Por Fernando Sagatiba.
Recentemente tem se falado muito, já em contornos de polêmica, sobre o banimento de marchinhas de teor preconceituoso. Meu posicionamento sempre é CONTRA manifestações de comunicação em julgamento, crítica ou ridicularização de grupos já historicamente desfavorecidos. Ou seja, letra de música, piada, personagem de programa de TV, meme da internet, enfim, qualquer coisinha que gere um ‘politicamente incorreto’, vai me ter (UIA!) do exato lado oposto, lá, acenando negativamente com a cabeça e perguntando que m… é essa. Já dei meu papo, ok? Então, acabou, Tio Saga? NÃO! Sonoramente, gafanhoto.
Eu sou contra letras que ridicularizem gays, negros, pobres, etc…Daqui não saio, daqui ninguém me tira, por exemplo, é sobre despejo de uma família pobre. Viu como dá pra retratar um momento da história sem ridicularizar? Na verdade, ironizando a situação e o modo como a sociedade trata esse pobre? Tomara que chova é sobre falta de condições básicas – no caso, abastecimento de água – e, da mesma forma que a canção anterior, demonstra um quadro social da época e o autor soube tornar isso numa crônica do cotidiano. Agora, apontar um gay e falar de sua ‘cabeleira’ ou insinuar que uma mulher, por se relacionar romanticamente/sexualmente com mulheres vai se tornar, necessariamente, um homem… bem… aí, eu levanto a voz.
Também tem o caso do racismo/machismo (raci-machismo ou machi-racismo, escolha o que lhe for aprazível ao uso). As pessoas que defendem O teu cabelo, não possuem nada mais que ‘ah, mas ela é antiga,eu já conheço desde pequeno’ ou o clássico ‘vocês veem racismo em tudo’. Tá, mas Mulata Bossa Nova é uma homenagem, apesar do termo ‘mulata’ ser usado ainda, o que por si já é bem incômodo e indigesto, mas vá lá, a letra enaltece a mulher negra. O teu cabelo não, essa diz que o cara pode chegar, dar um plá na moça e largar por aí, como se a mulher negra não tivesse outra serventia se não a de depósito de esperma para a masturbação assistida de algum fetichista. É como dizem, ‘comer uma mulsata, meu bem, não te faz menos racista’.
Bem, essa conversa toda de forma quase redundante com outros textos meus internets afora é pra quê? Porque surgiu uma novidade, um ponto de vista interessante que ouvi em conversa com amigos, recentemente. E se as marchinhas não fossem banidas, valendo o argumento de que se forem esquecidas, um dia, corremos o risco de surgirem novamente peças preconceituosas sem que as primeiras estejam lá pra usarmos de exemplo? Sacou a parada? É a máxima ‘aquele que não conhece seu passado, tende a repeti-lo’. Pense em exemplos como o museu da escravidão, lembranças da ditadura, do genocídio judeu, enfim… Como nos sairíamos se não tivéssemos lembranças desse passado? Ficaríamos mais vulneráveis, não é? Pois é isso.
Em suma, sou a favor do banimento ainda? SOU (falei gritando com o punho erguido – rá!), afinal, há anos que me incomodo em estar num lugar para me divertir e acabo servindo de piada pros outros que não pararam pra pensar na profundidade do que estão cantando. Ninguém repete letra satanista ou funk proibidão com essa liberdade toda, entende? E a coisa piora quando os alvos são amigos meus. Como não vou sair distribuindo bolacha na face de todos os babacas do universo, imagina a frustração que é estar na festa e se aborrecer sem poder resolver, abrindo a cabeça de todos ali.
É isso, não sou a favor de essas marchinhas continuarem enchendo a paciência de quem já apanha – em vários sentidos – o ano todo. A gente que faz parte de grupos discriminados não gosta de ser molestado, muito menos em clima de festa, como se fosse engraçado. Faz lembrar que em 2016, meu cabelo estava compridão e escolhi não sair em dia algum de cabelo solto, pra não me indispor com qualquer palhaço de peruca Black fazendo piada do tipo ‘ei, somos irmãos’. Não somos fantasia de carnaval. Abaixo com fantasias de nega maluca, por exemplo. Mulher preta atura muito o ano todo, não tem que se ver em forma de caricatura. Vão se pintar de branco, de perucas loiras. Brancos não são caricaturas, né?
Mas a novidade é que sou a favor de que elas sejam usadas em escolas, faculdades, palestras de história e todo canto acadêmico ou não, para que, primeiro, as novas gerações aprendam a interpretar e não só reagir com ‘concordo, é o máximo’ ou ‘discordo, é a minha opinião’. Vale muito essas marchinhas serem usadas em aulas de sociologia, como exemplos de como se retratavam cenários antigamente e que hoje não cabe mais, pois os grupos afetados pelas letras têm mais voz, descobriu seu direito ao protesto, ao repúdio do que acha ofensivo ou agressivo. Assim como estudamos períodos violentos e traumáticos, essas marchinhas merecem isso, virar peças de museu pra olharmos/ouvirmos e pensarmos ‘nhé, esse é um passado que não tem que voltar, vamos ficar de olho’.
Vamos ficar de olhos e ouvidos bem atentos. E se der m… estaremos de línguas afiadas, pensamento reflexo modo ninja ON e sangue quente nas veias pulsando nossos direitos.