Por Jair de Souza.
Acabamos de receber a notícia de que o empresário explorador da fé Silas Malafaia está convocando o povo cristão para sair às ruas em 07 de setembro em apoio às medidas de força que seu aliado Jair Bolsonaro está impulsando em seu afã de encurralar o STF e, com isso, impor seu domínio absoluto ao país por cima de todas as instituições.
Nesta hora em que se apela ao nome de Jesus para que sirva de respaldo a certas forças político-econômicas bem delimitadas, é chegado o momento em que os seguidores de Jesus se ponham a debater qual é o papel que eles devem desempenhar na atual conjuntura.
Não há dúvidas de que, assim como ocorreu com quase todas as grandes figuras históricas ao longo do tempo, o legado de Jesus também vem sendo disputado por setores e classes sociais com interesses e perspectivas confrontantes. Cada classe trata de moldar e fazer valer aquela imagem e ideal de Jesus que mais lhe convém, em função de seus interesses específicos.
Sendo assim, embora Jesus tenha nascido em um ambiente de total simplicidade, que fosse filho de uma mulher do povo e de um trabalhador carpinteiro, que tivesse vivido sempre entre gente humilde, que estivesse constantemente empenhado em defender as causas relacionadas com os mais necessitados, apesar de tudo isso, as classes dominantes logo trataram de se apoderar da força que sua simbologia inspirava entre o povo para direcioná-la num sentido que lhes favorecesse.
E foi por isso que, de filho de carpinteiro oriundo das camadas mais modestas da sociedade, Jesus foi alçado à categoria de chefe maior da nobreza, tornando-se “Cristo-Rei”. Claro, isto só foi possível quando ele já não estava lá para fazer valer seus próprios pontos de vista.
Mas, se Jesus não escreveu nada de próprio punho que pudesse ser usado para nos orientar na atualidade, se os evangelhos foram escritos por outros, em momentos bem posteriores àqueles em que Jesus trilhava os caminhos terrenais, como vamos saber qual é o rumo correto para os que desejamos viver em conformidade com suas diretrizes?
A meu ver, os principais ensinamentos de Jesus devem ser extraídos dos exemplos de sua própria vida. E aqui está o ponto forte de Jesus, aquilo que o torna um símbolo maior da humanidade, independentemente da origem étnica ou cultural que tenhamos. É em função do que sabemos sobre a maneira como Jesus se posicionava diante dos problemas que o circundavam em sua vida real que vamos poder deduzir as lições que nos servirão nos tempos atuais.
Não é por acaso que hoje em dia muitos dos donos de empresas de religião que se dizem cristãs, aquelas empresas que se aproveitam da simbologia que a imagem de Jesus transmite para angariar riquezas e poder material para seus donos, procuram evitar que a atenção dos fiéis se concentre no que foi a atuação de Jesus enquanto convivia conosco como um ser humano igual a todos nós.
Se Jesus foi enviado por Deus para compartilhar com seu povo os sofrimentos do mesmo, foi para que seu exemplo de vida como ser humano também pudesse servir para nortear-nos na busca de um mundo mais justo e solidário. Para encontrar a salvação, devemos seguir a Jesus e procurar trilhar o caminho por ele indicado em sua vida terrenal.
Tudo o que sabemos sobre a existência de Jesus nos mostra que ele condenava veementemente a ganância, a ambição por riquezas pessoais, a desigualdade social e a exploração da fé popular para a obtenção de ganhos pessoais. Então, não me parece admissível que um cristão sincero nos dias de hoje possa aceitar que seu nome seja levantado por verdadeiros pilantras e estafadores cujas intenções são as de edificar impérios econômicos para benefício deles mesmos e de seus poucos achegados.
Jesus deu inúmeras mostras de ser contrário à discriminação e à intolerância. Nunca o vimos fazendo condenações de tipo pseudo-moralistas, ou racistas. Em todas as passagens relativas a sua vida, Jesus sempre foi visto pregando e praticando a solidariedade, a paz e a justiça. Também, nunca o vimos empunhando armas para defender as propriedades das classes dominantes. Portanto, não podemos entender como sendo orientação de base cristã aquelas propostas que se assemelham muito mais às coisas dos eternos inimigos de Jesus.
Sim, os inimigos de Jesus continuam existindo. Naqueles tempos, como agora, os defensores do diabo também queriam se fazer passar por representantes de Deus. Não podemos nos esquecer de que aqueles que arquitetaram a prisão, a condenação, a tortura e a morte de Jesus também agiram usando o pretexto de estar falando em nome de Deus.
Na verdade, podemos dizer que eles estavam muito mais afinados com os interesses do diabo. Assim aconteceu, e assim ainda acontece.
Cabe aos que se identificam com o verdadeiro legado de Jesus impedir que seu nome continue sendo usado para servir às causas da maldade, ou seja, devemos impedir que o nome de Jesus seja utilizado para construir a obra do diabo aqui na terra.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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