Lula, a farsa de Getúlio Vargas

São Paulo 04/04/2016-  Ex-Presidente Lula, durante entrevista a imprensa na sede do PT Nacional. Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
São Paulo 04/04/2016- Ex-Presidente Lula, durante entrevista a imprensa na sede do PT Nacional. Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

Por João Gabriel Almeida, para Desacato.info.

Um dos grandes encontros que tive nesta minha fase da vida foi com um desmobilizado da guerrilha EPL e ex-constituinte colombiano. Uma de suas lições  foi que muitos daqueles que lutavam “por justiça social” tinham na verdade inveja da burguesia e só queriam seu lugar. Escutar o discurso do Lula do dia 4 foi ressoar esta frase na minha cabeça durante 31 minutos. Mais uma vez na história a nossa elite, que sempre por medo de uma revolução delegou mudanças sociais a terceiros, na perspectiva de poder conduzir o país diretamente ataca àqueles que serviram como uma atenuação dos conflitos sociais. D. Pedro I foi o primeiro, servindo para que a elite nacional pudesse fazer uma independência sem povo.

Vivemos desde então a repetição do teatro. A elite covarde se retrai e negocia seus interesses com um terceirizado, até que se sente com condições de um golpe. Getúlio também foi isso. A burguesia cafeeira, sem legitimidade devido a crise de 29, aceita, depois de uma tentativa de contrarrevolução, um líder modernizador até sentir que estava fortalecida novamente, muito graças ao próprio Getúlio, para garantir seus interesses de maneira mais direta.

A questão é que Getúlio, como um momento ímpar da história, reconheceu este mecanismo e com sua própria vida o denunciou, esclarecendo através da carta testamento que “Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre”. Quando o velho Brizola dizia que tínhamos que retomar o fio da história, significava aprender através da tragédia que matou Getúlio Vargas que a burguesia brasileira também era inimiga do povo e ia nos trair.

Esta memória que a ditadura militar atrelada à sociologia uspiana nos fez esquecer. Não à toa o receio do lutador da legalidade, chamando o PT de esquerda que a direita gosta. Uma esquerda que comprou a memória seletiva da história brasileira. Quando mais uma vez a elite se sentiu enfraquecida, dessa vez pelos desmandos de seu projeto neoliberal, Lula ganha como um falso Getúlio, sujando as mãos de petróleo, mas dessa vez o vendendo e não nacionalizando. A caricatura seguiu até o mesmo fim.

Ambos se viram  reféns de um escândalo midiático. Só que, ao invés da coragem histórica de Vargas, a farsa lulista faz deste evento a revelação de sua essência. Ao invés do nacionalismo que convoca a proteção dos bens nacionais, um nacionalismo consumista, cujo orgulho foi promover um retirante ao “Bill Clinton dos trópicos”, recebendo U$ 200.000 para falar como administrar o lucro da soja, digo, “como fazer o milagre brasileiro”. Ao invés de chamar o povo para deixar de ser escravo, conclama-nos a ser escravo de sua imagem e seus erros, pedindo pela primeira vez em 13 anos para ir às ruas, só que em nome de seu símbolo, de sua imagem. Ao invés de querer que seu nome fosse o lema da libertação, se assume como o nome da ilusão capitalista de que qualquer pobre, por mérito, pode ascender. É a hora de escolher. Claro, a elite usa métodos grotescos pra conseguir o que quer. Mas se vamos reagir a isso lembrando a farsa ou a tragédia é nossa escolha.

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