pela presença do Estado na atividade portuária, como acontece em todo o mundo, é um dos pontos fundamentais.”
O diretor jurídico do Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina), Marcelo Tavares, e o diretor de base do Sindicato dos metroviários de Belo Horizonte, José Felício, apontaram o problema da privatização em seus segmentos. “Hoje nossa luta é por condições decentes de trabalho e estamos implantando redes sindicais para fortalecer essa luta”, disse o primeiro.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Trânsito Urbano de São Paulo (Sindiviários), Luiz Antônio Queiroz, também tratou da um problema que afeta a gestão do Estado: a demissão de trabalhadores para diminuir custos. “São Paulo tem uma frota de 7,6 milhões de veículos e 4.400 trabalhadores para fiscalizar o trânsito, enquanto a Cidade do México, com características semelhantes a São Paulo, tem 12 mil trabalhadores”, disse, acrescentando que tal estrutura dificulta a fiscalização e organização do trânsito na capital paulista.
Presidente da Associação Nacional dos Caminhoneiros (Antrac), Benedito Pantalhão, falou da falta de estrutura das estradas, que não oferecem acomodações aos motoristas para descansarem, conforme determina a lei, criticou o valor dos pedágios, especialmente em São Paulo, que encarecem o frete. Ainda sobre o tema, citou a necessidade de constituir um piso nacional para evitar a exploração. “A CUT e nós defendemos definir uma planilha de cálculo com tarifas que devam ser compridas em todo o país para impedir abusos”, falou.
Presidente do Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil (RJ), Valmir Lemos, dise que o Brasil pensa o transporte com prioridade para as exportações, postura prejudicial à malha ferroviária, segundo ele.
Já o presidente da Confederação Nacional de Transportes Terrestres (CNTT), Paulo João Estausia, mostrou como o sindicato pode melhorar a vida da população quando está presente no cotidiano da população. Em Sorocaba, interior de São Paulo, os cobradores de ônibus, que seriam demitidos foram requalificados e transformados em agentes de bordo para fiscalizar as atividades dentro do coletivo e auxiliar no embarque e desembarque de passageiros.
Também lembrou da luta da confederação pela implementação de um piso mínimo para os caminhoneiros e alertou para a participação das empresas e do Estado na preparação da categoria.
“O caminhoneiro tem de ter curso para dirigir carga perigosa, carga excedente, transporte coletivo, mas quem paga é o próprio profissional. Daí, se está desempregado, com cursos vencidos, não consegue emprego. E se não consegue emprego, não consegue os certificados”, criticou.
Saúde e segurança nos transportes – Jornada exaustiva, pressão pelo cumprimento de horários, tempo de descanso e fadiga. O doutor em Psicobiologia pela Universidade Federal de São Paulo, Marco Túlio de Mello, apresentou dados e aspectos científicos que mostram que esta combinação pode ser fatal.
O déficit de descanso remonta a uma série de aspectos prejudiciais: perda do senso de julgamento, percepção, decisão, memória, tempo de reação, atenção, desempenho. Em 2010, foram registrados mais de um milhão de mortes. Destas, quase 45 mil ligadas aos transportes/trânsito.
Ao questionar o público – composto em sua grande maioria de trabalhadores em transporte – sobre quem já havia cochilado ao volante, um cenário no mínimo preocupante: cerca de 60% acenaram positivamente. “O cansaço mata. Por isso, as entidades necessitam pensar além das cláusulas econômicas em suas negociações. Muitas vezes aspectos de saúde e segurança são mais relevantes”, rechaçou.
Para ele, a escala de trabalho de quatro turnos noturnos seguidos é altamente prejudicial por aumentar o risco de acidente. “Trabalhar quatro noites seguidas aumenta em 36% a chance de acidente”, pontuou.
A partir da nona hora trabalhada cresce o risco de acidente. Este fator é duplicado após a décima segunda hora e triplicado a partir da décima quarta. Cerca de 92% dos acidentes são causados por falha humana, impulsionados por fatores como: fadiga e estress do trabalho, hábitos alimentares incorretos, obesidade, sono, álcool, drogas e medicamentos.
Secretário de Organização da Contraf-CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro), Miguel Pereira, trouxe a experiência do setor que já possui uma mesa de negociação específica junto a Fenaban ao longo de todo o ano para discutir a questão da saúde.
Ele sugeriu que os trabalhadores em transporte utilizem a questão da jornada de trabalho e descanso como gancho para construir uma negociação adequada em âmbito nacional com todos os setores envolvidos.
Judicialização da greve – Em 2012 foram registradas 873 greves no Brasil. Destas 59 ocorreram no setor de logística, sendo cinco no área pública e o restante no setor privado.
Mais de 30% foram greves de advertência e quase 70% por um período indeterminado. Estes números foram apresentados pelo economista da subseção do Dieese da CUT, Rafael Serrao.
Cerca de 70% dos movimentos grevistas tiveram intervenção da justiça. Já no cenário geral, este número cai para 33%. “São indícios claros de que a justiça determina o transcorrer e o resultado das greves neste setor”, ressaltou Serrao.
Intervenções por parte do Judiciário quase sempre atendem a interesses econômicos, antagônicos ao da classe trabalhadora. O primeiro dispositivo utilizado pelas empresas, normalmente, são os interditos proibitórios. No caso dos transportadores autônomos de cargas, o interdito proibitório tem sido um dispositivo bastante utilizado pelas concessionárias de estradas para impedir que os caminhoneiros fechem vias, estacionem em postos de gasolina e acostamentos de estradas. “Na última greve recebemos 40 ações judiciais. A exceção de uma liminar, todas determinaram que os caminhoneiros não poderiam estacionar nos meios-fios, acostamentos e em outras localidades”, criticou o advogado Luiz Paulo Campos.
Multas aos sindicatos e dirigentes sindicais e processos criminais são outras artimanhas utilizadas pelas empresas para barrar as greves. “A alternativa é antecipar as ações judiciais e cumprir todos os preceitos legais, pois os legítimos direitos da classe trabalhadora devem ser defendidos até a última instância”, assinalou Cascone.
Com um vasto histórico e experiência de organização de greves no setor de transporte, o presidente da CNTT-CUT, Paulo Estausia, afirmou que diante de um cenário de criminalização do movimento, o caminho mais conveniente é evitar o desgaste das greves por tempo indeterminado, principalmente em serviços essenciais. “O empresário não tem responsabilidade social e quase não tem prejuízo com a greve. Toda culpa recai sobre os trabalhadores, graças a uma colaboração efetiva da imprensa tradicional que sempre criminaliza o movimento”, explicou. “Precisamos evitar o Tribunal sob o risco de várias das nossas conquistas serem retiradas”, disse.
A alternativa apontada pelo presidente da CNTT é manter a pressão no dia a dia, com um trabalho permanente de mobilização. “Queremos também unificar a pauta dos trabalhadores celetistas e autônomos com estratégias concretas e comuns, sempre confiantes no resultado positivo”, finalizou.
Fonte: CUT.
Foto: Dino Santos.