Por Manoela de Borba, de Buenos Aires.
“O povo não ficará sem Lula”, “condenação aos golpistas e liberdade para o Brasil”, “Lula expressa a esperança para o Brasil”, foram algumas das palavras de ordem difundidas por movimentos sociais e partidos políticos na Argentina após a condenação de Lula a nove anos e seis meses de prisão. No dia seguinte à sentença de Moro, Lula estampava a capa dos principais jornais argentinos e era pauta no metrô, no café da esquina e até no mercado chino. Enquanto alguns comparavam o ex-presidente com a “também injustiçada e vítima de perseguição política” Cristina Kirchner, outros reclamavam por “um Moro argentino” e por “uma justiça que não seja impune”.
Na quinta-feira, 13, na capa dos jornais Clarín, La Nación e Ámbito Financiero, Lula figurava como o político de maior expressão no Brasil que é condenado por corrupção e está ameaçado de voltar ao poder em 2018. Em um primeiro vistazo e para um leitor comum, há relativo equilíbrio na construção dos relatos, apesar das convicções políticas e ideológicas que esses jornais representam.
Em três páginas de reportagem, o conservador La Nación foi o que tratou de aprofundar os recentes fatos políticos, apresentando uma linha do tempo com os prazos judiciais e eleitorais, a apuração de um e outro dado da sentença judicial, uma breve avaliação do impacto da condenação de Lula no Kirchnerismo e contou com a já conhecida opinião de Ricardo Noblat e uma análise do correspondente do La Nación no Brasil, Alberto Armendáriz. Este, a partir de relatos de professores da UNB e da USP – ambos com citações precisas e até condizentes à realidade brasileira, construiu uma narrativa para aquilo que chama de “crise sistemática”, fez um resumo do envolvimento dos principais partidos e líderes políticos na corrupção e colocou Marina Silva e Ciro Gomes como aqueles que “talvez tenham margem para ganhar as eleições se Lula ficar inelegível”. Em um ato no mínimo herege, o correspondente argentino termina sua análise com uma citação do marxista Gramsci. Nos jornalões do Brasil, penso eu, a ousadia dos analistas políticos é buscar respaldo e erudição em uma cita de Olavo de Carvalho, a expressão do conservadorismo brasileiro.
Já o diário Ámbito Financiero, especializado em economia e dirigido ao setor empresarial, referiu-se a Moro como o “juiz anticorrupção”, dirigiu a análise à classe empresarial, “que parece preocupada apenas com a aprovação das reformas”, e questionou a legitimidade de Temer e dos deputados para seguir com as contrarreformas. Com material produzido pelas agências EFE e AFP, a edição trouxe ainda uma biografia de Lula e de Moro e não deixou escapar o viés político do julgamento e a estrela política em que se transformou o juiz de Curitiba.
Enquanto isso, no editorial do Clarín, jornal do maior conglomerado de mídia da Argentina, o editor reforça que além das fronteiras geográficas, também separam os dois países o limite que o Brasil coloca para a corrupção. Tal como fazia à época em que Dilma e Cristina eram as presidentas, o Clarín aproveita os ajustes de Temer e agora as sentenças da justiça brasileira para mostrar o quanto eles, os argentinos, caminham a passos lentos em algumas medidas.
Para os que não acompanham de perto a crise brasileira e a condução da operação Lava Jato e das sentenças proferidas por Moro, o La Nación pode parecer convidativo. Isso porque a técnica jornalística – da redação do texto à diagramação das páginas, leva o leitor a acreditar que há fidelidade na construção do relato e que a notícia é desprovida de interesses e de interpretações sem apuração.
Golpe midiático-jurídico
O Página|12, jornal progressista e especialmente dedicado à causa dos direitos humanos, fez uma cobertura propagandística em defesa do ex-presidente. Acusando o golpe midiático-jurídico na capa e com a opinião de analistas políticos e articulistas, entre eles Dilma Rousseff e Eric Nepomuceno, o jornal dá nome aos golpistas e não deixa margem para ambiguidade. Em tempos de jornalismo de campanha – que no Brasil assume caráter vexatório, o Página|12 é um jornal necessário nessa contraofensiva mediática. Na edição desta sexta-feira, 14, por exemplo, enquanto o La Nación estampa na tapa que a expulsão dos trabalhadores demitidos em massa pelo fechamento da multinacional PepsiCo Argentina “deixou 15 policiais feridos”, o Pagina|12 mostra a repressão aos trabalhadores e seus possíveis desdobramentos no sindicalismo argentino. É a outra versão do fato e, ainda que também cristalizado por ideologia, expressa os interesses da classe trabalhadora e daqueles que não têm voz na ofensiva burguesa.
Neste embate ideológico em que a “grande” imprensa fragmenta o debate, dispensa provas e furta-se à análise crítica, é de lamentar que não se tenha no Brasil um jornal como Página|12.
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Fonte: Manoelita comparte.