“Vou dormir igual morcego hoje, com os pés para cima”, brinca José de Oliveira, 47, apontando para os sapatos chamuscados. Ele é funcionário de uma pousada de luxo de Alto Paraíso de Goiás (GO) e um dos moradores da região que têm ajudado a apagar focos do maior incêndio da história do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e seu entorno.
O chão quente por causa das chamas queima os pés de voluntários como ele –que, de camiseta e galocha, tentam apagar o fogo que atinge o cerrado há cerca de dez dias.
Mais de um quarto do parque já foi consumido no incêndio, que têm múltiplos focos, segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Até a última atualização, de terça (24), 64 mil hectares (de um total de 240 mil hectares) já tinham sido queimados –equivalentes ao tamanho do parque antes de ele ser ampliado, em junho.
O fogo tem alterado a rotina da região que é uma das principais atrações turísticas de Goiás. Mas não é o que parece à primeira vista para o turista que chega à cidade de Alto Paraíso, pacato centro urbano que concentra pousadas e restaurantes que servem como base para visitantes que partem para as cachoeiras e trilhas da vizinhança.
Ali, moradores atribuem à seca prolongada (e não ao incêndio) algumas pequenas mudanças na rotina, como a redução do horário dos turnos letivos na escola municipal Zeca de Faria ou a falta de água que atinge parte das casas nas últimas semanas.
POUSADA
A chuva deve dar as caras na região, pela primeira vez em meses, na noite desta sexta (27). Se isso ocorrer, o ICMBio espera controlar o incêndio no final de semana.
É só se afastar um pouco da via principal que é possível notar os primeiros sinais do fogo: na Camelot, pousada com inspiração medieval na beira da entrada da cidade, as reservas para o final de semana foram canceladas.
Nesta semana, o fogo chegou até a parte de trás do hotel e “derreteu” o carro de um dos brigadistas que combatia as chamas, afirma a recepcionista. Os turistas, por sua vez, se afugentaram.
O relato se repete em todas as pousadas visitadas pela nesta quinta-feira (26). Próximo ao Vale da Lua, um dos pontos turísticos mais famosos da Chapada, que fica entre Alto Paraíso e a Vila de São Jorge, a pousada Aldeia da Lua teve um dos dez chalés destruídos pelas chamas.
Com teto de palha e vigas de madeira, o quarto ardeu na madrugada de quarta (25). Dentro dele, o chão ainda tinha brasas que soltavam fumaça. Além da pousada, outras duas casas de moradores da região foram queimadas.
“Tive prejuízo de R$ 80 mil”, afirma o dono do estabelecimento, Marcelo Roriz dos Santos. Ele relata 32 cancelamentos de reservas marcadas para a virada do ano. “Mas até lá já choveu e vai estar tudo lindo aqui de novo.”
É o que repete o brigadista voluntário Rafael Marinho, 30. Para o baiano, que mora há quatro anos em Goiás, houve um certo pânico dos turistas com relação ao incêndio, que atinge principalmente áreas do parque em que não há visitação pública.
Segundo ele, boa parte das cachoeiras e trilhas continuam abertas para visita.
‘ABAFADORES’
A acompanhou Marinho em uma expedição de brigadistas e bombeiros para apagar um novo foco de incêndio, desta vez fora da área do parque, no Vale Verde.
As chamas surgiram pela manhã e se espalharam rapidamente pelo capim.
No local, em uma estrada de terra, mais de 15 carros se aglomeravam, cheios de voluntários, bombeiros profissionais enviados pelo Distrito Federal e brigadistas de empresas privadas.
A maioria portava os chamados “abafadores”, cabos de madeira com tiras de borracha na ponta, com a qual os combatentes batem nas chamas para tentar extingui-las.
Evolução dos focos de incêndio* – Em milhares
Além disso, alguns portavam bombas de água (semelhantes às usadas para lançar inseticida em plantações) para espirrar sobre o fogo.
A operação nos maiores focos, dentro do parque, é diferente, com helicópteros, aviões tanque e um avião C130 da FAB (Força Aérea Brasileira).
Equipes do ICMBio e do Ibama trabalham durante a noite para apagar focos de chamas –e os bombeiros durante o dia, para evitar que o fogo que já tenha sido extinto volte a acender por causa de uma fagulha esquecida.
Além da equipe de 215 pessoas, há mais 200 voluntários que trabalham na própria base dos trabalhos, montada no aeroporto da cidade.
Se os métodos para apagar são diferentes, a causa é a mesma: dos voluntários ao coordenador de prevenção e combate ao fogo do ICMBio, Christian Berlink, todos afirmam categoricamente se tratar de incêndios criminosos.
“A pessoa que colocou fogo sabia o que estava fazendo, colocou em uma área do parque onde não estávamos atuando, na direção do vento, para que espalhasse rápido”, afirma Berlink.
Ele diz que a única causa natural possível para as chamas seriam raios, o que não acontece na época da seca.
A tese de incêndio criminoso é corroborada pelos moradores que combateram o fogo no Vale Verde. Funcionários de uma pousada afirmam ter visto um carro estacionado no meio da mata pouco antes do início das chamas.
Segundo eles, a causa seria a disputa de terra por causa da ampliação do parque –que teve sua área triplicada.
Fonte: 24Brasil