Lula está reagindo como nas crises de 2005-2006. Entrevista exclusiva com Carlos Tibúrcio

"Cabe ao governo comunicar de forma correta e eficaz as suas realizações e responder com presteza e clareza às distorções. Ou seja, não podemos esperar que a mídia corporativa cumpra esse papel." C.T.

Redação.

Arte de capa: Tali Feld Gleiser

O assunto comunicação e mídias ainda não está resolvido pelo governo do presidente Lula. Há dificuldades constantes de escolher a narrativa e o formato mais adequado para conversar com a população. Nas vésperas de 2026 não é um tema pequeno e precisa de resolução. Por seu lado, a mídia hegemônica começa a cumprir seu papel para inocular o eleitorado com suas prioridades e imposições.

O Banco Central e o COPOM não parecem ser os parceiros mais adequados para os desafios presentes e futuros do governo num país amarrado à mazela da Dívida Pública. Nesse cenário, a mídia alternativa que não é “chapa branca”, mas é do campo popular e de esquerda, se digladia com graves problemas estruturais que limitam suas ações e alcance, mesmo na hora de expor algumas conquistas populares ocorridas durante o atual mandato.

Como se resolvem esses dramas comunicacionais, quais são os direcionamentos que o governo Lula assinala em favor das maiorias do país e como começa a batalha eleitoral na mídia, são alguns dos temas abordados no diálogo entre o jornalista, Raul Fitipaldi, e o ex-Coordenador da Equipe de Discursos dos Presidentes Lula e Dilma, jornalista Carlos Tibúrcio. 

A seguir a versão escrita desse diálogo: 

A mídia corporativa

R.F. Com uma manchete muito destacada, a Folha de São Paulo, parece dizer que 8 agências “amigas” levam todo o dinheiro de comunicação do governo (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/03/cinco-agencias-concentram-quase-80-da-verba-de-publicidade-do-governo-lula.shtml). No corpo da matéria vêm os esclarecimentos, que não condizem com o espírito da manchete que fica gravada na leitura rápida do público. Isso forma parte da campanha para não dar visibilidade às conquistas do atual governo e dizer que se gasta em publicidade e não nas urgências da população?

Imagem: Pragmatismo Político

C.T. A mídia corporativa tem seus intereses próprios – especialmente no que se refere às verbas publicitárias dos governos – e seus objetivos políticos e ideológicos de classe, das classes dominantes, é claro, como sabemos. Por isso mesmo, devemos sempre denunciar as distorções das notícias, a desinformação e as fake news, cobrando isenção nas notícias, reportagens e respeito aos fatos.

Quanto à reportagem citada, ela tem o mérito, no meu entender, de divulgar dados sobre a distribuição das verbas publicitárias oficiais que quase sempre são desconhecidos pelo público em geral. Fora isso, a linha editorial é sempre a de levantar suspeitas sobre as ações do governo Lula, visando a desacreditá-lo. Cabe ao governo comunicar de forma correta e eficaz as suas realizações e responder com presteza e clareza às distorções. Ou seja, não podemos esperar que a mídia corporativa cumpra esse papel.

2026

R.F. Com a isenção do Imposto de Renda a mídia parece ter se perdido no início. Quando reagiu começou a pedir mais isenções como narrativa de insatisfação frente ao sucesso do governo. Por momentos parece que pretendem mantê-lo contra a parede e iniciar a campanha eleitoral 2026. É assim? 

C.T. Essa isenção do imposto de renda é uma medida corajosa, além de compromisso de campanha, que beneficia mais de 15 milhões de trabalhadores e suas famílias. E aponta um rumo histórico, que é o de enfrentar de fato a desigualdade cruel no nosso país.

A verdade é que o presidente Lula já sinalizou que está direcionando o governo para atender direta e prioritariamente aos intereses da grande maioria do povo. Está riscando o chão e deixando claro quais os limites das negociações político-institucionais e dos compromissos do governo com o povo e os destinos do Brasil. Mutatis mutandis, porque o mundo mudou e o Brasil também, o presidente Lula está reagindo como o fez na grave conjuntura de 2005-2006, a maior crise política dos dois primeiros mandatos, quando setores conservadores reacionários fizeram a primeira tentativa de derrubá-lo, utilizando lawfare com o chamado “Mensalão”. O resultado nós vimos na vitória da reeleição dele em 2006.

Não vai ser fácil, mas me parece que é o rumo das batalhas nestes menos de dois anos que temos pela frente no terceiro mandato.

A comunicação do governo Lula

R.F. Por qual razão você acha que o governo não quer usar a prerrogativa das redes nacionais para se comunicar com a população como fazem outros governos; Claudia Sheinbaum, por exemplo?

C.T. Isso pode – e talvez deva – mudar. Algo deve ser aproveitado das experiências do ex-presidente Obrador e da atual presidenta Claudia Sheimbaum do México. Mas sabemos que a limitada democracia brasileira tem a tradição de não utilizar as redes nacionais obrigatórias de radio e TV como meio de comunicação ampla, regular e periódica com a sociedade. O próprio presidente Lula tem seguido essa “tradição”, desde o primeiro mandato, e preferido utilizar as redes obrigatórias com comedimento e em ocasiões especiais. É claro que essa “tradição” é uma conquista política da mídia corporativa, que considera as redes obrigatórias oficiais um sistema que se choca e contraria os seus interesses.

Um caminho que me parece essencial pra superar essa limitação – sem prejuizo da maior utilização das redes obrigatórias, sempre que necessário – é o do fortalecimento pra valer da comunicação pública, da EBC e de todo o sistema público. Estive, por exemplo, no domingo passado em Salvador para compromissos da nossa plataforma de streaming Fatoflix e fiquei muito feliz em ver praticamente todas as TVs ligadas na TV Educativa da Bahia que transmite há vários anos o campeonato baiano de futebol. Era o primeiro jogo decisório, o famoso BaVi, Bahia x Vitória. A partida final será neste domingo. Isso significa audiência na veia da rede pública de TV do Estado.

Inflação

R.F. O mercado financeiro, através do COPOM e o Banco Central, e dos interesses da indústria e do agronegócio, prejudicam a imagem do governo dinamizando um sistema inflacionário que atinge a cesta básica da população de forma grave, e o governo parece não reagir como deveria, apesar de algumas declarações breves do presidente Lula. Que deveria fazer o governo segundo sua experiência?

Foto: Reunião do COPOM – Raphael Ribeiro/ Agência Brasil – Banco Central

C.T. A questão da inflação, mesmo controlada, estar em patamares altos é algo mais complexo e não atinge apenas o Brasil. Não sou economista, mas procuro acompanhar o problema, ouvindo os professores Luiz Gonzaga Belluzzo e Ladislau Dowbor, por exemplo. A crise continuada do capitalismo após a quebra de 2008, as consequências da pandemia e a crescente hegemonia do capital financeiro – sem falar das medidas recentes de Trump -, tudo isso tem contribuido pra agravar a situação a curto e medio prazos. Mas o governo Lula tem feito uma gestão econômica segura, dentro das circunstâncias, e já tomou medidas pra enfrentar os preços altos dos alimentos. Acredito que esse aumento de mais 1% na taxa Selic, apesar de absurdo, deve significar o último dessa linha de aumentos e o começo de fato da gestão Galípolo no Banco Central. Se aliarmos isso à sinalizada prioridade do presidente Lula para os compromissos populares, seguramente vamos ter melhores condições de luta e de comunicação daqui pra frente. Vamos ver.

Mídia não hegemônica

R.F. Por que o governo não aposta seriamente na mídia alternativa e continua entregando bilhões à mesma mídia que será sempre sua inimiga eleitoral? É por temor ao TCU, à maioria do Congresso? Qual é o medo de avançar na proteção e estimulação de outra forma de mídia, além da narrativa de controle, correta, segundo apreciamos, e de regulamentação, das redes sociais estrangeiras?

C.T. Desde o primeiro mandato do presidente Lula, em 2003, que o nosso grupo informal de comunicação, na época contando com Bernardo Kucinski e Claudio Cerri, entre outros, vem propondo políticas públicas de incentivo às mídias independentes. Levantamos na ocasião, por exemplo, políticas do Estado francês que bancavam por dois anos, a fundo perdido, projetos iniciantes de comunicação, independentemente da linha editorial. Até hoje não há ainda nada parecido no Brasil. O Ministério da Cultura avançou na gestão Gilberto Gil-Juca Ferreira quando criou os Pontos de Cultura, alguns dedicados à comunicação. O secretário de Cultura na época era o Célio Turino, que hoje está com Luiza Erundina no projeto Sementes da Esperança. Mas é preciso, antes tarde do que nunca, criar essas políticas públicas na área da comunicação, que ajudem a viabilizar a democratização da comunicação e fortalecer os pequenos e médios veículos independentes.

Sobre a sua pergunta especificamente, a verdade é que a mídia mudou muito nos últimos anos e já temos alguns veículos e grupos que eram “alternativos” que cresceram, ganharam maior audiência e já recebem alguma verba publicitária governamental e empresarial que os tem impulsionado. São poucos, praticamente exceções. O problema são as centenas e mesmo milhares de pequenos e médios veículos independentes, muitos de territórios periféricos, que estão e continuam ao “Deus dará”.

Pra “quebrar o galho”, digamos assim, enquanto continuamos lutando cada vez mais pela democratização da comunicação – tendo à frente o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e outras entidades -, desenvolvemos um projeto de apoio a pelo menos 15 a 20 veículos pequenos e médios independentes, em nível nacional, que vem funcionando desde o segundo semestre de 2023. Esse projeto conta com a participação de empresas de comunicação parceiras, é coordenado pelo Fórum 21 e pode e deve ser fortalecido e ampliado.

Tudo isso sem falar nas redes sociais, no domínio praticamente absoluto das Bigh Techs e no desafio urgente e incontornável de regulá-las.

Carlos Tibúrcio é diretor da Fatoflix, editor do Fórum 21, co-fundador do Fórum Social Mundial e membro do seu Conselho Internacional e da Coordenação do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, ex-Coordenador da Equipe de Discursos dos Presidentes Lula e Dilma.

Raul Fitipaldi, é jornalista e apresentador, cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.

 

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