Ela é uma mulher guerreira, que chamarei de Maria da Silva (fictício embora nossa personagem exista de verdade) teve que criar duas filhas sozinha, devido à insensibilidade e machismo, por parte das crenças daqueles que dizeram amá-la num primeiro momento, mas a deixaram a “Deus dará”, quando era hora de criar o fruto de um amor, cada dia mais comprovadamente apenas de sua parte. Com pouca instrução, restou-lhe o trabalho de empregada doméstica, função na qual trabalhou e trabalha a mais de 30 anos.
Nesse período, chegou a passar fome, a receber comida de pessoas que se sensibilizavam com a situação de diferença social, que explicitamente tem haver com a quantidade de pigmentação da pele de nossa amiga Maria. Entristece-se toda vez que lembra da proclamação religiosa e dos êxitos financeiros daquele que a abandonou, como algo descartável.
Ela conhecida por sorrir, mesmo reclamando. Tem-se a impressão ao falar com Maria da Silva, que ela é uma festa só. Uma “pulsão de vida”, energia que coloca gentes que passam muito tempo pensando e falando um monte de asneira no chão de vergonha.
Olha nos olhos daqueles com quem fala, não com a malícia que vem se propagando nos dias de hoje, mas com certa ternura tensa, que pergunta internamente: “Posso confiar em você?” ao tempo que também responde: “Eu quero poder confiar em você”.
Coração machucado, muito sofrimento tampado com sorriso, com simplicidade e educação desproporcional ao esteriótipo criado por nós, classe média entendiada com nossas automatizadas vidas entretidas de materialismos.
Caminhando pelas ruas de sua cidade natal, comigo, Maria da Silva e eu presenciamos certas vezes, o tal de racismo. Oh coisa feia. Oh coisa para machucar sem sangrar externamente.
Lá no fundo os olhos de Maria da Silva choram, mas ela diz: “Deixa, eu tenho pena, que essa gente ainda não descobriu Deus”. Ela sorri e me convida a tomar um café, afinal compartimos desse hábito.
Sentamos, me contou que voltou a estudar, está gostando mais de português, quer poder ler mais, um dia quem sabe quando tiver pouco mais de tempo, me mostrou alguns livros que comprou num sebo no centro, títulos interessantes da literatura norte americana e brasileira.
Está esperançosa com uma das filhas que esta por terminar sua tese de doutorado e vive longe noutro país uma vida independente, uma grande mulher, domina idiomas, tem um currículo acadêmico e trabalhista de dar inveja à maioria dos filinhos de papai para quem Maria da Silva trabalha.
Aliás, dessa vez a única reclamação que ouvi, foi que ela tem um pouco de dificuldade em dormir, por que no apartamento que agora vive, de classe média, ao final do corredor há um grupo de jovens universitários que passa a fazer bagunça e fumar (o que ela diz ser maconha) durante a noite, nem síndica, nem porteiro nem um senhor amigo seu, do apartamento do lado, conseguem convencer os mesmos de “não incomodarem”. Segundo Maria da Silva, resultado de pais ausentes, grana presente!
Caminhamos pelo centro da cidade, sob alguns olhares de estranhamento, ao chegarmos a frente ao seu prédio Maria da Silva se despede de mim. Ela se prepara para mudar de cidade, cansou! Precisa viver outras culturas me disse.
Maria da Silva, não tem estudo, mas sempre valorizou isso, educou sua filha na fé e na ética, que aprendeu de família cristã e agradece muito aos amigos que tanto lhes ajudaram, humilde ela diz: “Eu queria que essa gente aprende-se a valorizar mais as pessoas pela essência, não pelas aparências”.
Maria da Silva é o retrato de uma possibilidade emergente, econômica inclusive, um tanto ignorada, daqueles que entendem que para crescermos como sociedade, devemos caminhar em pró da nossa mentalidade, psique positiva, da nossa fé, da nossa boa vontade, aos maus dizeres, sorri como quem, embora sofra, lamenta a ignorância alheia.
O porteiro abre a porta do prédio e ficam eles conversando, enquanto eu me despeço pensando, em chegar a casa e escrever sobre isso.
Victor José Caglioni é sociólogo e mora em Blumenau.