Madonna e a esquerda. Por Francisco Fernandes Ladeira.

04-05-2024 – Show da Madonna na praia de Copacabana. Foto: Rafa Catarcione/Prefeitura do Rio

Por Francisco Fernandes Ladeira.

O show da cantora estadunidense Madonna, realizado na praia de Copacabana, no sábado (4/5), foi o assunto mais comentado nas redes sociais nos últimos dias. Para um debate político, acredito que são irrelevantes questões como “o que ela faz no palco e na vida privada” ou “a solidez de sua vasta carreira musical”. Quatro décadas em evidência, com vários sucessos em todo o planeta, não deixam dúvidas sobre a qualidade do trabalho de Madonna.

No entanto, o que chamou bastante a atenção foi parte considerável dos setores progressistas alçarem a cantora ao status de “grande nome da esquerda”, uma espécie de heroína dos oprimidos. Aí a situação se mostra muito complexa e controversa.

Evidentemente, ninguém é obrigado a demonstrar seu posicionamento ideológico em público, mas com os desdobramentos da apresentação em Copacabana se direcionando para um debate político, certas reflexões são inevitáveis. Em seus shows, Madonna questiona o sistema capitalista ou menciona algo sobre “luta de classes”? Ao que tudo consta, a resposta é negativa.

Já em relação ao grande tema da agenda global, o genocídio do povo palestino, “atualmente a régua moral do mundo”, como bem definiu Breno Altman, qual a posição de Madonna?

Em setembro de 2009, a cantora tirou uma foto com ninguém menos do que Benjamin Netanyahu, na residência do primeiro-ministro israelense. No ano passado, após a contraofensiva do Hamas no sul de Israel, a cantora prestou sua solidariedade ao Estado sionista. Atitude até compreensível, porém não houve a mesma postura em relação ao desproporcional ataque israelense em Gaza. Nenhuma declaração sobre o genocídio.

Claro que setores da esquerda saíram em defesa da cantora sobre o apoio ao sionismo. Alguns alegaram que “artista tira foto com político mesmo”, outros disseram que “a foto é antiga”, como se, há quinze anos, ninguém soubesse quais as intenções de Israel e de seu primeiro-ministro em relação ao povo palestino. Do mesmo modo, se na década de 1930, um artista tirasse uma foto com Hitler, seria “normal”, “artista tira foto com político mesmo”.

Também houve a narrativa sobre Madonna ter “resgatado a bandeira do Brasil, apropriada pelo bolsonarismo”. De fato, a extrema direita busca monopolizar os símbolos nacionais, mas, se alguém tem que “resgatar a bandeira”, somos nós, brasileiros, e não alguém vindo dos Estados Unidos, a principal nação imperialista do mundo. Mais uma vez, entra em cena a figura do “estrangeiro salvador”. Haja postura colonizada!

E assim, parte da esquerda, em sua carência e falta de direção programática, idolatra determinadas figuras e instituições pelo simples fato de contrariarem, de alguma forma, o bolsonarismo.

O filme “Barbie” desagradou os conservadores, vamos exaltar uma boneca símbolo da futilidade ianque. Os seguidores do “mito”, do alto de seus devaneios, falam em “ditadura do STF” e “Globo Lixo”, vamos nos tornar acríticos em relação à emissora da família Marinho e à instância máxima do Poder Judiciário. O fato de ambas terem participação decisiva no golpe de 2016, que ironicamente pavimentou o caminho para a eleição de Bolsonaro, não vem ao caso.

Logicamente, combater o bolsonarismo é essencial para o momento, mas a esquerda pode (e deve) ir além de meramente ficar irritando bolsonaristas nas redes sociais. É muito pouco para a luta política.

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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando pela Unicamp e pós-graduando em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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