Por Michel Croz.
I
Claro que não há inocentes, não há verdades absolutas… claro que Lula representa certos interesses. Para além da figura humana e pessoal, ele é um sinal claro dos interesses das classes populares, dos miseráveis e daqueles de nós que acreditam num outro mundo possível.
Agora para além das razões, ouso dizer que não se trata de convencer ninguém, todos têm em parte razão, e certamente nenhum de nós tem toda a razão. Talvez nenhum de nós tenha a verdade, entre outras coisas porque nos falta informação, dados e tempo histórico para nos dizer se estamos certos, se estamos sendo justos com o nosso tempo, neste tempo pelo qual estamos vivendo (e que é, portanto, vivido como um tempo parcial e apaixonado).
Em todo o caso, eu fico do lado da poesia, com Lula e a esquerda. Mas principalmente pela poesia (talvez porque representa a mais clara de qualquer época histórica, política, social) não por qualquer forma de poesia (não estou interessado em poesia neutra), e por esta poético-política de tomar “partido até manchar” (“La poesía es un arma cargada de futuro” de Gabriel Celaya): “Porque vivimos a golpes, porque apenas si nos dejan / decir que somos quien somos / nuestros cantares no pueden ser sin sin sin sin un adorno / Estamos tocando el fondo” (Porque vivemos por golpes, porque mal nos deixam / dizem que somos quem somos / as nossas canções não podem ser sem pecado um ornamento / Estamos a tocar o fundo).
II
E com a LUC? Com os 135 artigos do referendo? O quê? Devo dizer que tenho o meu voto pronto, quase envolto. Não tenho dúvidas. Mas não vou escrever sobre os argumentos de um ou do outro lado. Das suas razões e das suas desproposições (mais das últimas do que das primeiras) deixo-as para os políticos e militantes profissionais. Forneço um comunicado lúcido do CDC da UDELAR – Universidade da República – em 2020, no qual aponta as críticas a alguns artigos da LUC:
“O Conselho Directivo Central (CDC) da Universidade da República emitiu nos últimos dias uma declaração analisando vários aspectos do projecto de lei de consideração urgente” (…) LUC.
A declaração explica que é um “mandato constitucional” da Udelar gerar contributos para o “entendimento público” de questões relevantes a nível nacional, pelo que faz uma avaliação de algumas disposições da LUC em várias áreas.
Em primeiro lugar, a Udelar afirma que o mecanismo de consideração urgente da lei é “inadequado para o tratamento de um conjunto complexo e variado de questões” e diz que a sociedade “tem sido confrontada com a dificuldade de se pronunciar” sobre as questões devido aos “prazos e prazos extremamente curtos”.
No que diz respeito à secção Educação do projecto de lei, o CDC diz que todo o artigo deve ser “subtraído”, ou seja, separado da LUC e do seu tratamento “sem as limitações de participação democrática que a natureza urgente da sua consideração lhe impõe”.
Quanto a propostas específicas, o comunicado reafirma a expressão do seu reitor Rodrigo Arim perante a Comissão Especial do Senado, que falou da necessidade de “promover a constituição de um Sistema Nacional de Educação Pública, que assegure mecanismos de coordenação entre o Ministério da Educação e Cultura e as entidades autónomas da educação”.
Em relação ao Plano Nacional de Política de Educação, Udelar reafirmou “a necessidade de incluir o maior número de actores como parte da discussão sobre o futuro da educação”, e propõe que a redacção dos artigos 145º e 152º seja modificada para que o Plano de Política de Educação seja elaborado “pelos respectivos organismos estatais autónomos de educação e não centralmente a partir do MEC”.
Udelar considera os artigos referentes à segurança dos cidadãos “preocupantes”, “uma vez que são geralmente regressivos em termos de direitos humanos e violam a actual legislação nacional, normas internacionais e directrizes doutrinais, bem como as recomendações de investigadores e académicos na matéria”.
“As propostas corroem as garantias do Estado de direito, que têm uma longa tradição no país, e encorajam a reprodução da violência estatal e institucional, dando ampla discrição às agências de controlo social sem reforçar os mecanismos institucionais para a impedir”, diz o documento do CDC, e afirma que as novas disposições poderiam intensificar “a superlotação das prisões ou o transbordamento de procuradores”.
As leis propostas sobre drogas “negligenciam as preocupações de saúde pública em favor de medidas punitivas simbólicas e repressivas”, diz o documento.
Mais adiante, o documento salienta que as normas que modificam a Lei de Processo Policial e o Código de Processo Penal “apresentam riscos para as liberdades republicanas ao alargarem os poderes da polícia e ao flexibilizarem os controlos a que esta deve submeter-se, bem como ao permitirem que os polícias e militares reformados transportem armas e ao permitirem que estes últimos intervenham no trabalho policial”.
Udelar considera “particularmente preocupante” que o controlo de identidade que pode ser efectuado pela polícia possa ser efectuado em qualquer caso: “Se a pessoa não tiver um documento de identidade, a polícia será autorizada a levá-la às suas instalações. Ao abrir a porta a detenções arbitrárias, esta emenda mina as garantias dos cidadãos e expõe sobretudo as pessoas que fazem uso do espaço público, tais como pessoas da rua, jovens, pessoas que protestam nas vias públicas, e os próprios agentes da polícia, uma vez que a utilização deste instrumento pode minar a confiança na instituição policial e pôr em risco a coexistência”.
Finalmente, dizem também que “a restrição do direito à greve é inadmissível, pois tenta regular o exercício de um direito fundamental através de um mecanismo excepcional utilizado em situações de emergência” (…).
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