Petição Pública
DR Paulo Vieira Aveline JUIZ FEDERAL DA 4ª VARA FEDERAL SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CRICIÚMA (SC)
Ao
DR Paulo Vieira Aveline
JUIZ FEDERAL DA 4ª VARA FEDERAL
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CRICIÚMA (SC)
Pelos direitos do Quilombo de São Roque (SC) e Denúncia do Racismo ambiental do ICMBio ( Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade)
Manifestamos nosso apoio à Comunidade Quilombola São Roque (SC) quanto ao reconhecimento imediato do seu território quilombola e, particularmente, pela imediata execução do Termo de Compromisso firmado entre o ICMBio e a Associação Remanescente de Quilombo São Roque, visando regulamentar o uso e o manejo dos espaços e dos recursos naturais em área de sobreposição entre o referido território quilombola já delimitado pelo INCRA (SC) e os parques nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral, localizados em Praia Grande (SC).
A Comunidade dos Remanescentes do Quilombo São Roque, localizada nos municípios de Praia Grande, Estado de Santa Catarina, é formada por 60 famílias, sendo que 30 delas residem na localidade de Pedra Branca, os demais expulsos pelas imposições do extinto IBAMA-SC, hoje Instituto Chico Mendes da Biodiversidade- ICMBIO. Local de valor ambiental inestimável, coberto pela Mata Atlântica, situa-se entre as “grotas” (divisão natural entre os morros também conhecidas como canyons). A origem vinculada à economia escravagista, a conquista da liberdade e a autonomia, assim como os impactos decorrentes da implementação dos parques na vida da comunidade quilombola são abordados no relatório antropológico produzido por pesquisadores do NUER/UFSC em 2006.
A Comunidade desde o seu reconhecimento legal pela FCP realizou 11 tentativas de construção do Termo de Compromisso com a participação da comunidade, Movimento Negro Unificado/SC, Ministério Público Federal e INCRA (SC). Em março de 2013, finalmente, um Termo de Compromisso foi acordado e assinado pelo Sr. Ricardo Vicentini. No entanto, em 20 de maio de 2013, o presidente desconsiderou unilateralmente todo esse processo e alega não reconhecer a sua própria assinatura no documento e sua validade legal.
Diante desse fato, o Ministério Público Federal abriu uma Ação de Execução (nº 5009890-88.2013.404.7204) contra o ICMBio com a obrigação de fazer valer o Termo de Compromisso que firmou com a Comunidade Remanescente de Quilombo São Roque e com o próprio MPF, visando regulamentar o uso e o manejo das áreas e recursos naturais necessários à sobrevivência digna das famílias da comunidade, no perímetro de sobreposição entre o território quilombola delimitado pelo INCRA e os referidos parques nacionais. No entanto, o ICMBio mantém sua posição e a justifica que o documento assinado, o Termo de Compromisso “não é mais do que uma cópia do documento, cujo o original, embora assinado pelo presidente do ICMBio, teve sua tramitação suspensa e não submetido a assinatura da contraparte” (Memorando n. 19/2014- GABIN/PRESI/ICMBio, de 29 de janeiro de 2014).
Além disso, o ICMBio alega que as áreas para as roças, definidas anteriormente pelo Termo de Compromisso construído com a comunidade e o próprio órgão, foram posteriormente avaliadas pelo órgão como “áreas de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração (conforme Relatório de Vistoria Técnica 06/2013 realizada pela Autarquia”) e portanto impedidas de uso conforme determina Lei nº 11.428/2006.
No entanto, esclarecemos que essa mesma área, definida consensualmente pelo referido Termo de Compromisso, ficou em estágio de regeneração porque a comunidade respeitou a lei e agora, esta mesma área está sendo usada para desconsiderar nossos direitos.
Tal proibição viola o disposto no artigo 28, parágrafo único do SNUC, o qual assegura às populações tradicionais as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais até que seja elaborado o Plano de Manejo, bem como com o disposto no parágrafo segundo do artigo 42 da mesma Lei.
O recuo do ICMBIo em reconhecer o Termo de Compromisso já firmado, revela-nos a postura institucional ideológica e nada técnica do ICMBio e se traduz numa prática de racismo institucional. O último parecer do ICMbio é um retrocesso de uma década nesta questão.
Neste período, a comunidade de São Roque se mobilizou para a construção de um consenso com o ICMBio. No entanto, com a atual atitude, o ICMBio demonstra práticas institucionais intolerantes e em total desacordo com que rege os direitos quilombolas, sugerindo até mesmo a realocação das famílias quilombolas para fora dos Parques Nacionais, além de os acusarem de prejudicar a conservação do bioma Mata Atlântica. Essa avaliação de fato não procede e é justamente o contrário: há mais de um século a comunidade de São Roque desempenha uma importante ação ambiental, de manejo sustentável e tecnologias acumuladas através de gerações que possibilitaram a preservação daquele lugar. Sem a Comunidade é possível que toda a área tivesse sido destruída para dar lugar a plantações e criação de animais com fins industriais, como ocorreu em todo território catarinense. Observe-se que a comunidade de São Roque ocupa aquelas áreas desde o século XVIII e o Parque Nacional foi reconhecido pelo governo brasileiro somente na década de 1970. Diante disso, assevera-se e solicita-se o reconhecimento do protagonismo histórico dessa comunidade à preservação ambiental daquele lugar. Foram os quilombolas e não o Estado quem preservou àquela área.
Além disso, a criação dos Parques gerou impactos negativos para a comunidade, que passou a ser tratada como “intrusa”, “ilegal” e suas práticas qualificadas como “crimes ambientais”. Conforme demonstram os estudos antropológicos, os quilombolas passaram a ser alvo sucessivo de agentes públicos de constrangimentos morais, físicos, e penalizações através da aplicação de vultosas multas e a expulsão de muitas famílias.
Para resolver o suposto “impasse da sobreposição do território quilombola a Unidade de Conservação”, o Governo Federal instalou em 2011 uma Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), coordenada pela Advocacia Geral da União (AGU) – (Processo nº 00405.001702/2008-13). No entanto, a maior interessada em resolver essa questão, a Comunidade de São Roque, assim como o MPF, órgão responsável pela defesa de seus direitos, está impedida de ter representação junto a Câmara mediante a justificativa de que a regularização de territórios quilombolas é assunto de segurança nacional. Esse procedimento contraria os dispositivos de consulta estabelecidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil através do Decreto nº 5051/2004.
A Comunidade de São Roque avalia que o Termo de Compromisso é necessário para garantir a segurança alimentar das famílias quilombolas, enquanto aguarda a manifestação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, no âmbito da Advocacia Geral da União, e a decisão definitiva dos processos da titulação do seu território.
Portanto, o recuo do ICMBIO do Termo de Compromisso já firmado representa um retrocesso aos direitos previstos na Constituição brasileira e ao decreto 4887/2003 e se constitui em racismo ambiental praticado por essa instituição, impedindo a reprodução cultural, física, social e econômica dessa comunidade quilombola.
Nesse sentido, requeremos a Vossa Exa., com todo respeito, que se execute o Termo de Compromisso firmado entre o ICMBio e a Associação Remanescente de Quilombo São Roque e que se aplique o Decreto Federal 4887/03 na sua integralidade, com a titulação do território quilombola de São Roque.