Por Pedro Zambarda de Araújo, DCM
Fui embora da Paulista com lágrimas nos olhos, aflito e com uma dúvida: não sabia se o nome dele era José ou Antônio. Saí perambulando por toda a avenida atrás de um senhor que estava no chão com uma placa de papelão dupla, no peito e nas costas com os dizeres: “era empresário, virei mendigo” e “tomei no c*”.
Eram 18hrs quando bati a foto com o celular. Seu José estava no chão, sem mover as pernas, com apenas um chinelo, e vibrava contra Dilma. Morador de rua, ele foi vestido pelos manifestantes com a placa e teve adesivos de “Fora Dilma” colados na cabeça semicalva. Ele se divertia, deixava-se fotografar e cumprimentava alguns dos homens vestidos com camisetas da Seleção Brasileira.
O número de mendigos na Avenida Paulista aumentou nos últimos anos, segundo a própria prefeitura, refletindo a desigualdade de São Paulo sob Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Um morador sem teto que sempre fica próximo da estação de metrô Brigadeiro não estava por lá, mas vi ele no ano passado.
Deram um smartphone e um relógio novo. Assim como José, ele não podia andar, mas sempre pedia dinheiro e conversava com o dono da banca de jornal. Pelo menos não foi usado por manifestantes antipetistas neste dia 13 de março.
A população de rua explicou exatamente o que foi o protesto na mais paulistana das avenidas. No McDonald’s ao lado da Faculdade Cásper Líbero, no prédio da TV Gazeta, mendigos dormiam cobertos por bexigas com a frase “SOS Forças Armadas” de manifestantes golpistas. Na outra ponta da Paulista, perto do Instituto Cervantes, homens dormiam diante de uma faixa amarela convocando para as manifestações.
Alguns moradores de rua receberam cartazes e se integraram com a festa contra o PT. No entanto, às 19hrs, os caminhões de som foram desmontados aos poucos. Uma interlocutora do grupo Revoltados On-Line pedia, perto da Rua Pamplona, no megafone: “por favor, recolham o lixo! Vamos provar a estes petralhas que somos mais limpos do que eles!”.
A avenida ficou suja para que outros mendigos, catadores de latinha, recolhessem algum entulho das cervejas, hot-dogs e churrasquinhos consumidos naquele momento em que o MBL comemorava mais de um milhão de pessoas na rua e muita gente iria dormir sem um teto pra aquecer.
Os antipetistas e os oposicionistas ao governo Dilma se esforçam sempre para provar que seus protestos não são de elite e nem são de maioria branca. É errado, sim, dizer que os atos pró-impeachment não têm negros ou pobres, mas basta ver que seus líderes são também na maioria homens do topo da cadeia política.
O Movimento Brasil Livre de Kim Kataguiri, por exemplo, disse durante a manifestação que Aécio, Alckmin e Aloysio Nunes não foram vaiados e que representam sim seus anseios por apoiar a saída da presidente da República.
Como um protesto desses teria o apoio de moradores sem teto? Ainda mais considerando as barbaridades que a direita diz sobre Guilherme Boulos e suas discussões envolvendo o MTST dentro de São Paulo. Sem teto não tem voz e nem vez com a elite.
Sempre fui fã do jornalismo de repórteres como Eliane Brum, que partem do ponto de vista dos desfavorecidos e dos desvalidos para explicar as desigualdades sociais e os problemas políticos brasileiros. Neste protesto contra Dilma, vi como a direita utiliza os pobres para sempre tentar provar que está certa. Eu fotografei isso.
Mas confesso que não consegui reagir da melhor forma ao ver o que fizeram com o senhor José. E me perturbou vê-lo sorrindo. Constatei que ele estava sendo usado.
Deveria tê-lo ajudado.
Na volta para casa, passei por um cordão da PM no vão do MASP perguntando por ele. Ao fundo, havia mais moradores de rua. Alguns dormindo e outros puxando papo com cigarro na mão. Estavam separados da população que voltava pra casa.
“Agora eu acho que esse governo corrupto vai cair”, diziam os antipetistas.
Enquanto batemos boca sobre Dilma, Lula, Aécio e FHC, milhões de pessoas vão dormir na rua e até na própria Avenida Paulista, em condições de vida obscenas.