Medo de fantasmas

Por Raul Fitipaldi. 

Em mais de três décadas de jornalismo e outras tantas de militância política nunca foi claro para mim o fascínio do poder, inclusive aquela fascinação que eu pude ter sentido. Falo da excitação, da sensualidade irresistível de ter e exercer o poder, seja no âmbito familiar, profissional, social ou político.  Não discuto a necessidade do poder. O poder é necessário quando os pobres, os excluídos, os que desejamos e precisamos de um outro mundo justo e possível, queremos praticar e conduzir, de forma coletiva e por decisão democrática, a transformação. Isto vale para um bairro, uma cidade, um país, e para esse Mundo fenomenal ainda por resgatar. Vale para Florianópolis, vale para as eleições de 2012 e os candidatos a Prefeito, e para os candidatos ao legislativo municipal.

Há o fascínio do exercício do poder coletivo? Deveria, pois, com certeza é necessário para contrarrestar a fascinação que o poder exerce sobre os líderes de maneira individual. Ou sobre pequenos grupos de poder escorados no candidato, tanto de forma programática como de maneira marqueteira. Essa sensualidade impositiva que exerce o poder nos faz tomar decisões nem sempre justas, úteis, lógicas e das quais não tenhamos que nos arrepender no futuro. Por exemplo, podemos escolher entre uma agenda política ou outra, entre um aliado ou outro em consequência da anterior, entre a governabilidade da ordem com uma classe social ou tentar mudar a correlação de forças, apostando na contraparte. Podemos, pelo fascínio do poder, governar com os ricos ou com os pobres, com a legalidade dos ricos ou com a transformação e o novo. E pelo fascínio do poder, podemos, em perspectiva histórica, acertar, mesmo que seja na marra, ou escolher errado. Qual escolha fizeram os candidatos a Prefeito de Florianópolis na última sexta-feira? Por que a fizeram e com quem querem construir sua liderança, seus projetos e seus partidos? Ao menos nessa noite de 14 de setembro de 2012, ficou clara, dentro da atual conjuntura da Capital.

A maioria da sociedade, fulminada como sempre pela “mídia governante” e sua artilharia de emissoras de rádio e televisão, jornais, blogs e sítios virtuais, aposta a ganhador. Quanto mais derrotado e alienado está um ser humano mais lhe resulta importante ganhar. “- Compita, concorra, seja você mesmo o roteirista do seu reality show, vença, não seja um fracassado, vença, vença, vença embora para vencer tenha que dar a vida. Ao final é sua vida, não a vida da emissora nem a vida do candidato.” De modo que o eleitor, muito mais ainda num clima antecipado de segundo turno, precisa desesperadamente fazer isto: cumprir com seu dever de cidadão e não se omitir de tal, defender a democracia, qualquer democracia, e eleger o vencedor ou vencedora. Isso tudo apoiado num marketing grotesco: Vote em César porque ele já demonstrou como se faz uma maratona cultural, vote em Gean porque ele já tem o dinheiro na mão, ou vote em Ângela porque Lula e Dilma assim o aconselham.

O salário dos marqueteiros não deve ser muito alto, o cardápio é ruim e pouco proveitoso. No entanto, com muito mais tempo de televisão, com máquinas fortes, estaduais e nacionais, com a evidência de serem os ganhadores, esses três de cima são os que escolhem o terreno de jogo, a bola e a plateia. O terreno é o aplainado da ordem constituída, a bola é a da mensagem fácil e certeira, num quase único canal e uma mísera quantidade de rádios que entram no arco domiciliar em qualquer parte da cidade, e a plateia aquele que pode pagar a conta da campanha ou a conta da Prefeitura. O que está fora do mercado de trabalho, de consumo e de programa, é um ocupa, nunca é a bola da vez e não serve de macaco de auditório. Os moradores de rua que esperavam estes três candidatos “ganhadores”, que por decisão política nem apareceram no Debate onde os populares entregaram suas demandas ao vivo, por TV Floripa, Desacato.info e Rádio Campeche, na noite do 14 de setembro, não tinham onde ligar o computador, onde conectar a TV, onde ouvir a rádio comunitária que só pega numa parte do sul da ilha, por isso foram lá falar com eles. Os fantasmas da noite ilhoa transcenderam em corpo e demanda, e como fantasmas que são, nenhum dos candidatos “principais” os viu e os ouviu.

Nessa audição de bases sociais para candidatos, os “perdedores” estiveram lá: Janaína Deitos, Gilmar Salgado e Elson Pereira. Escutaram, apresentaram propostas, criaram compromisso, nada demais, o mínimo imprescindível. Seus marqueteiros também tinham festas, aniversários, lançamentos, muitas semanas ou dias antes confirmados, agendados, mas, lá ficaram mais de três horas. Também não tiveram medo de outros fantasmas que rondaram o auditório do Sinjusc: os velhos militantes que, conscientes da traição institucional do PT, do PCdoB e do PMDB, há muito encaminharam seus esforços a outras áreas da militância: o meio-ambiente, a cultura, a comunicação, a gente pobre, rejeitada pelas burocracias partidárias. E entre eles, por sorte, havia sangue novo, sindicalismo novo, dirigentes novos, inclusive dos partidos acima mencionados. Mais ainda, até candidatos proporcionais desses partidos. Que bom ver Lino e Denilson, entre outros queridos companheiros de velhas lutas ocupando seu lugar com os resistentes, com as lideranças não assimiladas, como o fizeram no Norte da Ilha, em 23 de agosto!

As lideranças políticas dos partidos que exerçam o poder institucional em Florianópolis, em 2013, como também as lideranças de organizações sociais cristalizadas, precisam compreender que essa ação individual, esse fascínio pelo poder pequeno, esse poder que é capaz de rejeitar um Debate com as pessoas simples e os não assimilados à lógica perversa da exclusão, a destruição e a negação da vida, um dia mudará, porque os pobres são os mais, porque a esperança em mudanças será majoritária, e porque isso não é simples sonho, é uma realidade que seguirá avançando, sobre o desgaste sem freio do velho, o decrépito, o que começa a ser derrotado.

Da próxima vez, serão quatro a falar com os invisíveis, e da seguinte serão todos, e perderão o medo dos fantasmas, porque os etéreos ainda sofismados, junto com os que se mantiveram fiéis à ideia de mudar a ordem, ganharão a rua, e nos meios de comunicação independentes cresceram tanto e quanto estes. Até acredito que os candidatos “perdedores” enxergaram com facilidade qual é o caminho para a Vitória, embora possa demorar, uma ou duas eleições ainda. Há uma Frente Social e Política pairando sobre a ponte que separa os tempos. Os fantasmas transitam por ela e se materializam entanto caminham.

Imagem: http://download.ultradownloads.com.br

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