Maricultura ameaçada

Por Ruy Ávila Wolff*

Participei no dia de ontem (22/7) em Jurerê internacional da audiência para discutir o RIMA do Estaleiro em Biguaçu. Inicialmente gostaria de expressar minha indignação com os procedimentos da mesa coordenadora dos trabalhos que impediram a mim e mais da metade dos inscritos (aproximadamente 45 pessoas) de expressar sua opinião em público durante esta audiência. Enquanto o representante da empresa teve 5 horas para defender sua opinião, eu e mais de quarenta cidadãos de Florianópolis não tivemos sequer a possibilidade de usar os três minutos de fala a que nossas inscrições dariam direito. De outra parte, a audiência acabou transformando-se num verdadeiro momento publicitário da empresa, que a todo momento usou seu tempo privilegiado para expor seus projetos pelo mundo a fora, sem esclarecer satisfatoriamente sobre os impactos causados pelos empreendimentos do conglomerado no Brasil, aqui em Florianópolis e em outras partes do mundo.

Gostaria de ter usado os três minutos que a inscrição me permitiria para abordar três aspectos que considero importantes: a área de influência do projeto, atividades econômicas e a oferta de empregos e a fragilidade ambiental da região.

Estudos atuais demonstram que as águas do rio da Prata, rio que separa a Argentina do Uruguai, se deslocam pela costa brasileira atingindo a região sul/sudeste no inverno. Esta massa de água se mistura à água costeira alterando a temperatura, a salinidade e a disponibilidade de alimentos nas áreas de produção de moluscos de Santa Catarina. Se as águas do rio da Prata influenciam as condições oceanográficas na costa brasileira, o que poderíamos dizer sobre os impactos deste mega-empreendimento sobre a costa catarinense? O RIMA subestima a dimensão territorial dos impactos, limitando a área de influência à baia Norte da Ilha de Santa Catarina e suas proximidades para norte, deixando de incluir a Baía Sul da Ilha de Santa Catarina e outras praias mais ao sul como área de influencia do projeto. As baías Norte e Sul da Ilha de Santa Catarina são responsáveis por 90% da produção nacional de moluscos.

Gostaria também de informar que as principais atividades econômicas desenvolvidas na região costeira de nosso Estado, a pesca artesanal e industrial, o turismo, a maricultura, a gastronomia e os esportes aquáticos são extremamente dependentes da qualidade das águas marinha, assim com da bela paisagem que encanta os olhos nossos e dos turistas que nos visitam.

Portanto, quando se defende a qualidade do ambiente, que inclui a paisagem, a preservação de espécies, a qualidade da água e das nossas praias, não estamos falando de aptidão,trata-se de defender um modo de vida onde estas condições estão no centro da estrutura social e econômica. Não se trata de apenas defender os golfinhos, a pesca artesanal ou a maricultura, mas um modo de vida que depende destas atividades econômicas. Se este modelo tem problemas, a solução não é dar fim nele pois ele oferece inúmeras vantagens sociais. Estas atividades econômicas já estabelecidas efetivamente ocupam e empregam a aprte importante da população ligada ao mar.

A Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI, em seus relatórios e na Síntese da Maricultura de Santa Catarina de 2009 informa que nosso Estado é responsável por 90 % da produção de molusco do Brasil e que as baías Norte e Sul da Ilha de Santa Catarina produzem 90 % da ostra e 60 % dos moluscos cultivados.

Esta atividade proporciona direta e indiretamente mais de 12930 postos de trabalho, sendo que movimentou em 2009 mais de 21 milhões de reais. Este resultado são obtidos com a utilização de apenas 50% das áreas de cultivo descritas nos Planos Locais de Desenvolvimento da Maricultura -PLDM de nosso Estado. A ocupação de 100% das áreas de cultivo proporcionaria incremento de mais 12930 postos de trabalhos, numero muito maior do que os prometidos pela empresa (3850). Além disso, proporcionaria incremento de mais 21 milhões de reais à economia local, o que não aconteceria com os milhões arrecadados pela empresa que aplica seus recursos na bolsa de valores.

Portanto o argumento do emprego fácil é uma falácia, é o canto da sereia, que encanta e depois todos sabem o que acontece.

A maricultura em nosso Estado está centrada na produção de moluscos (ostras, mexilhões, vongoles e vieiras), animais filtradores e altamente sensíveis à poluição ambiental. A Ostra de Santa Catarina se constituiu ao longo dos últimos dez anos em uma marca de qualidade que expressa além da qualidade do produto,  a excelente qualidade da água de cultivo, assegurada pelo monitoramento da presença de algas nocivas e o monitoramento da qualidade microbiológica de nossas águas. A perspectiva de exportação dos produtos da maricultura com a certificação das empresas do setor, possibilitaria a ocupação dos outros 50% das áreas de cultivo que não estão sendo utilizadas no momento. Qualquer alteração das condições ambientais atuais e aumento dos riscos de poluição trariam prejuízos à imagem e à qualidade dos produtos da maricultura catarinense. Levariam ao contrário do desenvolvimento da atividade e poderiam provocar o desemprego de grande parte destes mais de 13 mil envolvidos na atividade.

Não se deixem levar pelo canto da sereia OSX.

*Ruy Ávila Wolff é engenheiro Agrônomo e doutor em Geografia. Produtor de ostras Em Florianópolis.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.