Com sinais emitidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus aliados, o governo federal aproveitou a curta semana de feriado de Corpus Christi para reposicionar a abordagem junto ao Parlamento. Lula se aproximou da articulação política e se movimenta para angariar apoios através das primeiras trocas ministeriais do atual mandato, que devem ser anunciadas nos próximos dias.
Se já havia indícios de que o Congresso Nacional não permitiria vida fácil ao governo petista, todo o nó ficou mais evidente no dia 31 de maio. A poucas horas do fim da validade, finalmente a Câmara dos Deputados aprovaria a Medida Provisória que reorganizou a administração federal com um total de 37 ministérios.
A decisão era considerada simples e elementar, mas se tornou uma vitória de gosto amargo pelas concessões feitas, considerando a desidratação de alguns ministérios-chave e a liberação de R$1,7 bilhão em emendas parlamentares no dia anterior. Encorajados pela numerosa Frente Parlamentar da Agropecuária, os opositores também abriram verdadeiras trincheiras para se contrapor aos projetos de preservação do meio ambiente e aos direitos dos povos originários.
À imprensa, a oposição alega haver “problemas de articulação política” e não escondem o descontentamento com as atuações dos ministros Alexandre Padilha [Relações Institucionais] e Rui Costa [Casa Civil]. Para políticos governistas, a intenção é forçar uma chamada “política de varejo”, ao gosto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), buscando negociar a aprovação de projetos votação por votação, inclusive com liberações de emendas parlamentares.
Espera-se que uma troca de ministros, acatando sugestões de alguns líderes, surta efeitos positivos para a consolidação de uma maioria permanente, ao menos, para as votações mais cruciais ao governo em temas como economia e políticas sociais. Porém, para a socióloga Joyce Luz, professora na Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo, o problema reside na atual conjuntura pós-Bolsonaro.
“Se a gente considerasse o PSD (Partido Social Democrata) e o União Brasil fazem parte da coalizão, porque cada um tem 3 ministérios, a base seria sólida. Acontece que o PSD e o União Brasil, mesmo assim se declararam independentes, falaram que não iriam votar com o governo necessariamente só porque tinham cargos. Aí veio a negociação de recursos, porque a gente veria um congresso que passou os últimos 4 anos negociando pautas votação a votação e se acostumou a receber recursos em troca”, aponta.
O mesmo fenômeno é apontado pelo deputado federal Túlio Gadêlha (Rede Sustentabilidade-PE), que destaca o caráter bem mais propositivo do atual poder Executivo. “O vácuo político deixado pelo governo Bolsonaro deixou que o centrão conseguisse impor o orçamento secreto, quase R$ 20 bilhões por ano em emendas RP9. E toda essa frouxidão por ausência de políticas públicas, ela não existe nesse governo”, afirma.
O deputado listou alguns programas sociais no horizonte que exigem atenção e orçamento, como o Minha Casa Minha Vida, a expansão das universidades com aumento do número de bolsistas e o Bolsa Família que passa a receber mais de 50 reais por criança. “Por isso, parece que o Congresso vai estar sempre insatisfeito, porque não existiu um processo de ‘desmame’ das emendas RP9. Mas essa é uma reflexão que a gente busca fazer com o presidente Lula, não para colocar orçamento para parlamentares, mas para construir um diálogo mais próximo com essa base que nós acreditamos que pode ser um núcleo duro para aprovação de projetos”, defende.
‘Semiparlamentarismo’ herdado e difícil de reverter
As RP9 são as chamadas emendas de relator, mais conhecidas como “orçamento secreto”, usadas sem qualquer controle pelos deputados no repasse de dinheiro público aos seus redutos eleitorais. O dispositivo, que foi normalizado e expandido no governo passado, sob a arquitetura de Lira, foi vetado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em dezembro de 2022 por considerá-lo inconstitucional e pouco transparente.
Esse montante de quase R$ 20 bilhões anuais provenientes da União continuou chegando aos mesmos destinatários por duas novas modalidades. Uma delas foi a de emendas individuais, que compartilhou R$ 9,8 bi de forma igualitária entre todos os congressistas, e que pressupõe maior transparência quanto à destinação de recursos.
Outra parte, porém, passou a avançar de forma menos controlada através de outra rubrica, a RP2, usada na destinação de verbas dos ministérios e que também não prima pela transparência. Questionado pela imprensa sobre o assunto no Palácio do Planalto, no dia 5, o senador Jaques Wagner (PT-BA) enxerga uma ameaça ao próprio sistema político vigente.
“Se for por aí a gente não tem limite. Se é porque está fazendo falta, então qual é o teto? Aí é melhor ter a coragem de partir para o parlamentarismo. Não estou dizendo que está certo ou errado. Mas se é para o Congresso administrar toda a capacidade de investimento do Estado, então tem que ser um governo do Parlamento, e não é o caso no presidencialismo… quando se faz uma coisa tem que se fazer completa”, ironizou.
Para tentar estabelecer um clima mais harmonioso com o poder responsável pela legislação do país, Lula tem assumido uma relação mais próxima com os líderes de partidos e chegou a se reunir com Lira no dia 5. Responsável por definir o ritmo de pautas que entram na Casa, o deputado alagoano será o termômetro para a eficiência de um aguardado redesenho ministerial.
É possível que, nos próximos dias, a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, dois ministros ligados ao União Brasil, sejam substituídos por outros nomes exigidos para uma adesão mais efetiva do partido ao governo.
Correligionários de Lula, assim como Wagner, não negam a possibilidade de trocas motivadas por “desempenho ou ruptura política”. “Ninguém que é ministro é apenas técnico, todo mundo é técnico e político. Então, o desempenho ocorre em duas acepções: o primeiro é entregar o que a pasta demanda e o segundo é entregar uma relação política”, disse o ex-governador da Bahia.
Para Joyce Luz, há de se considerar a consolidação da influência de outros nomes do União Brasil, como o do senador Davi Alcolumbre (PA) e o deputado Elmar Nascimento (BA), caso nomes ligados a eles assumam ministérios. “Precisa ver se essas mudanças vão agradar o Arthur Lira, né? Se não agradarem, aí complica um pouco para o lado dele, porque foi ele mesmo que que parou toda a pauta do Congresso, impôs as derrotas para o governo. Se agora ele não aceitar esse diálogo, as propostas que o Lula vai fazer para a Câmara, sobretudo, será complicado para ele manter seu projeto de seguir votação a votação”, diz.
Agenda ambiental não pode ser moeda de troca
Outra importante frente de batalha para o governo petista é a do agronegócio, importante setor da economia dominado pela oposição. No dia 6, Lula participou da abertura da Bahia Farm Show, uma das maiores feiras do setor, e pregou a conciliação entre pequenos e grandes agricultores.
O presidente tenta apagar o fogo criado pela ala mais conservadora do agro, que tem imposto derrotas sucessivas e simbólicas, como por exemplo a aprovação relâmpago do PL 490, que admite a tese do Marco Temporal. Porém, outras derrotas têm maior potencial de tumultuar a coalizão mais à esquerda do governo, como a retirada de algumas atribuições caras aos ministérios do Meio Ambiente, de Marina Silva, e dos Povos Indígenas, de Sônia Guajajara.
Para Gadêlha, algumas acomodações serão feitas facilmente graças à boa relação mantida com os responsáveis para onde a demarcação de terras indígenas foi destinada, por exemplo, que no caso é o ministro Flávio Dino. Ele também vislumbra saídas para um diálogo mais produtivo junto aos ruralistas.
“O presidente tem sinalizado, tem participado de eventos, tem tentado construir um diálogo com essa bancada, mas a gente sabe quais são as pautas deles e o quanto eles agridem o meio ambiente. Só que existe um núcleo pensante do agro, que é esse que a gente quer dialogar e empoderar dentro do parlamento, que é o núcleo que vê o meio ambiente e todos os ecossistemas como fundamentais para que a gente possa continuar com a atividade agro de uma forma consciente”, informa.
Já a cientista política vê certa semelhança na encruzilhada que Lula se meteu com Marina Silva durante o seu segundo mandato e que continua sendo o seu calcanhar de Aquiles junto a correntes diferentes dentro da esquerda e centro esquerda.
“O agronegócio tem um peso fundamental na economia e vai fazer pressão para conseguir aprovar as pautas que são do seu interesse. Ao mesmo tempo, a gente sabe que o Lula tem, já foi motivo de ruídos, o Lula tem duas ministras que são muito duras frente às pautas de preservação do meio ambiente e do próprio agronegócio. Esse pra mim é o dilema mais difícil de resolver, porque o Lula não vai conseguir governar sem o agronegócio”, encerra.
Edição: Thalita Pires