Por Cristiane Sampaio, Brasil de Fato.
A Câmara dos Deputados deve criar na próxima semana um grupo de trabalho (GT) para acompanhar demandas legislativas apresentadas em 2023 pela Marcha das Margaridas, que na última quarta (16) levou cerca de 100 mil mulheres à Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para reivindicar políticas voltadas ao segmento. A ideia do GT é monitorar o andamento dos projetos que estão no foco das chamadas “margaridas”, grupo que engloba trabalhadoras de diferentes categorias profissionais, mas especialmente camponesas.
“O GT não significa um compromisso com o mérito da matéria porque as casas legislativas têm uma orientação ideológica e política plural, então, a gente não tem como dizer se a Câmara vai se posicionar de uma forma ou de outra, mas a gente pode dizer que nós mulheres que recebemos a marcha [na quarta] e que estávamos ali buscaremos sensibilizar a Câmara para aprovação das matérias que as margaridas levaram como muito importantes” disse ao Brasil de Fato a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que anunciou a iniciativa em parceria com a também petista Benedita da Silva (RJ).
O anúncio foi feito na quarta (16), durante a marcha, mas o GT só deverá ser formalizado dentro de alguns dias. “A gente quer dar a melhor resposta possível para a Marcha das Margaridas. O parlamento brasileiro, para avançar num grau de compromisso profundo com a democracia, precisa cada vez mais ouvir esse tipo de movimento que chega a Brasília trazendo o sentido da democracia”, afirma Rosário.
Distribuída em um documento com 20 páginas, a lista de medidas solicitadas pelas mulheres da marcha foi entregue ao governo Lula e ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda em junho. A partir de agora, a pauta deve contar com uma maior mobilização por parte das militantes do movimento. A coordenadora da marcha, Mazé Morais, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), conta que a ação do segmento deverá ir além da articulação política junto às lideranças de Brasília.
“As margaridas têm um papel fundamental de contribuir com essa articulação, esse debate e essa pressão a partir dos seus estados porque é lá que os deputados têm votos. Temos o papel fundamental de fazer isso para impedir que projetos que possam prejudicar as mulheres sejam aprovados”, afirma a dirigente.
Pautas
A agenda legislativa das margaridas é apresentada a cada quatro anos, mesma periodicidade com que as militantes realizam a tradicional marcha por Brasília. Este ano o movimento levanta a preocupação com propostas como o projeto de lei (PL) 2159/2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental e coloca em risco recursos naturais considerados fundamentais para comunidades pesqueiras e outros grupos.
Outra medida que povoa os pesadelos das margaridas é o chamado Pacote do Veneno, o PL 1459/2022, que substitui na indústria a denominação “agrotóxicos” por “pesticidas”. A iniciativa é vista como uma forma de mascarar os efeitos danosos desse tipo de produto, podendo incentivar, com isso, o seu consumo e o consequente aumento dos problemas ambientais por eles causados. Também está na mira do segmento o PL 2633/2020, apelidado pelo campo progressista de “PL da Grilagem” por revisar a legislação fundiária do país incentivando a grilagem, falsificação de documentos voltada à posse irregular de terras públicas ou de terceiros.
A pauta apresentada à Câmara tem também pedidos de aprovação de propostas consideradas positivas para as mulheres. É o caso do projeto de lei do Senado (PLS) nº 222/2016, que cria a Política de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga, com objetivo ampliar a preservação do bioma e auxiliar no combate à pobreza e às desigualdades na região onde predomina esse tipo de vegetação. Outro exemplo que está no radar do movimento é o PL 1066/2015, que veta o corte e a derrubada da mangabeira, arvora típica do litoral do Nordeste, onde muitas mulheres dependem da economia relacionada a esse tipo de produção.
“Pra nós, é fundamental um projeto desses porque nossas mulheres, de fato, conseguem viver disso. É questão de sobrevivência. Sem isso, aquelas mulheres ali e suas famílias podem passar fome”, afirma Mazé Morais. A lista inclui ainda o PL 6856/2013, que inclui grupos formais e informais de mulheres da agricultura familiar entre aqueles que têm direito a prioridade na compra de gêneros alimentícios por parte do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Também fixa que pelo menos 50% da venda da família serão feitos no nome das mulheres, como forma de incentivar a autonomia financeira destas.
Bancada ruralista
As pautas da agenda das margaridas incluem ainda uma série de outras medidas. Em geral, os pedidos têm um desafio em comum: superar os obstáculos colocados pela bancada ruralista, grupo que é um dos maiores braços políticos do Congresso Nacional. “As dificuldades que nós temos estão relacionadas também ao fato de a gente não ter atingido, no Brasil, uma coerência política e eleitoral entre o voto para o Poder Executivo e o voto no Legislativo”, observa Maria do Rosário.
A deputada vislumbra, no entanto, possibilidades de avanço. “Acho que o crescimento do Lula e de movimentos como a Marcha das Margaridas nos ajuda a isolar os setores da extrema direita e outros grupos menos democráticos. Não é a primeira vez que temos um presidente da República de um campo político e uma maioria legislativa de outro campo. Isso foi justamente o cenário que nos levou ao caminho do chamado ‘presidencialismo de coalizão'”.
Edição: Thalita Pires
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