Lula vale a luta, mas não salva!

(E eleições não vão parar o golpe, mas podem mudar tudo)

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Por Elenira Vilela, para Desacato.info.

Pare pra pensar, deixe de lado algumas de suas paixões e analise a situação friamente. Vamos lá?

Lula é sem dúvida a maior liderança popular do país. E isso é uma mistura de méritos pessoais (vamos combinar: ninguém, além dele, que nasceu no agreste e na fome conseguiu o que ele conseguiu), de uma conjunção de fatores históricos e de muito investimento do movimento popular brasileiro.

Ele é uma figura ímpar e um patrimônio dos trabalhadores e trabalhadoras brasileir@s. Se você tem uma liderança dessa, você a defende, a preserva. No momento a figura de Lula é um dos maiores problemas imediatos da continuidade do golpe, goste você disso ou não. Isso pela sua popularidade, por sua capacidade de mobilização e pelo respeito internacional. Se não tivéssemos alguém nessas condições a situação estaria bem pior.

Talvez você pense que também não estaríamos nessa situação não fosse por ele. Isso é verdade… em parte.

Lula abandonou uma das frases que ele usou na fundação do PT: “A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” em referência ao Manifesto Comunista. De fato, a própria arrogância e o encantamento pela via institucional e negociada, sem confrontos com os exploradores, o fez abandonar a organização dos trabalhadores como centro da estratégia.

Pior do que isso, seu grupo dirigente do PT começou a propor a substituição da organização pelas disputas eleitorais e administrações. Acabou por definhar a organização existente e responsável pelo forte enraizamento e, até hoje, na grande representatividade do PT.

Verdade seja dita: a resistência a esse processo foi muito pequena, apesar de contar com muitos discursos inflamados em defesa do trabalho de base e da luta política a maioria se acomodou rapidamente na luta institucional, nas estruturas de sindicatos e movimentos, que se burocratizaram cada vez mais. Isso também aconteceu com os outros partidos de esquerda. Sim, há exceções, sempre há. Mas foram bem minoritárias. A acomodação é um fenômeno da esquerda brasileira e mundial.

Depois que a conciliação liderada por Lula ganhou as eleições, esse processo se aprofundou enormemente e no governo pouquíssimas políticas sociais foram acompanhadas de debate político.

Mas essa responsabilidade é parcial. Vejamos: mais de 160 países fizeram fortes Reformas Trabalhistas, todas retirando direitos. Será que o Lula e o PT tem tamanho alcance? Será que foi a Dilma que estragou tudo? Claro que não.

Estamos no meio de umas das mais profundas crises estruturais do capitalismo, a famosa crise de super produção e o rentismo impuseram uma redução relativa dos lucros das empresas e uma concentração de riqueza nunca vistas antes.

Combinando isso com o fator geopolítico de que não há mais bloco socialista impondo ao capitalismo uma regulação, obrigando-o a ceder, pelo menos nos países da OTAN, uma democracia mais aprofundada e o famoso Estado de bem estar social. Era preciso que os movimentos operários e populares no mundo não continuassem a dar poder para o tal espectro que rondava esses países, os socialistas estavam ganhando poder em todo o mundo.

Neste momento o capital está tomando de volta os anéis que cedeu no período pós-guerra mundial. E aproveitando para ir além, aumentar ainda mais a concentração, retirar direitos, acabar com as democracias parciais em todos os cantos da Terra, aumentar as guerras.

Falando em guerras, da última vez que tivemos uma crise semelhante (vários economistas afirmam que essa é mais profunda e tem proporções maiores) o que nos tirou dela foi a 2ª Guerra Mundial.

Em resumo, não, não dá pra analisar o que acontece no Brasil como fenômeno local, muito menos para reduzir tudo isso aos acordos do Lula e do PT. É muito mais profundo e complexo do que isso.

E por que é essencial defender Lula?

Dois motivos básicos: 1. precisamos da enorme pedra nos sapatos do golpe que ele representa; 2. porque se o imperialismo, via os golpistas, acham que tem poder para demolir uma liderança dessa monta, vai avançar sobre qualquer democrata ou outra liderança popular com uma virulência enorme.

É verdade que a democracia e o sistema de garantias constitucionais jamais alcançaram parcela significativa da população brasileira. Defender essa democracia e a Constituição parece inútil para quem nunca foi protegido por ela. Mas não é, pelo simples fato que a piora para os outros, piora para todxs.

Os sistemas de exceção reduzem a capacidade de luta da classe: o medo da repressão, a dificuldade de comunicação, o aumento do tempo destinado à luta pela sobrevivência dificultam nossa capacidade de luta. Ainda que não a extingua. Isso sem contar de que não deveríamos torcer pela tortura ou morte dos nossos. E já estamos contando…

Então temos que apostar nossas fichas na eleição de Lula, porque assim ele se elege e reverte todas as reformas e devolve as políticas sociais e os direitos perdidos?

Claro que não!

A luta pela candidatura e eleição de Lula é uma entre algumas táticas nas quais devemos investir. Primeiro porque ela retarda o golpe, dificulta a vida dos nossos inimigos. Ainda que a chance dessa eleição se consumar e que seu resultado seja respeitado pela via institucional é quase zero e parece que o julgamento do próprio Lula já deixa isso claro. Os caras não iam fazer todo esse esquema para dar um golpe e devolver o poder ao Lula apenas dois anos depois.

Desde que Lula se elegeu, em 2002, já teríamos que manter e aumentar nossa mobilização por direitos e pela democracia, para que ele fosse um governo o mais popular possível. Lembre-se que poder não é governo e que o Estado é burguês. O governo mais bem intencionado sempre atenderá aos interesses da classe exploradora, porque ela o pressiona e o Estado está estruturado para beneficiá-la em qualquer sociedade capitalista. E na luta de classes somente a classe mais forte, organizada e na pressão arranca direitos, serviços públicos, equidade e poder concreto.

Em um momento de avanço do capitalismo isso é ainda mais necessário, com ou sem Lula na presidência.

E nós conseguimos! A nossa classe tem esse poder! E já exercemos esse poder em muitos momentos históricos, em muitos cantos do planeta.

Mesmo nesse momento de tantas perdas o rentismo não conseguiu arrancar nossa Previdência como quer. O golpista Meireles declarou que as avaliações mais pessimistas eram de aprovação da Reforma da Previdência em 6 meses. Essa declaração foi dada na federação de bancos no dia 24 de junho de 2016 e até agora não foi aprovada. Essa é uma vitória da nossa classe e prova cabal do nosso poder.

Por isso vamos para as ruas! Vamos fazer nova greve geral! Não somente para defender a nossa Previdência! Mas para derrubar o ajuste fiscal e a Reforma Trabalhista!

Segundo: o momento das eleições de 2018 será certamente um momento de inflexão do golpe. A ditadura que se iniciou em 1964 teve esse momento de inflexão em 1968.

No início daquela ditadura ela recebeu apoio de muitos setores sociais e lideranças políticas. Figuras como Juscelino Kubitschek e Sobral Pinto acreditaram que os militares no poder eram um mal necessário por um período curto, em um momento seguinte percebem o erro. Ninguém sabe o resultado de um processo de exceção. Sobral Pinto era advogado e passa a defender presos políticos contra o Estado ditatorial. JK foi caçado pela ditadura e alguns acreditam que foi assassinado pelo regime.

Já em 1968 a resistência cresce muito, especialmente representada por estudantes, padres, intelectuais e algumas greves. Até então a tortura e o assassinato não eram uma tática regular. A partir do aumento da resistência é editado o Ato Institucional número 5. Todas as garantias individuais são cassadas. O Congresso é dissolvido e políticos democratas são presos. A ideia era matar a resistência quando ela ainda não estava massificada.

Podemos e devemos massificar a resistência a esse golpe e a eleição é ponto tático importante para isso.

Não será como disputar nenhuma das eleições anteriores desde 1988. Nem mesmo sabemos se disputaremos uma eleição, ou lutaremos para que eleições sejam realizadas, que haja voto universal e o presidencialismo.

Mas a população está vendo o que perdeu e vai prestar atenção e atuar na defesa das eleições que deram as políticas sociais. Será um momento para mostrar que foi um golpe contra a população, a soberania e os direitos, ampliar a mobilização social e a luta para setores democráticos.

Devemos tornar esse um momento de fortalecimento e politização das organizações. De criação e consolidação de novas lideranças e de defesa da maior delas: Lula.

Então devemos seguir Lula e fazer tudo que ele disser?

Não!!

Como toda grande liderança, considerar profundamente suas ideias e propostas será necessário. Ele acertou muito. Fez coisas tão impressionantes quanto tirar 40 milhões da fome e coordenar a execução de políticas que permitiram negros, indígenas e pobres aos milhões serem os primeiros de suas famílias a completarem cursos superiores.

Mas longe disso é simplesmente seguir. Lula erra! Já errou muito! Errou na arrogância de achar que controlava as grandes empresas de comunicação e não fazer a democratização da mídia. Errou ao não propor a politização dos trabalhadorxs e apostar todas as fichas da governabilidade em acordos com os exploradores e os políticos tradicionais. Errou particularmente em ceder e entregar uma reforma da Previdência.

Então apoiar Lula em defesa da classe trabalhadora não é tratá-lo como santo ou salvador e seguir seus mandamentos. É também definir um programa para esse apoio, que inclua uma governabilidade na base popular organizada, o enfrentamento ao rentismo e a revogação de todas as contrarreformas do golpe.

#LulaValeALuta

#SóALutaMudaAVida

#AbaixoADitadura

#DiretasporDireitos

#NenhumDiretoAMenos

#TireAMãoDaMinhaPrevidência

#GreveGeral

Elenira Vilela é professora e sindicalista.

 

 

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