Médica é agredida ao tentar acabar com “festa de corona” no Rio de Janeiro

Na rua onde moro, existe uma casa, que fica ao lado do Corpo de Bombeiros. Nessa casa, fazem “Festas de Corona” todos os dias e todas as noites. Sim, durante o dia também. Som altíssimo, ensurdecedor, por 3 dias seguidos. Na terça-feira, de madrugada, os vizinhos gritavam para parar, chamamos a polícia diversas vezes. Mas para a nossa (falta de) surpresa, a polícia nunca veio. Os frequentadores da festa gritam “vão chupar uma bu... ou um ca...” Um baixo nível sem fim. Saem da casa para urinar nos postes da rua, espalham garrafas de cerveja por todos os cantos, não deixam ninguém dormir.

Ticy Azambuja. Foto : Reprodução Facebook

Por Ticy Azambuja

Hoje vou falar sobre minha dor e do quão solitária ela é

Pensei muito antes de escrever. Está muito difícil, mas eu preciso falar. Preciso desabafar. Gostaria que você me desse ouvidos. Se não, esse monstro vai continuar a me corroer por dentro.

Moro no Grajaú, Rio de Janeiro. Sou médica há 10 anos. Tenho um filho pequeno maravilhoso.
Na rua onde moro, existe uma casa, que fica ao lado do Corpo de Bombeiros. Nessa casa, fazem “Festas de Corona” todos os dias e todas as noites. Sim, durante o dia também. Som altíssimo, ensurdecedor, por 3 dias seguidos. Na terça-feira, de madrugada, os vizinhos gritavam para parar, chamamos a polícia diversas vezes. Mas para a nossa (falta de) surpresa, a polícia nunca veio. Os frequentadores da festa gritam “vão chupar uma bu… ou um ca…” Um baixo nível sem fim. Saem da casa para urinar nos postes da rua, espalham garrafas de cerveja por todos os cantos, não deixam ninguém dormir.
Fazia 5 dias que eu dormia na sala.
A polícia e os bombeiros sempre acionados. Mas nunca vieram.

Jogaram tomates, tinta na porta da casa, avisos desesperados da vizinhança pedindo que eles parassem. Muitas postagens em redes sociais. O problema nem é a aglomeração… essa já é uma luta inglória e perdida. Era pelo fim da perturbação sonora.

No sábado, teria um plantão à noite e havia trabalhado no dia anterior todo. Na linha de frente do Covid. Trabalho pesado, exaustivo. Precisava dormir um pouco de tarde para assumir meu plantão noturno.
E a festa continuava.

Decidi descer e acabar com aquilo. Tomar uma atitude qualquer. Eu, do alto dos meus 1,50m e 46kg, pedi para que parassem a festa (estava lotadíssima, claro que isso nunca aconteceria). Então, num ato de exaustão e desespero, quebrei o retrovisor e trinquei o pára-brisas de um dos carros parados irregularmente na calçada, de um dos frequentadores da festa. Coisa que qualquer seguro de carro cobre.

Foi errado. Foi impensado. Foi estúpido. Mas sou humana e fiz uma besteira contra um bem material de outra pessoa. Não foi um ato contra nenhum outro ser humano, isso eu sou incapaz de fazer.

5 marmanjos (me lembro de uns 5) saíram, e obviamente, bêbados e drogados, típicos “cidadãos de bem”, não estavam para conversa. Apavorada, vi o potencial da besteira que fiz e saí correndo.
Me agarraram em frente ao Hospital Italiano. Me enforcaram até desmaiar. Me jogaram no chão e me chutaram. Quando retornei à consciência, gritava por Socorro! Isso aconteceu no dia 30 de Maio por volta de 17h, em plena luz do dia.

Os moradores do bairro passavam por mim, o segurança do hospital viu aquilo, as pessoas diminuíam a velocidade de seus veículos e só observavam. Eu pedia para que chamassem a polícia e alguém me ajudasse, por favor. Para que filmassem com um celular o que estava acontecendo, uma ajuda pelo amor de Deus. Mas ninguém veio. Ninguém veio. Algumas senhorinhas passaram pela cena e falaram para me matar mesmo.

Quebraram meu joelho esquerdo e pisotearam minhas duas mãos.

Um deles mandou trazer o carro, e disse que ia dar sumiço de mim.
Tive certeza que ia morrer.

Me arrastaram pela rua até o Corpo de Bombeiros, uma mulher, frequentadora da festa, arrancou chumaços do meu cabelo.
Os bombeiros do batalhão da Marechal Jofre vieram. Implorei por ajuda. Pedi para que garantissem minha integridade física até que a polícia chegasse e tudo fosse esclarecido. Eles riram de mim e disseram que meu lugar era apanhando no chão.

Eles são amigos do dono da casa.

Um vizinho veio apartar e disser que eles não poderiam mais bater em mim, e que a polícia deveria vir. Levou um soco na boca.

A patrulha da polícia chegou. Logo vieram mais duas. Descobri que o dono do carro (um mini cooper de mais de 100 mil reais) também era policial. Ele me pediu 6.800 reais para que tudo ficasse por aquilo mesmo.

Durante semanas, pedimos para que a polícia viesse resolver a situação daquela casa. Bastou quebrar o vidro do carro de um policial para que 3 viaturas aparecessem.

Um casal de vizinhos, contou o que tinha acontecido. Um casal de anjos. Seguraram minha mão.

O dono do carro que pegou sua carteira de policial e esfregou no meu nariz (literalmente) e me exigiu 6.800 reais para me deixar em paz, decidiu não levar nada adiante.

O dono da casa e seus frequentadores e todos os agressores correram para dentro da casa e não consegui indiciar ninguém. Parece que um dos donos também é policial.

Os bombeiros covardes que viram e permitiram toda a situação, repetiram que eu nunca tinha apanhado. Quando souberam que eu era médica (não que isso tenha nenhuma relevância) alguns mudaram o discurso para o famoso “Não vi nada”.

Os policiais fizeram o registro com alguns moradores, com o dono do carro que abriu mão de qualquer reclamação, mas não conseguiram com os agressores ou o dono da casa. Que por sinal, voltaram para a casa e recomeçaram a festa. Sim. Esse é o escárnio.

Fui levada para o Rios D’Or pelo casal de vizinhos anjos que me ajudaram, e tive apoio psicológico já dentro do hospital.
Vou morar alguns dias com meu pai e minha madrasta. Tive que engessar uma mão, e a outra está com imobilizador, se não, nem uma muleta eu conseguiria usar. É difícil ter noção de como é ficar ser uma perna e as duas mãos ao mesmo tempo.

Estou muito chorosa, triste, e sem fé na Humanidade. A impunidade vai reinar mais uma vez nesse caso. Mas o que mais me doeu, foi ter clamado por ajuda, e dezenas, talvez uma centena de pessoas viram o que aconteceu e 3, somente 3 se dignificaram a socorrer uma pessoa em perigo. Sempre fui atuante na comunidade do Grajaú, e quando precisei de socorro, fui abandonada aos chutes e gritos de “Mata mesmo!”.

O que me dói mais não é o grito dos maus, é o silêncio dos bons.

Se as festas acabarem na casa da marechal jofre, lembrem-se que custou meu trabalho de médica e meu joelho.

Eu sempre tive um pensamento mágico que, se eu fizer o Bem, o Bem voltará para mim. Mas isso não é verdade. Quanto mais bondoso, e mais envolvido, mais você fica em destaque e mais a Maldade te atinge.

É possível que eu tenha que operar meu joelho. Está tão machucado que na tomografia não deu para ter certeza. Mas parece ter rompido o ligamento cruzado posterior. Vou ter que fazer uma ressonância magnética e meu plano não cobre (estou em período de carência). Vou ficar algum tempo sem trabalhar. Ninguém vai pagar por isso.

Estou muito machucada fisica, psicologica e espiritualmente.
Espero voltar a trabalhar logo como médica, nasci para isso, é o que sei fazer.
Mas a cada tramal e dipirona que eu tomo para me mexer sem dor, me lembro que perdi a fé na Humanidade.

Pensei muito se deveria contar o que aconteceu, estou com muito medo de represália. Os fortões venceram mais uma vez, mas ainda não conseguiram calar minha Voz. Enquanto ainda não vivemos num estado-policial, vou continuar falando. Preciso continuar denunciando as injustiças.
E deixo no fim desse relato-desabafo: se algo acontecer comigo, que todos saibam quem fez! Que não continue impune.
Pisotearam minha garganta, mas não calaram minha voz!

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