Em “O que fazer”, Nikolai Tchernichevski, escreve metáforas sobre a organização da classe trabalhadora e o feminismo
Por Lu Sudré
Em 1863, em meio a Rússia absolutista, Nikolai Tchernichevski, crítico e filósofo materialista, lançava uma obra que décadas depois impulsionaria o espírito revolucionário da juventude comunista. “O que fazer”, destaque do Clube do Livro da Expressão Popular do mês de fevereiro, conta a história de Vera Pavlovna, uma jovem de classe média que se casa com um estudante de medicina para fugir do matrimônio arranjado por seus pais.
Após o casamento fictício, ela se apaixonando pelo melhor amigo do estudante. Então que surge um triângulo amoroso retratado por meio de uma narrativa libertária para os padrões da época.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) e tradutor do livro, afirma que o enredo que ao primeiro olhar parece apenas um romance comum, na verdade, traz fortes metáforas usadas para driblar a censura absolutistas.
Segundo ele, aqueles que leem o livro sem saber o contexto histórico da Rússia, nunca poderia imaginar que a obra inflamaria à revolução e seria citada pelo líder comunista Vladimir Lenin, como o livro que o inspirou.
Inclusive, o título de uma das obras mais conhecidas do revolucionário, “Que fazer?: a organização como sujeito político”, também foi escolhido em homenagem ao texto de Tchernichevski.
Segrillo ressalta a importância da tradução, já que o livro é um dos últimos clássicos russos que ainda não havia sido publicado na língua portuguesa. O docente da USP relata ainda que as mensagens, escritas de formas simples e direta, característica marcante do autor, carregam conotações com pluralidade de sentidos a partir da história de vida da personagem Vera Pavlovna.
“Ela [a personagem] não queria ficar dependente financeiramente do marido e cria uma cooperativa de costura com outras mulheres, para fazer dinheiro. Só que ao criar essa cooperativa, as costureiras começam a ganhar consciência de classe e notam que, por ser uma cooperativa, ganham um salário maior do que as costureiras que são empregadas em outras fábricas. E percebe que ganham mais, por não ter o patrão, que fica com o lucro, com a mais-valia”, conta Segrillo.
O tradutor acrescenta que “O que fazer?” traz ainda um capítulo de contabilidade relacionado às finanças da cooperativa, que reproduzem as ideias do O Capital, de Marx.
Tchernichevski também toma posições claramente feministas relacionadas à libertação da mulher e ao enfrentamento de questões morais. Na obra, o “marido de fachada” de Pavlovna sugere que todos morem juntos, por exemplo. Além disso, até o desfecho do enredo, decide estudar medicina, em um período em que mulheres mal tinham acesso ao ensino superior.
“Uma das técnicas que o autor usou no livro foi exatamente jogar questões culturais, e, inclusive, até radicalizou-as, para disfarçar a questão revolucionária”, comenta Segrillo.
Outro personagem criado por Tchernichevski, Raqtemov, é considerado um “um homem que se dedica à causa”. A partir deste contexto, críticos literários criaram paralelos em 1917. “O Raqtemov é colocado como um grande exemplo de revolucionário, como se fosse o precussor do Lenin, um homem que se dedica totalmente à causa da revolução”, acrescenta o tradutor.
Segrillo destaca uma frase do prefácio da obra lançada pela Expressão Popular, que reproduz citação do crítico literário Joseph Frank sobre o livro: “Mais do que O Capital de Marx, o livro ‘O que fazer’, é o que deu ‘o principal elã emotivo para a revolução russa de 1917’”.
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