Livrarias: os novos “não lugares”?

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Por Emir Sader.

O conceito de não lugar foi criado por antropólogos contemporâneos para caracterizar espaços sem identidade própria, conforme a globalização torna idênticos hotéis, shopping centers, aeroportos. São espaços sem tempo nem espaço, desterritorializados. As cadeias de hotéis se encarregam de fazer com que as pessoas acordem em um hotel, sem consciência do país em que estão. Da mesma forma se chega ao aeroporto de um país e tarda muito até que exista algo que identifique o país de chegada. Os shopping centers, então, são espaços feitos para que cada um se desligue da sua cidade e se sinta articulado pelo mercado global e suas marcas.

Eu estive, em pouco tempo, em vários países e pude me dar conta que as livrarias – em particular as das redes, que vão se tornando a grande maioria das livrarias, mas também muitas outras – apresentam fisionomias cada vez mais desprovidas de identidade própria. Abstendo-se dos idiomas em que estão publicados os livros, fica parecendo que estamos numa livraria de rede no Brasil.

No Rio, em São Paulo, em Buenos Aires, em Madri, em Washington, em Santiago do Chile, as vitrines e as mesas das livrarias estão dominadas pelo mesmo livro – Inferno, de Don Brown. É como se, num estalo, leitores de todo o mundo pegassem o gosto pelos mesmos livros. Dan Brown agora, como foi com O código Da Vinci, com os “tons de cinza” e seguirá assim.

A Feira de Frankfurt, considerada pela grande mídia a mais importante do mundo, tem essa importância porque em 5 dos 7 dias que dura, fica fechada ao público, só circulando agentes e representantes de editoras e redes comerciais, definindo quais serão os “Da Vincis”, os “tons de cinza” e os “Infernos” dos próximo anos.

Tudo em detrimento da diversidade, da literatura e do pensamento específico de cada país, de cada região e de cada continente. As grandes editoras globalizadas importam autores de alguns países e os internacionalizam, particularmente os de ficção. As interpretações sobre nossos países feitas pelos autores locais, ainda mais do pensamento crítico, não lhes interessa. Eles importam alguns autores daqui, como Vargas Llosa, FHC, para devolver-nos como visões que eles têm de nós, escrita por gente nascida aqui, mas colonizada intelectualmente.

Dai a importância das editoras alternativas e das vias alternativas de difusão, em que a internet tem um papel fundamental. A combinação entre a publicação do livro 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil – Lula e Dilma, pela Boitempo e a FLACSO Brasil, ao lado da sua difusão gratuita e integral pela internet, é uma modalidade nova, em que uma não prejudica a outra. A primeira edição de 3 mil exemplares do livro se esgotou nas três primeiras semanas, ao mesmo tempo que foram baixados mais de 400 mil e-books pela internet, em cerca de 30 países de todos os continentes. Essa uma das vias de contornar a monopolização do mercado editorial e das redes globalizadas de livrarias.

Fonte: Blog da Boitempo

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