Foto: FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
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O ex-ministro da Saúde brasileiro, Luiz Henrique Mandetta, não poupa críticas à gestão de crise do presidente Jair Bolsonaro. Demitido durante a pandemia do coronavírus, Mandetta afirma que a gestão de Bolsonaro choca o mundo por manter o discurso da economia em detrimento às vidas e pela “falta de respeito às vítimas”. Em entrevista à televisão francesa France24, o médico disse que o Ministério da Saúde está “sob ocupação militar”.
Fanny Lothaire, correspondente da France24 em São Paulo
Com mais de 50 mil vítimas da Covid-19, o Brasil chama a atenção do mundo por não ter adotado a política de confinamento e manter a população nas ruas com o vírus circulando.
Mandetta estava à frente do ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro quando a pandemia começou a fechar os países da Europa. Naquele momento, enquanto o ministério da Saúde dava recomendações de isolamento social para a redução do contágio, o presidente brasileiro seguia dizendo que a doença não era grave e estimulava a população a sair para trabalhar.
“O presidente da República claramente optou por dar mais importância para o aspecto econômico que para o aspecto de saúde. Ele caiu em um falso dilema, como se essas coisas pudessem ser tratadas em separado, quando elas estão juntas,” disse Mandetta.
Em 16 de abril de 2020, o médico foi demitido por Bolsonaro. Seu substituto, o também médico de Nelson Teich, ficou no cargo por menos de um mês. Desde 15 de maio, o Brasil não tem um ministro da Saúde, e a pasta é comandada pelo interino general Eduardo Pazuello.
Para Mandetta, não existe mais um ministério da Saúde. O médico considera que a pasta está sob tutela militar e não segue nenhuma orientação de saúde.
“Nós, que somos oriundos da saúde, trabalhamos sobre três pilares: proteção incondicional à vida, proteção ao nosso sistema de saúde, o SUS, e uma defesa intransigente da ciência como método principal de tomada de decisões. Lá no Ministério da Saúde tiraram os técnicos de segundo e terceiro escalão, e colocaram no lugar militares seguindo uma norma militar. Nós não temos hoje um Ministério da Saúde, temos uma ocupação militar do Ministério da Saúde.”
Política em detrimento da ciência
Na entrevista, o médico avaliou como um falso dilema o discurso de ter de optar pela saúde ou pela economia.
“Não existe isso de sair forte de uma epidemia. Na história da humanindade, isso não é possível. Se tivéssemos optado pelo cuidado, nossa recuperação econômica seria muito mais precoce, como é demonstrado por qualquer análise econômica que é feita de qualquer tipo de epidemia. É uma questão muito mais pensando em 2022, quando acontecem as eleições.”
O ex-deputado considera que as decisões de Bolsonaro foram tomadas por motivações políticas: “É uma forma de se retirar desse assunto, deixando [o desgaste] para prefeitos e governadores”, considerou.
Ele voltou a criticar o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, remédio tratado como milagroso por Bolsonaro, mesmo após a decisão da OMS e de países como Estados Unidos de deixarem de testá-lo. O remédio, usado para malária, oferece riscos cardíacos aos pacientes e não tem efeito provado contra a Covid-19.
“Eles queriam liberar para uso em domicílio, sem monitoramento”, denuncia o médico. “[Bolsonaro] opta pela política em detrimento da ciência”.
Falta de respeito às vítimas
Questionado se o político acha que Bolsonaro poderá ser julgado no futuro por sua má gestão da crise sanitária, Mandetta afirmou que o presidente é o único líder mundial a seguir com o discurso inadequado e falta de respeito às vítimas.
“É uma condução [de crise] que choca os outros países porque o mundo optou primeiro por vidas e depois recuperar a economia. E ele vai na contramão e vai falar assim: ‘não, não vamos suspender a economia porque a economia vai ter mais danos do que essa doença’. E acabou sendo o único líder mundial a adotar esta linha. O Trump voltou atrás, Boris Johnson voltou atrás, o presidente do México voltou atrás. Somente o presidente do Brasil permaneceu e permanece até hoje com esse tratamento inadequado, e essa falta de respeito às vítimas”, assinalou.