As medicinas da floresta chegaram no momento certo na vida da guardiã, Carina dos Reis Justo. Após experiências na igreja evangélica, kardecismo, umbanda, quimbanda e batuque, chegou na ayahuasca – chá preparado com o cipó Banisteriopis caapi (conhecido como jagube, mariri ou, em hãtxa ku?, huni ou nixi pae) e da folha Psychotria viridis (conhecida como chacrona, rainha ou, em hãtxa ku?, kawa), fervidos com água. No total, foram 10 anos, até chegar o momento de consagrar pela primeira vez e se conectar com o propósito de sua caminhada: servir a medicina para outras pessoas.
Carina relata que, toda está bagagem adquirida foi uma forma de aprender lidar com diferentes seres: “Estamos em níveis de evolução diferentes, então, o que serve às vezes para mim, pode não servir para você. Toda essa caminhada que eu tive foi aprendendo a respeitar a espiritualidade no dia a dia”. São experiências diferentes, consequentemente, formas distintas de entendimento, expressividade e comunicação.
A guardiã explica que a medicina em si, traz a tona o relembrar, reconectar. “Não existe certo ou errado, é apenas se conectar com a essência divina. Não importa se é do kardecismo ou evangélico, a medicina desmistifica a religião. Afinal, ela é milenar. A religião nasceu depois de sua existência. Esta compreensão se refere a teoria “todos somos um”. Mas isso significa viver isto, na prática, sem julgar os demais. Para Carina, está é a essência da medicina.
O encontro com às raízes dos problemas
Seus guias espirituais sempre a orientaram que seu trabalho seria diferente. O seu diferencial se refere ao direcionamento aos pacientes para encontrar às verdadeiras raízes de seus problemas. Por exemplo, quando chega uma pessoa para consagrar, com depressão, é analisado, a causa da depressão. “É você ir lá, ver isso, arrancar isso de dentro, porque não adianta você apenas podar isso, se você não arrancar o que está enraizado ela vai em algum determinado momento, voltar”, argumenta.
Por isso, algumas tribos indígenas chamam a ayahuasca de “chicote da alma”. Isto porque a consagração com medicina é um momento individual consigo mesmo. “É você, com você. Você não tem como se esconder de você. Porque ela vai te mostrar o que é.” Em suma, as causas – raízes – podem ser encontradas na reencarnação atual, ou em outras, passadas. É preciso ver o que foi deixado em aberto em reencarnações anteriores.
“Quanto mais luz você tem, mais trevas você tem”
Neste caminho, existem barreiras e bloqueios. Carina explica que “Quando você dá um passo em direção a luz, automaticamente as trevas tentam te puxar”. Tendo em vista que quando o chá é tomado, é aberto um portal, várias energias podem se manifestar. Como de magos negros, feiticeros, quiumbas, zombeteiros, etc. “É uma expansão total de consciência, se você não souber quem está a frente do trabalho, quem está ancorando, isto pode causar danos gravíssimos”, destaca.
Este encontro consigo mesmo pode gerar mudanças na forma de viver. Carina relata que logo percebeu o quanto sua vida era no modo automático. E a ideia da medicina é estimular a saída do automático, em diariamente. “O sair do automático é você parar para perceber o que você está fazendo”, enfatiza, principalmente pelo fato de que tudo que acontece, primeiro é no campo espiritual e posteriormente reflete no físico.
A frequência vibracional de quem consagra também se modifica. Pessoas podem se afastar. A medicina desperta a capacidade de desvencilhamento da necessidade de modificar o outro e sim, olhar para si mesmo. Na prática, é difícil: “principalmente, ver toda podridão que você fez em outras vidas e nestas. Deveria ser a parte mais fácil, por a evolução ser individual, a salvação, também. Então você tem que se preocupar com você, para depois resolver as questões coletivas”.
Para facilitar este ‘olhar para dentro’ a conexão com os três, espírito, alma e matéria precisa estar alinhada. Principalmente, entender que espírito e alma são coisas diferentes. Carina explica: “o nosso espírito é puro, é a essência divina. É a conexão com o pai. A alma é nossa vivência aqui na terra. Por isso, a alma está mais ligada a matéria, ao corpo físico. Aí que acontece as provações que exigem nossa fé para estar evoluindo”.
Nisto, o processo de desmistificar é parte fundamental. É preciso ir aos poucos, plantando a semente. Quando um pastor consagra com Carina, ela entende que não deve colocar para tocar pontos de umbanda, por exemplo. “O que é preciso entender é que a conexão com a essência divina é única. Nós estamos aqui para evoluir”, afirma.
Quando alguém julga, está muito presa a religião, dogmas e a conduta de que somente a sua religião é correta, outras são erradas, é necessário olhar com compaixão.
Por isso, entende-se a ayahuasca como medicina – remédio. “Ela não faz parte de uma religião. Se a pessoa é evangélica, ela vai consagrar e vai se conectar com isso. É ter o respeito pela fé do outro”.
O poder do conhecimento
“Uma vez um guardião me disse: você precisa ter o conhecimento para adquirir a sabedoria. Porque o conhecimento sem sabedoria não adianta de nada. É como ter força sem controle”. Tendo conhecimento, as pessoas conseguem questionar, desta forma, encontrar o discernimento da verdade e mentira, certo e errado.
“Se você não tem o conhecimento, você não tem o que questionar. É o sentar para aprender, para depois repassar alguma coisa”, destaca Carina.
A mulher no caminho das medicinas sagradas
Quando a guardiã começou consagrar e servir as medicinas, as pessoas já esperavam que ela fosse usar saias e manter atitudes passivas, “namastê”. Ela percebe que é tentado, de uma forma diferente, impor certas coisas, como círculo femininos, que impõe que as mulheres foram feitas para casar, ter filhos.
“A mulher, se conectar com sua essência, ela pode ser quem ela quiser. Porque é a partir da mulher que o mundo começa. A mulher, ela é co-criadora. Tem o poder de gerar.”
Na sua caminhada lidou com várias imposições e preconceitos. Quando começou fazer o seu rapé, o pessoal queria saber quem era o homem que havia feito. Foi falado que era uma mulher e comentários saíram. Para Carina isto acontece, porque estes dogmas, crenças estão impregnados em todos/as, indiferente de qualquer coisa.
Nisso, inclui a ação prática e mudança nas próprias mulheres. Muitas ainda, assumem comportamento de competição e inveja em relação a outras mulheres.
O rapé: conexão direta com o espírito
Na entrevista, as imagens mostram a repórter Jaine Fidler Rodrigues recebendo dos sopros da medicina: rapé. O rapé (dume deshke) é uma medicina para ser usada nas vias nasais. É um pó em geral feito de tabaco e cinzas de cascas de árvores, tais como cumaru (kumã), murici (yapa), pau-pereira, canela-de-velho (xiwe mapu), cacau (txashu desha), ouricuri (tashkã) e mulateiro. Essas cinzas são também chamadas de medicinas, pois não se prepara o rapé com cinzas de qualquer árvore, mas com aquelas que têm certas propriedades. O rapé pode ser usado individualmente por meio de um curipe (ou kuxipa), ou assoprado por uma pessoa em outra, com um tepi. Deve-se aplicar nas duas narinas, uma por vez. Quando uma pessoa recebe um sopro (ou ela mesma se aplica), ela deve suspender por um momento a inspiração nasal, mantendo a respiração pela boca. Da mesma forma, não se deve engolir o resíduo do rapé, mas cuspi-lo após algum tempo.
“O rapé é a conexão direta com o espírito. O pai rapé. Ele traz a conexão rápida” explica. Serve para encontro de respostas e alinhamento de chacras. Nos trabalhos com ayahuasca é bastante utilizado para limpar energias negativas.
Em suma, os estudos e experimentos com as medicinas indígenas estão aumentando. Na Universidade de São Paulo, estão sendo desenvolvidos duas pesquisas com pessoas com ansiedade, depressão e alcoólatras. No Sistema Único de Saúde, como já foram adicionados atencimentos com medicinas integrativas como aurolicoterapia e reiki, espera-se que a ayahuasca também seja integrada e disponibilizada, no formato de micro-doses.
Se você sentir em assistir à entrevista completa, acesse a primeira e segunda parte abaixo: