Livro: 1976, o exílio do terror. Entrevista com Jorge Majfud.

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Sofia Andrade e Marina Caixeta receberam, no Mural da Manhã, um dos maiores pensadores do Uruguai da atualidade, o professor de espanhol, literatura latino-americana e estudos internacionais na Universidade de Jacksonville, Flórida, para falar sobre seu mais recente livro: 1976, o exílio do terror, que detalha e explica as origens do terrorismo paramilitar cubano nos Estados Unidos e suas ramificações políticas.

Jorge explica que 1976 pode ser definido como um “romance de não-ficção” que documenta e reconstrói os eventos centrais daquele ano com seu epicentro no que o FBI chamou de “a capital do terrorismo”, Miami. Organizado por meses, 1976 começa com os antecedentes daquele ano: a máfia cubana da década de 1950 e, em seguida, concentra-se no eixo Miami-Caracas-Santiago, que possibilitou o atentado a bomba que matou o ministro de Salvador Allende, Orlando Letelier, e Ronni Moffitt, em Washington, a poucos quarteirões da Casa Branca, e o atentado a bomba que derrubou a Cubana de Aviación 455 em Barbados, atentado que assassinou 73 pessoas, a maioria jovens atletas.

Assista à entrevista no vídeo abaixo:

Confira um trecho do livro.

Onze minutos após a decolagem, a primeira bomba explodiu sob o assento de uma menina de nove anos.

?We have an explosion aboard… informou o capitão. ? We have fire on board!

Pérez Pérez conseguiu controlar a aeronave, que estava começando a perder pressão. Com um único motor, ele a conduziu de volta ao aeroporto de Barbados, enquanto a cabine se enchia de fumaça. Os passageiros em pânico não sabiam, mas o capitão estava a minutos de resolver o problema.

Uma segunda bomba explodiu em um banheiro, arrancando a cauda do avião. A aeronave apontou para o céu e subiu verticalmente. A torre de controle gritou para o piloto que isso era uma má ideia, sem saber que o piloto já havia perdido o controle. Alguns passageiros caíram no mar. Em seguida, a aeronave mergulhou como uma flecha.

Em Cuba, o pai de um dos atletas, assim que soube da notícia, foi para as montanhas e passou a noite lá. Outro ficou no aeroporto de Havana por uma semana, convencido de que seu filho apareceria a qualquer momento. A namorada de um dos campeões subiu para o quarto dele e não desceu por dez anos. Na Guiana, o pai de um dos jovens que ia estudar medicina em Cuba se trancou em sua biblioteca e não saiu por uma semana.

Minutos após as explosões, Freddy Lugo ligou para Orlando Bosch para informar sobre o sucesso da operação:

— O ônibus tombou com todos os cães dentro? disse ele.

A polícia de Trinidad prendeu Herman Ricardo e Freddy Lugo.

— Eles conversavam sobre algo importante e rindo muito, lembrou o motorista de táxi que podia ver seus rostos pelo espelho retrovisor.

Ricardo, funcionário da agência de segurança de Posada na Venezuela, admitiu que ele e Lugo haviam colocado as duas bombas no avião. Ele também admitiu que Luis Posada e Orlando Bosch haviam planejado o atentado.

Em 15 de outubro, um milhão de pessoas lotaram a Plaza de la Revolución, em Havana. Em seu discurso, Fidel Castro lembrou que, desde 1959, 51 voos da Cubana haviam sido sabotados ou sequestrados.

— Não podemos dizer que a dor é compartilhada, disse ele. A dor é multiplicada.

— Ele é o terrorista? disse Posada Carriles, olhando para as imagens que vinham de Havana.

Orlando García, chefe de segurança do presidente Andrés Pérez, e Ricardo Morales (ambos exilados cubanos), compareceram ao coquetel de boas-vindas de Bosch em Caracas. Conforme um documento da CIA, tanto García quanto Morales mencionaram que, no jantar de arrecadação de fundos, Orlando Bosch havia assumido o crédito pelo atentado contra Letelier em Washington, algo que ele não se cansava de negar em público.

— Foi um ato heroico? disse Bosch em um tribunal de Caracas sobre a queda do avião.

— Os combatentes cubanos fizeram um ato revolucionário? declarou Ricardo Lozano diante das câmeras de televisão.

— Foi um ato heroico? insistiu Bosch, sacudindo ansiosamente o dedo indicador direito, cercado de jornalistas. Como você sabe, a guerra é uma competição de crueldades.

Bosch se recusará toda vez que for questionado sobre o incidente, “porque é ilegal nos Estados Unidos” e sempre o justificará como “uma ação contra combatentes, porque todos eles são combatentes”.

— Foram o Guillermo e o Ignacio Novo que fizeram isso? dirá ele na entrevista com o jornalista Blake Fleetwood na prisão de Caracas. ? Tudo foi planejado pela DINA chilena.

Fleetwood ligou de Caracas para o promotor Eugene Propper, encarregado da investigação do FBI. Propper não estava muito otimista. Raramente um atentado a bomba era solucionado. Depois de algumas horas, ele ligou de volta para o jornalista:

— A CIA já havia relatado tudo à polícia secreta venezuelana… Acho que eles estão atrás de você. Você está em perigo.

— Então, o que devo fazer?? perguntou Fleetwood, com seis horas de fitas com Bosch e Posada Carriles nas mãos. ? Devo ir à embaixada dos EUA…?

— Não, pelo contrário”, disse o agente do FBI. Você terá que resolver isso por conta própria e encontrar uma maneira de sair de lá.

A polícia venezuelana não teve muita dificuldade em localizar Bosch e Posada Carriles. A parte difícil foi prendê-los, mas desde a rendição de seu companheiro Bosch em fevereiro, Posada Carriles não havia recuperado seu posto na CIA. Ele havia tentado novamente no mês anterior, informando a mesma agência sobre um ataque iminente a um voo da Cubana por um grupo de exilados cubanos, mas também não teve sucesso. A CIA não agiu com a celeridade necessária, mas sim com uma imperícia calculada, como geralmente faz.

Sem a inestimável proteção da CIA, Bosch e Posada Carriles recorreram à rede de serviços secretos do Chile e da Venezuela, mas essa cumplicidade tinha rachaduras. Na quinta-feira, 14, a polícia venezuelana prendeu os dois.

Na sexta-feira, Posada Carriles foi interrogado:

— Não tive nada a ver com isso, meu rapaz? disse ele.

— O senhor condena o ataque?

— Não condeno nada.

— Mesmo que morram pessoas inocentes?

— Às vezes, pessoas inocentes pagam por estarem no lugar errado.

Orlando Bosch repetiu quase as mesmas palavras.

— Sou inocente, mas não condeno nada que possa levar à queda do regime em Cuba. Eles são os terroristas.

— Você não se considera um terrorista?

— De jeito nenhum, garoto. Sou um combatente.

— Combatentes lutam contra outros combatentes…

— Em uma guerra total, não há civis.

— Você considera os passageiros do voo 455 como combatentes? Todos eles são combatentes?

— Todos eles são combatentes.

Quando o presidente Andrés Pérez soube da entrevista imprudente de Fleetwood na prisão de Caracas, ele ordenou sua prisão, mas a DISIP não conseguiu impedi-lo de pegar o próximo voo para os Estados Unidos. Esperando por ele estava o promotor Propper, que lhe pediu uma cópia de suas gravações. O presidente Pérez acusou Fleetwood de ser um agente da CIA.

Em Miami, a Igreja católica organizou vigílias e orações para a libertação de Orlando Bosch. Bosch admitiu aos investigadores venezuelanos que havia participado do bombardeio do avião cubano, mas o governo transferiu seu julgamento para um tribunal militar e ele foi considerado inocente, exceto pela falsificação de passaportes.

O voo 455 da Cubana foi o primeiro na história da aviação civil a ser derrubado por um ataque terrorista e o que custou mais vidas no hemisfério, até 2001.

Em Miami, o proprietário do semanário Réplica, o cubano Max Lesnik, foi um dos poucos que se atreveu a denunciar o ato terrorista contra o voo 455 da Cubana.

— Posada Carriles e Bosch planejaram tudo? disse Lesnik. Eu denunciei esse ato terrorista enquanto a extrema-direita de Miami o aplaudia.

O semanário Réplica sofreu sete atentados a bomba até ser forçado a fechar definitivamente em 2005. Ninguém jamais foi preso por esses atos, embora um agente do FBI tenha relatado que, sem o conhecimento de Lesnik, ele o salvou várias vezes de um assassinato.

Tudo em nome da liberdade de imprensa, que não existe em Cuba.

Do livro 1976. O Exílio do Terror (2024) na Página 12.

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