Enquanto os agricultores sofrem com a queda dos preços das commodities e com o clima desfavorável, o lucro dos bancos e das grandes empresas de fertilizantes e alimentos aumenta
por Rui Daher
Na coluna anterior escrevi que o de um tudo pedido pelos agropecuaristas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), quase nada depende dele. Restrinjam-se, pois, a pedir menos burocracia, mais recursos funcionais, eficácia interna e nenhuma ingerência nas Embrapa e Conab.
Assim é, pelo menos, desde 1873, quando Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) foi nomeado primeiro oficial da Secretaria da Agricultura, Viação e Obras Públicas do Império. Se Dom Pedro II não fez mais pela agropecuária brasileira do que os que até hoje o sucederam, uma coisa é certa: contratava gênios literários para assessorar seu gabinete.
A Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ANATER) tem orçamento de R$ 1,2 bilhão. Foi criada para repassar recursos às EMATER, órgãos estaduais de apoio técnico. Cabe perguntar: precisa da “Nacional”? Por que não o repasse direto?
Mas, vá lá, sabemos onde vivemos e para o que servem os tributos pagos. Caso é que, até o momento, tais recursos não foram liberados. Pendenga política impede a nomeação do chefe da “Nacional”, em indicação disputada por Kátia Abreu (MAPA) e Patrus Ananias (MDA). Uai, mas não são ministros do mesmo governo?
Exemplo típico do que se pode até exigir: menos estupidez organizacional. O alemão Max Weber (1864-1920), no livro “Teoria das Organizações”, mostrou a necessidade da burocracia, exceto quando assim patológica.
Se a situação acima, mesmo com improvável sucesso, deve ser pedida, a que descrevo abaixo justifica cautela.
Entre janeiro e abril deste ano, as cotações dos produtos agrícolas caíram nas bolsas internacionais. Arredondo: açúcar 16%; café 20%; cacau 3%; suco de laranja 19%; soja e milho 6%; trigo 18%. Algum refresco para o algodão, que subiu 6,5%.
Pode o apressado comentarista, que confunde agropecuária e agronegócio, perguntar do que se queixam produtores de soja, milho e algodão, se o tombo não foi assim tão grande.
Fato é que a traulitada vem de mais longe. Nos últimos 12 meses, as cotações dessas commodities caíram 34%, 25% e 30%, respectivamente. Mesmo a valorização do dólar frente ao real, que poderia amenizar parte desse efeito no bolso sertanejo, anda um tanto volátil, como gostam de dizer os economistas-chefes de bancos.
Não que eu esteja completamente pessimista. Ainda acredito que ajudas cambial e celestial (clima) virão, bem como de que o agricultor brasileiro se fará mais sábio em suas escolhas tecnológicas.
Na agricultura, tem sido comum e mais fácil, diante de ciclos de preços baixos, ajoelhar-se diante da política econômica do governo federal e pedir maldades de São Pedro em outros países fortes do comércio internacional. Nos dois casos, na conjuntura atual, é acreditar que Deus é brasileiro.
Percebo carretas desgovernadas, a 100 km/h, pondo vocês em perigo nas estradas da produção agrícola. Entre seus faróis, reluzem conhecidos logos de conglomerados do agronegócio.
Eles esfregam nas aflições de vocês os ganhos financeiros dos produtos e serviços que lhes vendem. Resultados já anunciados do 1º trimestre de 2015 indicam a tendência generalizada para quem se ativer apenas aos tratamentos, manejos e comercialização tradicionais.
Tradings (quatro gigantes): a norte-americana Bunge teve vendas líquidas de US$ 10,8 bilhões e lucrou US$ 263 milhões, enquanto no mesmo período do ano passado, teve US$ 27 milhões de prejuízo; a ADM (Archer Daniels Midland) aumentou 84% o lucro global, para US$ 493 milhões.
Fertilizantes (Brasil importa 75% do consumo): a Mosaic (Cargill + IMC Global) lucrou US$ 295 milhões, 35% a mais do que em 2014; o lucro líquido da canadense Potash Corporation cresceu 9%, para US$ 370 milhões.
Agroquímicos (“mas podem me chamar de defensivos”): a divisão agrícola da Bayer aumentou em 6,6% as vendas, para três bilhões de euros; na também germânica Basf,farmers, agriculteurs, bauers e campesinos compraram da Divisão AgroScience, dois bilhões de euros, 15% acima do ano passado.
Alguém aí mexe com bancos? O Itaú-Unibanco lucrou R$ 5,7 bilhões, em três meses, 30% a mais; o Bradesco R$ 4,2 bilhões, 23% a mais; e o lucro do Santander cresceu 32%. Nada diferente nos bancos públicos.
Preocupamo-nos, no entanto, em cortar gastos sociais e comparar produtividade do trabalho em país pobre, de miseráveis sem casa, saneamento e mobilidade decentes.
Pedimos menores internados em cárceres cuja ressocialização seria mais fácil no inferno. Terceirizamos para confundir a responsabilidade criminal sobre mortes e acidentes do trabalho. Levamos, gradativamente, aposentados a uma vida pior. Afogamos os setores produtivos em favor da financeirização desenfreada da economia.
Muito mais do que protesto, certamente, o som que vem dos panelaços é comemorativo do lucro fácil sobre quem produz e trabalha.
Nota: na coluna anterior, errei ao interpretar como “gravidez recente” citação de matéria da revista Veja sobre a ministra Kátia Abreu. Agradeço o alerta de leitores comentaristas e desculpo-me.
Fonte: Carta Capital