Os mesmos pesquisadores que previram, em agosto, a crise sanitária de Manaus afirmaram, esta semana, que os efeitos da nova cepa do coronavírus, com origem no Amazonas, ainda não foram sentidos no Brasil. A afirmação indica que o número de casos e de mortes por covid-19 pode aumentar nas próximas semanas e meses. Os novos dados deverão ser publicados ainda esta semana em revista científica. Ligados a diversas instituições científicas brasileiras, os pesquisadores alertam para a possibilidade de uma terceira onda de contaminações em Manaus. Para reverter o cenário, a cidade precisaria adotar medidas de isolamento rígidas, o chamado lockdown.
Em agosto do ano passado, o mesmo grupo publicou um artigo na revista científica Nat ure Medicine indicando que a situação da capital amazonense voltaria a ficar insustentável muito rapidamente. Menos de quatro meses depois, os números começaram a subir, e a cidade iniciou 2021 com o sistema de saúde em colapso.
Faltam medidas básicas
Segundo Philip Fearnside, do Inpa, quando as projeções de agosto foram concluídas, ainda não havia circulação da nova cepa no Amazonas. Os casos e as mortes cresceram pela falta de medidas básicas, como a restrição da circulação nas ruas e o uso de máscara.
A existência da variante, que pode ser mais infecciosa (embora ainda não haja estudos conclusivos sobre isso), apenas reforça a necessidade urgente de adoção dessas políticas. O isolamento deveria chegar a níveis entre 80% e 90% em Manaus para evitar a terceira onda.
“Isso piora a situação em termos da transmissão na população. É mais urgente ainda ter medidas fortes para restringir, e toda atividade tem que ter auxílio financeiro, para que as pessoas realmente possam ficar em casa”, alerta o cientista.
Metodologia utilizada
As projeções são feitas a partir de um modelo chamado Sierse, que leva em consideração a suscetibilidade da população, a transmissibilidade, as possibilidade de reinfecção, graus de contato, entre outros fatores.
Nessa conta são observadas realidades sociais. Um exemplo simples para entendimento é o fato de que cidadãs e cidadãos que precisam sair de casa para trabalhar correm mais risco do que os que conseguem trabalhar em casa. Cenário que faz diferença para as projeções.
“O que acontece agora é um futuro que depende do que se faz. Depende do grau em que a gente consegue diminuir a transmissão”, enfatiza Philip. O professor explica que a possível terceira onda teria características diferentes da atual, mas ainda com números que não deveriam ser tolerados.
“Seria uma terceira onda, mas não do mesmo tipo. Ela sobe a um nível até menor que o atual, mas que não deveria existir e que vai continuando, simplesmente vai embora. Essa é a pior parte”, afirma.
Alerta para a nova cepa
O espalhamento da nova cepa pelo Brasil também exige atenção, segundo as conclusões dos pesquisadores. A possibilidade de que ela seja mais infecciosa e a falta de estudos para identificar a variante compõem uma fórmula perigosa.
“Pode dominar e levar ao colapso, mesmo em lugares que têm mais UTIs e facilidades. Pode levar ao colapso em qualquer lugar. É importante que seja controlado com muita força e rápido”, alerta.
Frente a essa possibilidade, a preocupação com o lockdown precisa ser nacional, segundo ele. “A gente vê as imagens de pessoas nas praias, aglomerações. Está acontecendo e tem que ser controlado, senão o vírus se espalha”, destaca.
“Essas medidas são simples e conhecidas, mas precisam realmente ser respeitadas, têm que ser promovidas através do governo. São coisas factíveis como decisão de governo”, afirma o professor.
Philip ressalta também a importância de se ampliar e garantir a vacinação da população com total agilidade.
Pesquisadores
Assinam a pesquisa os cientistas Philip Fearnside, do Inpa; Luiz Henrique Duczmal, professor do Departamento de Estatística do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG; Unaí Tupinambás, docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG; Wilhelm Alexander Steinmetz e Jeremias Leão, ambos da Ufam; Alexandre Celestino Leite Almeida, da UFSJ; Ruth Camargo Vassão, pesquisadora aposentada do Instituto Butantan; e Lucas Ferrante, biólogo e doutorando do programa de Biologia do Inpa.