Por Mônica Nunes.
Lá se vão 40 anos desde que os alertas sobre os riscos das mudanças climáticas começaram a ser divulgados por cientistas com a Primeira Conferência Mundial do Clima pela ONU, em Genebra. E, pela gravidade do tema, pouco avançamos. Não faltaram tentativas e negociações (Eco 92, COPs do clima, Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris…), é verdade, mas se tivéssemos compreendido a urgência de limitar nossos impactos e frear o consumo, a ativista adolescente Greta Thunberg certamente não existiria como tal. Nem seu movimento Fridays for Future. Nem todos os movimentos pelo clima que têm surgido pelo mundo, ano após ano.
E devido a esse cenário, ontem, 5/11, mais de 11 mil cientistas, de 153 países publicaram artigo contundente na revista BioScience. Nessa declaração – que tem, no professor William Ripple, da Oregon State University, e em Thomas Newsome, da Universidade. de Sydney, seus principais autores -, apresentam evidências ainda mais devastadoras de que o planeta está em uma crise profunda e a humanidade em risco de extinção.
Para eles, o mundo enfrenta “um sofrimento incalculável devido à crise climática” que só crescerá se não houver compromisso e grandes mudanças de conduta no mundo. “Declaramos clara e inequivocamente que o planeta Terra está enfrentando uma emergência climática“, afirmam. “Para garantir um futuro sustentável, precisamos mudar a forma como vivemos. Isso implica grandes transformações na maneira como nossa sociedade global funciona e interage com os ecossistemas naturais”.
E salientam que não há tempo a perder porque subestimamos o aquecimento global: “A crise climática chegou e está se acelerando mais rapidamente do que muitos cientistas esperavam. É mais grave do que o previsto, ameaçando os ecossistemas naturais e o destino da humanidade”.
“Os cientistas têm obrigação moral de alertar claramente a humanidade sobre qualquer ameaça catastrófica“, dizem nesse artigo. “Com base nessa obrigação e nos indicadores gráficos apresentados, declaramos, com mais de 11 mil signatários cientistas de todo o mundo, clara e inequivocamente que o planeta Terra está enfrentando uma emergência climática“.
Um dos principais objetivos deste alerta é propor a ampliação da gama de indicadores de “sinais vitais” das causas e dos efeitos das alterações climáticas, para além das emissões de carbono e do aumento da temperatura da superfície. “Um conjunto mais amplo de indicadores deve ser monitorado, incluindo o crescimento populacional, o consumo de carne, a destruição das florestas (lembraram dos incêndios na Amazônia com o governo Bolsonaro), o consumo de energia, os subsídios aos combustíveis fósseis (devemos esquecer que existem e deixa-los no solo!!) e as perdas econômicas anuais por conta de eventos climáticos extremos”, ressaltou Thomas Newsome ao jornal britânico The Guardian.
A quantidade de passageiros aéreos e o PIB mundial, que só crescem, são considerados pelos signatários do artigo como “sinais profundamente preocupantes das atividades humanas”, que definem “estilo de vida dos ricos”, que consomem em excesso e provocam (e mantêm) a crise climática.
O resultado? Aumento da temperatura da terra e dos oceanos, aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos. “Apesar de 40 anos de negociações climáticas globais, com poucas exceções, temos falhado em resolver essa situação. Especialmente preocupantes são os possíveis pontos irreversíveis do clima. Essas reações em cadeia do clima podem causar perturbações significativas nos ecossistemas, sociedade e economias, potencialmente tornando grandes áreas da Terra inabitáveis”, ressaltam no artigo.
A intenção dos cientistas com a divulgação dessas declarações tão contundentes é colaborar para que “os formuladores de políticas e o público entendam a magnitude da crise, realinhem prioridades e acompanhem o progresso“, acrescentam.
Newsome comenta que não é preciso ser um cientista de foguetes para “olhar os gráficos e saber que as coisas estão dando errado”, revelando que, apesar de tudo, os cientistas ainda mantêm o otimismo: “Ainda não é tarde demais”. Entre os sinais que os fazem pensar assim e os encorajam a prosseguir, os cientistas incluem a diminuição da taxa de natalidade global, o aumento da energia solar e eólica e o desinvestimento em combustíveis fósseis.
Ao mesmo tempo, destacam ações que precisam ser adotadas já, tais como:
- usar a energia de forma mais eficiente;
- aplicar fortes impostos sobre o carbono emitido por combustíveis fósseis para forçar a redução de seu consumo;
- estabilizar a população global – atualmente, nascem 200 mil pessoas por dia – com base em abordagens éticas, como a educação para meninas;
- cessar a destruição da natureza e restaurar florestas e manguezais, que absorvem CO2;
- comer mais vegetais e menos carne;
- reduzir o desperdício de alimentos; e
- parar de usar o PIB como indicador de desenvolvimento.
Estas são apenas algumas das medidas urgentes que precisam ser adotadas sem demora, mas que, de acordo com eles, já ajudariam a promover mudanças transformadoras, garantindo justiça social e econômica e bem-estar para todos. Isso mudaria o cenário mundial brutalmente.
E revelaram que, para escrever tal artigo, se sentiram especialmente encorajados pela onda de preocupação demonstrada por grupos como os estudantes, liderados por Greta Thunberg, que promoveram greves escolares globais para chamar a atenção do mundo para o problema, como também ações judiciais contra poluidores e a reação positiva de nações e empresas
Vale destacar que, em 2017, William Ripple, o principal autor do artigo publicado na BioScience, apoiado por mais de 15 mil cientistas, publicou alerta sobre os perigos da poluição e uma iminente extinção em massa de vida selvagem na Terra. O texto foi lido em parlamentos do Canadá e Israel, entre outros. Isso aconteceu 25 anos depois que o Aviso dos cientistas do mundo para a humanidade foi publicado (1992) e dizia: “É necessária uma grande mudança em nossa administração da Terra e na vida nela, para evitar uma vasta miséria humana“.
Para Ripple, os cientistas têm obrigação moral avisar sobre as ameaças catastróficas: “É mais importante do que nunca falarmos com base em evidências. É hora de ir além da pesquisa e de publicaçoes científicas, falando diretamente aos cidadãos e formuladores de políticas”.
O documento assinado por mais de 11 mil cientistas foi divulgado um dia depois que os Estados Unidos notificaram a ONU sobre sua saída do Acordo de Paris. Na COP21, este tratado estabeleceu metas para que os países signatários limitem o aquecimento global em 1,5ºC, ou seja, abaixo de 2ºC, que é o limite para que o planeta não entre em colapso total.
É sempre bom saber com quem se pode contar.