M.Officer pode ser banida de São Paulo por exploração de trabalho escravo

M.Officer Trabalho escravo
M.Officer Trabalho escravo

Ministério Público do Trabalho pede que inscrição estadual da empresa seja cassada, o que a impediria de produzir no estado.

Por Sarah Fernandes.*

Indústria do vestuário está entre principais envolvidas em casos de trabalho análogo à escrevidão

São Paulo – O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ação civil contra a confecção M.Officer por prática sistemática de trabalho análogo ao escravo na cadeia produtiva. O processo pede que a Justiça do Trabalho aplique ao caso a lei estadual de combate ao trabalho escravo, que caça a inscrição estadual da empresa por dez anos, a impedindo de produzir e comercializar em São Paulo e proibindo que os sócios reabram outra empresa neste prazo. É a primeira vez que a Lei 14.946, aprovada e sancionada em 2013, é aplicada a uma grande empresa.

Os procuradores que assinam a ação, Christiane Vieira Nogueira, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Tiago Cavalcanti Muniz, pedem ainda que a empresa seja condenada a pagar R$ 10 milhões, que seriam revertidos a obras sociais ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Destes, R$ 7 milhões ressarciriam danos morais coletivos por submeter trabalhadores a práticas degradantes e jornadas exaustivas e R$ 3 milhões pela prática do chamado dumping social, quando a empresa opta por não pagar encargos trabalhistas para aumentar o lucro e concorrer com preços mais baratos.

A ação se baseia em seis inspeções a oficinas, iniciadas em novembro do ano passado. Em duas, houve libertação de pessoas em condições análogas à escravidão, sendo dois trabalhadores na primeira e seis na segunda, todos bolivianos. “Eles não denunciam porque têm medo, por estar em situação irregular. A empresa se beneficia da condição de vulnerabilidade desses imigrantes para aumentar seu lucro”, diz Tatiane. “Encontramos uma criança de apenas 10 meses que ficava sozinha em um quarto para a mãe trabalhar. Uma situação muito degradante.”

“Eles estavam contratados em situação irregular, sem garantia dos direitos trabalhistas, como férias, 13º salário e salário mínimo. Dormiam no mesmo local em que trabalhavam, que era um espaço completamente inseguro, com bujões de gás e produtos inflamáveis. Trabalham, em média, 14 horas por dia, em situação ergonômica completamente inadequada, tanto que, na sua maioria, os trabalhadores não tinham nem 30 anos e já sentiam dores nas costas”, conta a procuradora.

O valor médio pago por peça era R$ 4. “Essa forma de remuneração faz com que o trabalhador perca a noção do valor do seu dia de trabalho. Por necessidade de garantir seu sustento e o de sua família, ele trabalha até o limite de suas forças, em jornadas subumanas, como se fossem máquinas”, aponta o texto da ação.

Cadeia produtiva

As investigações mostraram que a M.Officer, identificada como razão social por M5, possui no quadro de funcionários apenas 20 costureiras. A empresa contrata intermediários que, por sua vez, subcontratam as oficinas clandestinas. “Os intermediários têm, se muito, duas costureiras. A empresa sabe que existem essas subcontratações. Ela especifica todas as características da peça e depois as lacra. Ela participa de todo o processo produtivo dando ordens. As peças vão e voltam até chegar a peça-piloto final”, afirma Tatiane.

A gerente de compras da empresa, Rosicler Fernandes de Freitas Gomes, afirmou para uma equipe de fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego – em uma entrevista realizada durante fiscalização na sede M.Officer, em 8 de maio – que as subcontratações têm o objetivo baratear os custos de produção. Segundo a ação, ela afirmou “saber que existem fornecedores que que chegam a quarteirizar a produção para cerca de quarenta subcontratados”. E “mencionou ainda existirem poucos fornecedores em que toda a produção é internalizada” e que “esses casos raros acabam encarecendo a produção. Por esse motivo, priorizam os fornecedores que subcontratam, por apresentarem custos mais baixos de produção.”

Segundo a procuradora Tatiana, houve diversas tentativas de negociar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a grife, sem sucesso. “O que chama a atenção é que a marca, em momento nenhum, mesmo tendo várias oportunidades, fez esforços para resolver a questão. Ela apenas nega e diz que tem um contrato de facção com as intermediárias. Sua defesa é só negar.”

Procurada pela RBA, a M.Officer afirmou, em nota, que “ainda não foi notificada da ação judicial” e que, por isso, está “impossibilitada de se manifestar a respeito”. A empresa assegura que “cumpre integralmente todas as obrigações trabalhistas” seguindo a legislação em vigor e afirma que “não possui qualquer responsabilidade sobre os fatos ora noticiados”.

Para Leonardo Sakamoto, coordenador da organização não-governamental Repórter Brasil, que milita contra o trabalho escravo, a exploração de mão de obra é uma prática recorrente na indústria têxtil, pela forma como o setor está organizado. “O trabalho escravo está relacionado com o fato que as empresas querem garantir lucro e competitividade. Ele não é uma falha do capital que vai desaparecer com a evolução do capital. É um instrumento utilizado pelo mercado para garantir competitividade e lucratividade. E, enquanto ele garantir essas duas coisas, vai continuar a ser usado”, diz.

“Quanto mais conseguirmos imputar grandes perdas financeiras para quem busca o trabalho escravo com o objetivo de obtenção de lucro, mais o problema vai cair. Quanto mais caro for compensar o crime, mais as empresas vão colocar na balança e não fazer”, acredita Sakamoto.

*Da RBA

Fonte: Rede Brasil Atual

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