Por Rodrigo Martins.
Remanescente do velho MDB, nacionalista e desenvolvimentista, o senador Roberto Requião integra um grupo de emedebistas cada vez mais descontentes com o receituário neoliberal imposto pelo golpe e responsável pelo caos que o País vive. Não por acaso, tem crescido a rejeição interna à candidatura do ex-ministro Henrique Meirelles, principal artífice da política econômica de Michel Temer.
Para evitar um vexame em 2018 e verificar se o partido ainda tem algum resquício dos princípios que nortearam sua fundação, o ex-governador do Paraná decidiu apresentar-se como alternativa à legenda para as eleições presidenciais deste ano.
“Meu projeto é a perfeita antítese do neoliberalismo entreguista do Temer. Na verdade, proponho uma aliança entre o trabalho e o capital produtivo, contra os interesses geopolíticos de outros países e do capital financeiro”, diz. Na entrevista a seguir, Requião explica por que decidiu entrar na disputa, e aponta a responsabilidade do governo na greve dos caminhoneiros e na crise de desabastecimento que assola o Brasil.
CartaCapital: Por que o senhor entrou na disputa pela indicação do MDB para concorrer à Presidência da República?
Roberto Requião: Ofereço ao MDB uma alternativa, em cima de velhos princípios. Temos a melhor proposta desenvolvimentista que já se elaborou no Brasil, o documento “Esperança e Mudança”, aprovado em convenção em 1982. Trata-se de um projeto nacionalista, fundamentado em princípios keynesianos. Não temos nada a ver com o neoliberalismo de Michel Temer e com os disparates econômicos do “Ponte para o Futuro” (projeto apresentado pela Fundação Ulysses Guimarães em 2015).
CC: Ao anunciar a sua desistência, Temer apresentou o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles como pré-candidato do MDB.
RR: Temer deve ter os mesmos votos que eu, pessoalmente, tenho na convenção. Nas pesquisas, ele tinha 1% das intenções de voto, e o Meirelles deve ter menos. A cúpula dirigente do MDB pressionou Temer a desistir, porque ele jogaria as candidaturas do partido para baixo. Lançaram Meirelles certos de que a candidatura dele não vai decolar.
CC: Como assim?
RR: A candidatura de Meirelles é uma âncora, vai afundar quem se associar a ela. Sem candidato, o fundo eleitoral pode ser dividido entre os donos do partido nas suas ambições para o próximo pleito. Apresentei uma alternativa ao MDB e, com isso, também faço uma pesquisa. Quero verificar se ainda existe em suas bases aquela visão nacionalista e desenvolvimentista que deu origem ao partido. Não é bem um lançamento, e sim um ensaio. Se encontrar apoio, sigo na disputa.
CC: Como o senhor avalia a condução do governo Temer até o momento e, em particular, nesta crise que vivemos atualmente?
RR: Temer tenta implantar no Brasil o neoliberalismo que fracassou na Europa e agora pede asilo no Brasil. Esses interesses financiaram o golpe parlamentar que derrubou um governo eleito, ao qual eu me opunha, vale lembrar. Também fiz oposição à política econômica de Joaquim Levy, ministro de Dilma Rousseff. Agora, o atual governo aposta em um neoliberalismo radical, guiado pelo mercado financeiro e submisso aos EUA.
A atual crise é resultado disso. A escalada no preço do diesel foi provocada por essa política maluca da Petrobras, de autorizar reajustes automáticos conforme a variação no mercado internacional. Chegou a ter 16 modificações de preço em um único mês. Não tem o menor cabimento.
CC: É verdade, mas os caminhoneiros elegeram como alvo os tributos que incidem sobre os combustíveis.
RR: Venderam a eles a ideia distorcida de que os tributos são os principais responsáveis pelo preço elevado. A Petrobras aumentou brutalmente a importação de derivados de petróleo do exterior, enquanto as refinarias nacionais operam com ociosidade impressionante, de até 25%, segundo a Federação Única dos Petroleiros.
Todas essas medidas vieram para favorecer o setor privado, a Shell, a Texaco, as grandes importadoras. De fato, os impostos são pesados. Quando era governador do Paraná, baixei a tributação sobre o óleo diesel para 12%, o menor porcentual do Brasil. Mas não é isso o que provocou a recente crise. Essa política tributária vem de muito tempo, e o preço dos combustíveis não estava tão elevado.
CC: Como a Petrobras poderia agir para evitar a escalada dos preços?
RR: A Petrobras é dirigida por Pedro Parente, que preside o Conselho de Administração da BRF Brasil Foods, e antes presidiu a Bolsa de Valores. A função dele é privatizar o setor, favorecendo as multinacionais. Repare as medidas anunciadas por Temer aos caminhoneiros.O governo vai compensar os descontos no diesel, mas fará isso para a Petrobras e para todas as outras importadoras. É a primeira vez que o País dará subsídios para a importação, quando tem condições de produzir em território nacional. Temer corta verbas da saúde, da educação, congela os investimentos públicos por 20 anos, mas está disposto a subsidiar o lucro dos acionistas da Petrobras. É um desvario.
Os caminhoneiros estão se defendendo. Fica difícil calcular o preço do frete e ganhar a vida quando os custos aumentam a todo instante. Embora seja uma reivindicação corporativa, ela está sendo apoiada pela população no Brasil inteiro. Há um sentimento difuso de horror ao neoliberalismo, que permitiu esse aumento excessivo nos preços dos combustíveis.
CC: Como o senhor avalia a postura do empresariado neste quadro?
RR: A elite ainda não entendeu o que está acontecendo. O dinheiro que circula no Brasil está sendo consumido brutalmente com financiamentos. Cerca de metade dos meios circulantes fica com os bancos e as financeiras. Os empresários acham que, para voltar a produzir, precisam reduzir custos, nem que seja à custa dos salários de seus funcionários. Não percebem que estão reduzindo o poder de compra da população.
Aceitaram com alegria o trabalho intermitente e toda a violência contra a CLT. Só que esse trabalhador não tem acesso a financiamento. Nos EUA do New Deal, por sugestão de Henry Ford, o presidente Franklin Delano Roosevelt diminuiu a carga horária dos operários e aumentou os salários, justamente para aquecer a demanda no mercado doméstico. Aqui fazemos o contrário. Privilegiamos o capital financeiro, improdutivo, e achatamos a demanda com a precarização do trabalho, uma loucura total.
CC: Até que ponto o senhor pretende levar esse debate no MDB?
RR: Quero saber se ainda existe o velho MDB, desenvolvimentista e nacionalista, ou se foi tudo tomado. Meu projeto é a perfeita antítese do neoliberalismo entreguista do Temer. Na verdade, proponho uma aliança entre o trabalho e o capital produtivo, contra os interesses geopolíticos de outros países e do capital financeiro. Fui governador do Paraná por três vezes. Tenho uma história limpa e de sucesso na administração pública. Coloquei-me à disposição do partido, em uma espécie de lançamento experimental. Quero ver qual será a resposta do partido, se é que o MDB de base ainda existe.
Não poderia mais conviver com essa dúvida.