Por Juliana Gonçalves.
Ativista de direitos humanos, María-I. Faguaga Iglesias conhece bem a realidade da população afrocubana. Historiadora e antropóloga, é professora da Universidade Havana. Suas principais áreas de pesquisa são: mulher afrocubana, religiões afro, raça, gênero e saúde.
Nesta entrevista ela explica o histórico da luta negra em Cuba e relata as dificuldades enfrentadas por ativistas na Ilha. “Não podemos ser verdadeiramente revolucionários se somos racistas. Se ainda utilizamos métodos de colonização”, dispara. Há 3 anos no Brasil, ela se apresenta como “uma mulher negra, afrocubana e consciente“.
Brasil de Fato: O que significa ser uma mulher negra cubana?
Maíra Faguaga: Significa ser invisibilizada, como ocorre com as mulheres negras das Américas e provavelmente de todo o mundo. Estamos super-representada nos aspectos negativos, como a pobreza, os problemas de moradia, os níveis de formação em ensino superior, principalmente nas áreas de humanas. A mulher negra cubana continua sendo vítima de estereótipos e estigmas relacionados a populações afrodescendentes.
O nível de consciência racial das mulheres aumentou?
Acredito que sim. Pela primeira vez vemos um nível de conscientização de mulheres negras de diferentes esferas intelectuais e artísticas, outras que nem à faculdade foram, mas que articulam muito bem seu pensamento e tem uma capacidade de luta forte contra o patriarcado do homem afrocubano. Mulheres que sabem que essa luta é secular, que somos herdeiras dessa luta. Somos herdeiras das mulheres negras mais fortes e temos que ser um exemplo para mulheres negras das próximas gerações.
Como o contexto da revolução cubana afeta a vidas das mulheres negras do país?
Acredito que muito cedo o governo decretou o final do racismo no país e houve pessoas que acreditaram. E isso coloca a mulher afrocubana numa posição particular. Afinal, como explicar a quem não quer escutar que o governo revolucionário também continua sendo racializado? Muitas de nós, nos anos 60 e 70, conseguimos acessar o ensino superior, mas hoje, muitas tiveram que voltar a ser faxineiras de mulheres brancas que tem nível de instrução menor.
Você está dizendo que a universalização de garantia de direitos básicos não findou com o racismo?
Aconteceu que até o final dos anos 70 você poderia encontrar muitos militares negros, mas dificilmente você encontraria nos altos escalões. Um paradoxo, porque temos nossos militares negros desde a época colonial. Isso por uma parte, por outra você poderia encontrar muitos médicos e médicas afrodescendentes, mas dificilmente trabalhando em cargos altos do governo, ou na direção dos hospitais. Existe claramente a necessidade de reconhecer medidas direcionadas para a população negra, o que não acontece.
Na sua opinião, o primeiro processo revolucionário foi a libertação negra?
Os escravizados protagonizaram a primeira revolução, que também era anticolonialista. Acho que para mim seria bem mais fácil me identificar com a revolução de 1959, porque minha própria família estava comprometida com ela, mas temos pendentes não só em Cuba, mas nas Américas um processo realmente transformador político, econômico, social e cultural.
Ha três anos no Brasil, a senhora está vivenciando a realidade racial brasileira, pode comentar essa experiência?
Aqui passei a entender a realidade das pessoas negras brasileiras como imigrantes negras. Então tenho a experiência como mulher negra de sentir o racismo e de sentir a colonização das mentes. Descobri que aqui o racismo está muitas vezes inserido nas mentes de pessoas que se dizem de esquerda e que terminam agindo como colonialistas brancos.
O povo negro no mundo vive um processo de etnocídio e genocídio, como vê isso?
O etnocídio é secular, é o assassinato simbólico do sujeito tentando desestruturar a pessoa desses códigos culturais próprios dela, e isso tem se mantido claro em todos os nossos países, também em meu país, mesmo falando que é socialista. Há, por exemplo, uma tentativa de ocultar que a maioria da população cubana é negra. Segundo o Censo somos 30% entre negros e mestiços e 70% da população branca. Quando você anda pelo país, percebe que pelo menos 50% da população pode ser considerada negra e isso é camuflado.
Edição: José Eduardo Bernardes
Foto: Reprodução/Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato