Por Jorge Alemán.
O mantra de que a extrema-direita cresce devido aos erros de um governo em relação aos setores populares estabelece uma relação causa-efeito errada. Uma relação linear que não tem em conta a gênese global da extrema-direita.
Os direitistas globais pertencem à ordem de dominação do neoliberalismo, que, ao contrário do capitalismo industrial, tem progressivamente dissolvido a institucionalidade liberal e a sua legitimidade e há muito necessitava da produção de subjetividades como átomos de valor.
Durante anos estes dispositivos têm-se aperfeiçoado na captura de almas e na sua produção como subjetividades variadas, que se fossem traduzidas, diríamos que são seres que gostam de professar a sua descrença, que odeiam os políticos que veem como parasitas, e que estão fartos das suas próprias vidas e desprezam o entusiasmo por qualquer coisa que signifique mudança. Em suma, nem a vida comunitária nem a política lhes proporciona qualquer ancoragem. É por isso que é fácil ver que suas opiniões andam à deriva, de modo que num mesmo discurso entram em termos totalmente contraditórios.
A ultra-direita constitui uma agenda para dobrar o espaço político com a sua religião de mercado, numa altura em que a política de emancipação é permanentemente confrontada com as suas fraturas.
Entretanto, há uma proliferação de diferentes tipos de humores sociais cada vez mais violentos em diferentes segmentos da população que os governos que governam as nações submetidas à experiência psicótica e angustiante da hiperinflação deveriam abordar urgentemente. Pois a hiperinflação é a consumação do niilismo dentro da comunidade.
Assim, estes humores, não sendo regidos por quaisquer princípios ético-políticos, são conducentes ao trabalho da pulsão de morte nas suas diferentes variantes de agressividade mortal. Em termos mais radicais, vivemos numa época em que as pessoas estão ausentes ou não são fiáveis na defesa dos seus interesses. Especialmente quando já funciona como um fato central da nossa civilização que o Capitalismo não tem saída a não ser a destruição do mundo ou que é considerado, se devidamente orientado, o melhor sistema de todos ao serviço dos bens. Uma afirmação que a esquerda critica incessantemente mas para a qual não encontra uma solução.
Neste horizonte, o povo que conhecemos não existe ou existe nos seus gloriosos fragmentos. Até que haja uma experiência política que o constitua. E atualmente nenhum partido político de esquerda (na Argentina) ou do movimento nacional e popular tem capacidade institucional suficiente para o gerar.
Talvez uma mobilização dos setores ligados ao nacional e popular juntamente com a esquerda e os autênticos democratas, para além de não cederem às suas exigências ao governo, talvez devessem organizar uma frente de luta contra estes ultra-direitistas que, como eles próprios admitem, vão destruir, se lhes for permitido, toda a vida do popular.
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