Por Felipe Gutierrez.
Os irmãos Charles e David Koch são a segunda família mais rica dos EUA, segundo a “Forbes”. A fortuna veio de refinarias do pai, mas a geração atual diversificou o negócio e, hoje, eles produzem de copos a asfalto. Eles também são os protagonistas de “Dark Money”, livro-reportagem da jornalista Jane Mayer, escolhido como um dos dez melhores de 2016 pelo “The New York Times”. Os Koch, há décadas, praticam um ativismo político-econômico que ganhou visibilidade nos anos Obama. Desde os anos 1970, eles se ligaram ao libertarismo, uma visão anabolizada de que o capitalismo não deve ter nenhum tipo de restrição –mesmo que isso signifique provocar dano ambiental significativo, por exemplo.
O bilionário norte-americano David Koch, personagem central do livro “Dark Money”
“Dark Money” descreve as maneiras ativas pelas quais essas ideias foram levadas das margens do conservadorismo para o centro do debate econômico. O ponto da autora é que, para os Koch e para os ricos ao redor deles, o libertarismo é não só o modelo econômico correto mas também aquele que os favorece.
O relato de Mayer mescla a história da família (que envolve brigas entre irmãos e negócios com Hitler e Stálin) com a narrativa de como bilionários, mesmo antes dos Koch, tentam influenciar a política dos EUA. A primeira incursão dos Koch para tentar moldar o debate nos EUA deu-se em 1980, quando David se candidatou a vice-presidente pelo Partido Libertário. Mesmo com um gasto em campanha fora dos padrões para a época, a tentativa foi um fracasso. Depois da derrota, os irmãos decidiram mudar seus objetivos. Segundo Mayer, eles concluíram que políticos são atores que leem palavras de um roteiro e que o papel deles deveria ser o de escrever esse roteiro.
Eles começaram a financiar uma série de iniciativas para que as convicções deles a respeito de um governo mínimo encontrassem ressonância em um público e um eleitorado amplos. Para dar credibilidade às ideias, patrocinam uma miríade de “think tanks”, como o Cato Institute e a Heritage Foundation, cadeiras acadêmicas em universidades prestigiosas, intelectuais e livros. Nos anos mais recentes, estiveram ligados a movimentos populares conservadores, notoriamente o Tea Party.
Os Koch negam envolvimento com este último, mas Mayer liga a organização do Tea Party a uma série de institutos, entre os quais o Americans for Prosperity, que são bancados pelos irmãos. Uma mudança nas regras eleitorais dos EUA em 2010 abriu a possibilidade para mais um meio de influenciar o debate: anúncios eleitorais. Grosso modo, uma decisão da Suprema Corte dos EUA concedeu às organizações o mesmo direito ao discurso que têm as pessoas.
Uma das consequências é que elas podem veicular propaganda crítica a um candidato, mesmo sem estarem formalmente vinculadas ao seu oponente. Mayer descreve que organizações de fachada bancadas por bilionários, que só funcionam como uma caixa de correio, passaram a fazer ataques a candidatos que não compactuassem com o que consideram correto. Alguns exemplos do que eles combatem são taxar poluentes, subsidiar planos de saúde para pobres, estabelecer um salário mínimo etc.
Caridade
O dinheiro que irriga essa estrutura vem de uma espécie de isenção fiscal. É possível evitar impostos de herança ao montar um truste destinado a incentivar a pesquisa, a ciência etc. Os rendimentos dos fundos vão para uma associação e, depois de um tempo, os titulares podem sacar o principal sem pagar impostos. Não é claro se o uso desses rendimentos para incentivar a divulgação de uma visão econômica está de acordo com as regras, mas tanto bilionários conservadores como liberais fazem isso. As doações dos trustes familiares a essas associações podem ser feitas anonimamente, e é daí que vem o “dark money” (dinheiro escuro) do título do livro. Essa arquitetura não foi invenção dos Koch: há uma tradição de ultrarricos que usavam essa saída para emplacar seu ideário econômico. Tampouco se trata de uma estratégia de conservadores, pois há bilionários liberais que fazem o mesmo. As inovações dos Koch, para Mayer, são a escala e a organização. Além de doar o próprio dinheiro, eles também atuam como arrecadadores entre outros bilionários de uma rede que montaram e que se reúne duas vezes por ano.
Trump
A rede dos Koch doa mais para candidatos a cargos eletivos que ao Executivo. Foi assim que conseguiram torpedear a administração Obama, segundo Mayer. Durante as primárias, Trump zombou de republicanos que foram pedir doações de campanha aos Koch. O presidente eleito não era o candidato preferido deles –ele se disse favorável a acabar com uma isenção de impostos a que os bilionários são favoráveis, a de bônus a gerentes de fundos. A equipe de Trump, no entanto, já deu declarações em linha com o que os Koch preconizam, o que faz acreditar que, talvez, eles estejam escrevendo um roteiro.
Fonte: Controvérsia.