Por Larissa Cabral
Marcha das Margaridas é a maior mobilização de mulheres na América Latina neste ano
Ação de mulheres trabalhadoras rurais, do campo e da floresta completa 10 anos e se consolida como canal de diálogo fundamental, em busca de direitos
Com o lema “2011 razões para marchar por desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade”, a Marcha das Margaridas mobilizou cerca de 40 mil trabalhadoras rurais do campo e da floresta do Brasil, na terça (16) e quarta-feira (17), em Brasília. A ação busca discutir temas como gênero, relações familiares, atividades voltadas à produção e a participação da mulher nos movimentos sociais e na política do país.
A marcha é realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e tem como objetivo contribuir para a organização, mobilização e formação das mulheres trabalhadoras rurais; atuar para que as mulheres do campo e da floresta sejam protagonistas de um novo processo de desenvolvimento rural voltado para a sustentabilidade da vida humana e do meio ambiente; dar visibilidade e reconhecimento à contribuição econômica, política e social das mulheres no processo de desenvolvimento rural. Além disso, pretende-se propor e negociar políticas públicas para as mulheres do campo e da floresta, denunciar e protestar contra a fome, a pobreza e avançar na construção da igualdade para as mulheres.
A marcha foi realizada na quarta-feira, segundo dia de evento, e o encerramento contou com a presença da presidente Dilma Rousseff, no Parque da Cidade. A organização do evento foi de responsabilidade do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (composto pela Contag, 27 federações e mais de quatro mil sindicatos), em parceria com 11 organizações nacionais e internacionais.
Santa Catarina
A participação das catarinenses nessa mobilização foi organizada pela Comissão Estadual de Mulheres da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina (FETAESC), sob a coordenação da agricultora Maria das Graças Darós. A comitiva catarinense participou da marcha com 350 trabalhadoras rurais, que lotaram oito ônibus em direção a Brasília.
Raquel Guisoni participou do ato, por meio da União Brasileira de Mulheres (UBM), uma das 11 entidades feministas, que foram parceiras do evento, Segue seu relato:
“Foi um momento maravilhoso. Mais de 40 mil mulheres do campo e floresta manifestando nas ruas de Brasília. Setenta mil participantes era a meta prevista, mas mesmo assim, foi a maior manifestação de mulheres rurais do Brasil e do mundo.
O pessoal acordou às 4h para sair às 7 h. A marcha seguiu por regiões – abrindo com a Norte, depois Nordeste,Centro-Oeste e, por último, Sudeste e Sul. Com camisetas de cores diferentes, muitas bandeiras da marcha e outras, como da CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, da CUT e outras de sindicantos.
Nesta marcha, 11 movimentos feministas foram parceiros e também tivemos representações de vários paises da América Latina, como Argentina, Uruguai, Paraguai e outros.
Às 17 h, no parque da cidade de Brasília, que foi transformado em Cidade das Margaridas, foi feito o encerramento com a presença da presidente Dilma, mais todas ministras mulheres, ministro da agricultura e do governador do Distrito Federal. Foi emocionante. Ela chegou de helicóptero, foi ovacionada e apresentou a resposta das reivindicações apresentadas pela Contag.”
Por que Margaridas?
O nome Marcha das Margaridas é uma homenagem à trabalhadora rural e líder sindical Margarida Maria Alves, símbolo da luta das mulheres por terra, trabalho, igualdade, justiça e dignidade.
Ela rompeu com padrões tradicionais de gênero ao ocupar por 12 anos a presidência do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba. À frente do sindicato, fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural.
A trajetória sindical de Margarida Maria Alves foi marcada pela luta contra a exploração, pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, contra o analfabetismo e pela reforma agrária. Ela foi brutalmente assassinada pelos usineiros da Paraíba, em 12 de agosto de 1983.
Números e problemas
De acordo com o Censo 2010 do IBGE, mais de 14 milhões de mulheres viviam na zona rural, no Brasil, isso equivale a quase 7% da população. Já no Estado de Santa Catarina, 543 mil trabalhadores viviam a mesma condição, que não mudou muito no último ano. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009 traçou um perfil dessa população. No total, 10,6 milhões delas eram alfabetizadas (de 5 anos em diante) e quase três milhões não o eram. O número total, contudo, abrange pessoas sem declaração de alfabetização, ou seja, o real número de mulheres analfabetas ou semi-analfabetas continua mascarado nas estatísticas.
Esta mesma pesquisa, realizada em 2009, constatou que 2.513 milhões de mulheres recebiam, na época, de ½ a 1 salário mínimo, no Brasil, enquanto mais de 5 milhões não registraram rendimento. Em SC, 102 mil receberam o mesmo valor e 201 mil também não registraram rendimento. A categoria que não registrou rendimento inclui as pessoas que receberam somente em benefícios. O alto número de mulheres que ganham tão pouco ou nada com o trabalho no campo reflete a realidade que vivem as mulheres, em geral. Ainda que ocupem o mesmo cargo que os homens, muitas vezes, recebem menos e, no campo, essas diferenças são ainda mais contrastantes.
O PNAD 2009 também mostrou que, no Brasil, 2.281 milhões de trabalhadoras se declararam sem instrução ou com menos de um ano de instrução. No nosso Estado, 466 mil assumiram a mesma posição. A maioria das catarinenses (127 mil) tinha apenas quatro anos de escolaridade.
Opinião
A Marcha das Margaridas não parece ser apenas mais uma marcha como as muitas que vemos atualmente, no Brasil. De fato, não o é. Realizada desde 2000 e a cada quatro anos, a mobilização representa um dos momentos mais fortes e eficazes de diálogo entre as trabalhadoras do campo, a sociedade e o governo, além de ser um canal fundamental para tratar de políticas publicas em favor do desenvolvimento nessa área.
A reunião, que neste ano levou mais de 40 mil mulheres de todas as regiões do país à Brasília, é norteada pela pauta de reivindicações elabora pela categoria (ousada, esforçada e organizada), que depois de quatro edições se consolidou na luta contra a fome, a pobreza e a violência de gênero no campo. A Marcha das Margaridas expõe a realidade em que vivem essas mulheres, além dos números das pesquisas. Ela dá rosto e corpo a esse movimento, que têm conquistado, aos poucos, seus direitos, mas que ainda é vítima da discriminação, da desigualdade e da violência, no nosso meio machista e patriarcal.
Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em 10 anos, as mulheres ameaçadas de morte na região amazônica passaram de 7% para 20% dos nomes listados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Além disso, não podemos esquecer aqueles nomes que não foram listados, aquelas trabalhadoras que estão fora das estatísticas e não se tornam um número, desses que confundem e mascaram a verdade, muitas vezes trágica.
A mobilização também traz à tona questões ambientais e políticas, que independem de gênero, mas leva em consideração, na verdade, questões morais e de cidadania. E esse é mais um ponto relevante, que faz da ação algo muito maior e abrangente. Na ocasião, realizou-se, por exemplo, uma campanha contra o uso agrotóxicos e um ato público no Congresso Nacional pela reforma política. É luta pela igualdade, pelo desenvolvimento agrário, pelo fortalecimento do meio rural brasileiro e contra o êxodo rural.
Para organizar essas demandas do grupo, mulheres construíram pautas de reivindicações baseadas em sete eixos, divididos em mais de 150 pontos, que abordam questões como democratização dos recursos naturais, atualização dos índices de produtividade, fim da violência no campo, maior participação política de mulheres e melhores condições de trabalho, com autonomia e igualdade
As demandas das margaridas têm mostrado resultado. Um exemplo é o Fórum Nacional Permanente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, instituído em 22 de agosto de 2007, por meio da Portaria nº 42. Com ele, firmou-se o compromisso de discutir, formular e implementar políticas públicas de enfrentamento à violência relacionada à realidade dessas mulheres. O Fórum Nacional redigiu as Diretrizes e Ações de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, instituída por meio da Portaria Nº 85, de 10 de agosto de 2010 e assinada pela Ministra Nilcéa Freire, Chefe de Estado da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
A lei Maria da Penha também é considerada um avanço pelas trabalhadoras rurais e por diversos movimentos feministas. Contudo, grande parte das trabalhadoras rurais não conhece o conteúdo das leis ou não sabe a que instituições pode recorrer em busca de defesa ou proteção, isso quando a ajuda está, geograficamente distante e inacessível.
A Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais considera uma vitória importante a obtenção do crédito agrícola para mulheres, incluída no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – fruto das reivindicações da última edição da Marcha, em 2003. Com essa medida, as mulheres têm direito a receber recursos e financiar iniciativas paralelas à atividade agrícola – que muitas vezes já conta com o crédito familiar -, como a produção de doces, roupas ou artesanato.
Ainda restam, contudo, algumas reivindicações, na busca pela autonomia e pela igualdade. Essas mulheres, com freqüência, são relegadas no momento da partilha legal, e raramente têm acesso aos créditos de financiamento, inerentes à produção agrícola. A elas também é negado o acesso à Educação e aos programas de extensão rural.
A Marcha das Margaridas merece, então, todo o nosso apoio e incentivo. Essa é uma luta legítima por igualdade, justiça e em favor da valorização da mulher do campo, assim como do desenvolvimento do setor agrário e familiar brasileiro.