E qual é o problema com os Fundos desta vez? Segundo as palavras textuais do processo (RLA 12/00414486): “Aprovação de projeto cujo proponente é pessoa jurídica sem fins lucrativos, mas o autor e executor do projeto é pessoa jurídica com finalidade lucrativa.”
Por Cesar Valente.
Os Fundos sem fundo do governo catarinense (que vêm desde o reinado de Luís XV) são uma fonte inesgotável de inspiração e problemas. O susto mais recente é uma auditoria do Tribunal de Contas do estado (TCE) sobre os fundos da Secretaria do Esporte, Turismo e Cultura (não necessariamente nessa ordem). A investigação foi feita em 2012 e o processo estará pronto para ser examinado no plenário daquela casa de Contas assim que o auditor substituto de Conselheiro, Gerson Santos Sicca, que o recebeu há pouco, concluir seu voto.
A auditoria remexe com cadáveres que vários secretários que passaram por lá gostariam de manter enterrados.
Os gestores, nos períodos examinados, eram Gilmar Knaesel, Guilberto Chaplin Savedra, Valdir Walendowsky, César Souza Júnior e José Natal Pereira.
E qual é o problema com os Fundos desta vez? Segundo as palavras textuais do processo (RLA 12/00414486):
“Aprovação de projeto cujo proponente é pessoa jurídica sem fins lucrativos, mas o autor e executor do projeto é pessoa jurídica com finalidade lucrativa.”
Consulta de processo no site do TCE.
Entenderam? Darei um exemplo prático, que consta do mesmo processo: a Câmara Catarinense do Livro, entidade sem fins lucrativos, propôs, junto à SOL (sigla escalafobética da Secretaria da Cultura, Esporte e Turismo) a realização de um evento intitulado “Donna Fashion 2010 e Feira do Livro”. E levou, do governo bonzinho e louco para incentivar a cultura, a bagatela de R$ 300 mil. Só que o realizador do evento foi o Grupo RBS (Zero Hora e Diário Catarinense), que é empresa privada, com fins lucrativos.
Aí sabe como é que os auditores do TCE chamam essas entidades que emprestam a fachada para que a RBS leve uma graninha dos fundos? Isso mesmo: “laranjas”.
Que feio, o Florianópolis Convention e Visitors Bureau e a Câmara do Livro aparecerem num relatório oficial com esse apelido cítrico…
Os auditores baseiam-se, para pegar no pé dos secretários que permitiram a mamata, no art. 2º, § 2º, da Lei nº 13.336/05, que instituiu o Funcultural, o Funturismo e o Fundesporte no âmbito do SEITEC (Sistema Estadual de Incentivo ao Turismo, Esporte e Cultura). E no Decreto nº 1.291/2008, que a regulamentou.
O decreto estabelece claramente quem pode receber os recursos (só pessoas jurídicas sem fins lucrativos ou pessoa física que atenda a alguns requisitos). E, a certa altura (art. 42 item XIX) lembra que é proibido ao proponente “repassar os recursos financeiros recebidos pelo Fundo a outras entidades de direito público ou privado”.
Donde o espanto dos auditores, quando encontraram, nos processos auditados junto à “SOL”, projetos cuja realização integral é do Grupo RBS (tabelinha abaixo). E não dos proponentes “laranjas”.
Além disso, em todos os projetos houve também pagamento de “mídia” (compra de espaço publicitário para divulgação) exclusivamente à RBS, completando um quadro que preocupou os técnicos do TCE:
“Assim, diante do conjunto probatório existente nos processos de concessão e prestação de contas, dos projetos acima arrolados, constata-se que houve descumprimento das normas legais, com inversão das regras impostas, por parte da Secretaria, dos proponentes e Grupo RBS, visando atender interesses não contemplados legalmente.”
Uma das propostas do relatório é que o TCE represente ao Ministério Público Estadual, “para a apuração de possíveis ilícitos não administrativos”. Há quem imagine que o MPSC encontrará ali “favorecimento ilegal com a conivência passiva da SOL”. Outra é um puxão de orelhas no governo, para que cumpra a lei e pare de brincar com o dinheiro público dessa forma acintosa.
E agora?
Bom, ainda falta correr um certo volume de água sob a ponte. Porque, como todo manezinho que se preza sabe, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Uma coisa é o que os auditores encontraram nas suas investigações. Outra coisa é o que o cinturão de blindagem que o governo diz (em off) manter no TCE vai conseguir junto ao relator, pra transformar tsunami em marolinha.
No processo que vai a plenário constam, além do relatório dos técnicos (que contém, entre outras coisas, isso que eu comentei hoje), o parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (que, apesar do nome, nada tem a ver com o Ministério Público propriamente dito) e o parecer e voto do relator, a favor ou contra as conclusões dos técnicos. E aí, no pleno, ainda tem os votos dos demais conselheiros, todos ou quase todos alçados àquela posição por méritos políticos. O que nem sempre é uma coisa ruim.
Portanto, pode dar em nada. Ou pode virar num bafafá de ano eleitoral. Ou incomodar muita gente. Não foi por acaso, nem sem pensar no futuro, que o deputado Joares Ponticelli (do PP, ex-presidente da Alesc) pediu ao TCE – e levou, não faz muito tempo – uma cópia integral desse processo.
[Um agradecimento especial à boa alma que garimpou o relatório e generosamente compartilhou comigo]
Adendo da tarde de quinta
Acabo de saber que o parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, exarado em 5 de dezembro de 2013, é favorável ao relatório dos auditores. Na imagem abaixo, o parágrafo final do parecer.
Fonte: De Olho na Capital