Por Marcelo Luiz Zapelini, para Desacato. info.
Por volta das 9h horas, do dia 24, os primeiros fãs do ex-presidente Lula já se aglomeravam próximo palco em que se discursaria dali há quatro horas. No mesmo horário, grupos contrários se reuniam nas cercanias. Um deles faria um ato diante da ALESC e outro tentaria se precipitar contra os lulistas, durante a manhã.
Na Assembleia Legislativa, Lula realizaria uma reunião com reitores e diretores de instituições universitárias, onde seus críticos ensaiaram um escracho. Enquanto, no Largo da Catedral músicas tradicionais do PT e jingles de antigas campanhas do Lula animavam o público vindo de diversas cidades de Santa Catarina.
Um deles, vindo de Braço do Norte, o analista de sistemas Giovani Saibert, acredita a democracia está em risco porque a “intervenção militar no Rio de Janeiro mostra que o governo golpista fará de tudo para se perpetuar no poder” e é neste contexto que entra julgamento de Lula, que por não ter “provas é político e visa afastar Lula das eleições porque a elite brasileira não quer que ele volte a governar o País”.
De Florianópolis, Patrícia Rosa, professora de filosofia, compareceu porque vê nos ataques a Lula uma tentativa de furto da República. “Não dá para se apropriar de um país quando um líder popular continua na ativa. O povo tem que acordar e perceber que essa luta é por todos e não só por alguns”, disse.
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Neste momento, pessoas fantasiadas de verde e amarelo e camisetas pretas do pré-candidato Bolsonaro se avizinharam da catedral. “Lula na cadeia”, provocavam. Os dois grupos estavam separados por uma estreita rua e por pouco mais de dez policiais militares.
Não demoraria para que que alguns partidários de Lula tentassem responder com a mesma qualidade. A polícia precisou intervir e ocupou a rua. Quando a cavalaria chegou e o grupo de manifestantes já virara algumas centenas, os policiais decidiram afastá-los. Tiveram de recuar até Museu Cruz e Souza. Neste momento, ouviu-se inusitados protestos contra a PM, que foi acusada de comunista e de mudar de lado. A verdade é que eles permaneceram cercados pela cavalaria e a tropa de choque todo o tempo.
“Está um clima muito louco. É como se fosse uma Novembrada ao contrário (manifestação contra a ditadura acontecida no mesmo local, nos anos 1980, quando da visita do general-presidente Figueiredo). É um tanto estranho esse contexto todo, está interessantíssimo. Me lembra o clima do futebol. Acho que vai ser sem quebra-quebra hoje”, disse Hélio Hodak jr. Servidor da UFSC. Não houve quebradeira, mas pessoas vestidas de vermelho foram atacadas pelos manifestantes.
Quando os manifestantes, mesmo que cercados a distância pela PM, conseguiram impor o grito “Lula Ladrão” em um breve silêncio das caixas de som, os conseguiram captura-los respondendo “Lula ladrão roubou, meu coração”. Assassino, corrupto, cachaceiro e comunista foram algumas das acusações que surgiram sempre abafadas pela multidão em maior número.
Quando Lula já discursava, a professora Juliane Palevo e o seu marido, também professor, tiveram a bandeira do PT surripiada e receberam socos e pontapés. Eles atravessavam, na retaguarda dos anti-Lula, quando partidários do Bolsonaro os cercaram depois de uma rápida discussão. O conflito só parou depois que a PM os separou. Mesmo assim, um homem de idade avançada ainda teve tempo de roubar o chinelo do professor para jogá-lo em uma lixeira. “Ele merece, é um petista vagabundo”, disse.
“Eu sou professora”, gritou indignada a vítima, “estamos aqui por causa deles, para eles comerem melhor, para eles andarem com um carro melhor e é isso que a gente recebe deles”, lamentou
Mais cedo, partidários e contrários a Lula jogaram, uns nos outros, frutas caídas das árvores da praça e garrafas de água mineral, vendidas por cinco reais pelos ambulantes. Um canteiro de grama de 10 metros de largura que os separava, policiais e pacificadores evitaram o agravo da situação. Um policial pedia calma a quem estava no entorno: “fica complicado essa confusão toda, 25 anos de serviço e nenhuma refeição até agora”. Durante todo o ato, os policiais receberam apenas copinhos de água.
Ao largo de tudo isso, Lula animava sua plateia. “As vezes tenho vontade de eu mesmo me prender, para ver se a Globo fica satisfeita”, ironizou o líder, que emendou: “o que eles não sabem é que Lula não é esse ser humano de carne e osso aqui. Esse aqui é apenas uma representação, o Lula são milhões e milhões de brasileiros”. Foi ao delírio, a multidão.
Eles também deliraram quando Lula afirmou que lugar de mulher é onde ela quiser e que a “profissão da mulher é uma coisa sagrada” porque “se a mulher tiver uma formação profissional e o sacana do companheiro ficar ameaçando, ela pode dizer: tchau. E se ele continuar a encher o saco, lei Maria da Penha nele”.
Lula prometeu seguir com a reforma agrária, a demarcação de terras quilombolas e também reaproximar o Brasil da África e da América Latina e de tornar, novamente, o Brasil um país protagonista internacional respeitado pelo primeiro mundo, em particular os EUA.
Na despedida, brincou que o cara mais esperto do mundo foi o catarinense que demarcou o território de Santa Catarina, pois deixou duas praias ótimas para o RS e PR nas divisas dos estados, “mas para vocês quase todo o oceano atlântico”.
No início da tarde, Lula partiu com sua comitiva para o oeste de Santa Catarina, para atos hoje a noite em Chapecó e amanhã em São Miguel do Oeste. O povo rapidamente dispersou-se. A polícia voltou para os quartéis. Os ambulantes verificavam o estoque. O comício em Florianópolis ficou no passado, mas o futuro da República está ainda em um obscuro futuro incerto.