Por Marcelo Brandão.*
Em 17 de abril, morreu um dos maiores nomes da literatura mundial. O colombiano Gabriel Garcia Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982, morreu em sua casa, na Cidade do México. Jornalista e escritor, tinha 87 anos e deixou como herança livros como O Amor nos Tempos do Cólera, Crônicas de uma Morte Anunciada e Cem Anos de Solidão, sua obra mais aclamada. O ano de 2014 arrancou várias páginas importantes da literatura, páginas que jamais serão substituídas e que não serão esquecidas.Ariano Suassuna, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves, Manoel de Barros e Gabriel Garcia Márquez, todos eles se foram este ano, um ano implacável para quem gosta de se sentar ao lado da janela, acompanhado de um bom livro.
O colombiano Gabriel Garcia Marquez é autor de, entre outros, do clássico Cem Anos de Solidão Foto: Divulgação Prêmio Nobel.
“Sonhei que assistia ao meu próprio enterro, a pé, caminhando entre um grupo de amigos vestidos de luto solene, mas num clima de festa”, escreveu Márquez no prólogo de Doze Contos Peregrinos. Sua visão de morte era fria, até certo ponto cruel. “Ao final da cerimônia, quando começaram a ir embora, tentei acompanhá-los, mas um deles me fez ver com uma severidade terminante que, para mim, a festa havia acabado. ‘Você não pode ir embora’, me disse. Só então compreendi que morrer é não estar nunca mais com os amigos”, concluiu após seu sonho.
No dia 18 de julho, o baiano João Ubaldo Ribeiro morreu em sua casa, no Rio de Janeiro, aos 73 anos. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Ribeiro sofreu uma embolia pulmonar. Ele havia recebido, em 2008, o Prêmio Camões, concedido pelos governos de Portugal e do Brasil para autores que contribuem para o enriquecimento da língua portuguesa.
Em Viva o Povo Brasileiro, Ribeiro revive séculos de história do Brasil e tudo começa com uma frase, que se mostra justa, atemporal e cada vez mais apropriada aos dias de hoje. “O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias.”
“Li recentemente Viva o Povo Brasileiro. É um grande livro, nunca pensei que um livro me segurasse em 700 páginas sem entediar, sem se repetir. É um livro que todos deveriam ler”, disse o poeta cuiabano e radicado em Brasília, Nicolas Behr, à Agência Brasil.
No dia seguinte, o Brasil acordou com a notícia da morte de Rubem Alves, aos 80 anos. Além de escritor e pedagogo, Rubem Alves era poeta, filósofo, cronista, contador de histórias, ensaísta, teólogo, psicanalista, acadêmico e autor de livros para crianças. É considerado uma das principais referências no pensamento sobre educação e tem uma bibliografia com mais de 160 títulos distribuídos em 12 países.
“Muitos são os mosaicos que podem ser feitos com um monte de cacos. […] Coração bonito faz mosaicos e músicas bonitas. Os mosaicos e as sonatas são o retrato de quem os fez. […] Escolhi os cacos de que mais gosto para fazer o meu mosaico, o meu livro de estórias, a minha sonata, o meu altar à beira do abismo”, escreveu Alves em Perguntaram-me se Acredito em Deus.
No dia 23, morria outro imortal. Era a vez de Ariano Suassuna, 87 anos, idealizador do Movimento Armorial e autor de diversas obras, entre elas, Auto da Compadecida e Farsa da Boa Preguiça. Poucos autores amavam e difundiam o Brasil e a cultura brasileira como ele.
Ariano Suassuna premiado na Segunda Bienal do Livreo de Brasilia foi idealizador do Movimento Armorial e autor do Auto da Compadecida. Foto: Arquivo pessoal.
Nos últimos anos, Suassuna lotava teatros em todo o país com sua aula-espetáculo. Depois de uma hora e meia de apresentação, o sentimento de quem o ouvia era de orgulho de ser brasileiro, de fazer parte de uma cultura tão rica, diversa e criativa. A despedida do criador de personagens como João Grilo e Chicó foi cercado de emoção. Após desfile pelas ruas de Recife, cidade que o escritor paraibano adotou como sua, chegou o momento do adeus.
O enterro de Suassuna foi repleto de amigos, admiradores e familiares. Dois de seus poemas foram lidos e aplaudidos pelas centenas de presentes. Ariano talvez não soubesse, mas esse momento já era professado em sua grande obra, Auto da Compadecida: “A história da Compadecida termina aqui. Para encerrá-la, nada melhor do que o verso com que acaba um dos romances populares em que ela se baseou […]. E se não há quem queira pagar, peço pelo menos uma recompensa que não custa nada e é sempre eficiente: seu aplauso.”
Poeta de versos certeiros, Manoel de Barros encerrou a triste lista de 2014. Morreu aos 97 anos, devido a uma obstrução intestinal, em Campo Grande. Na opinião de Nicolas Behr, Manoel de Barros “sem sair de casa, fez uma revolução na linguagem, na poesia brasileira”.
Conhecido pela linguagem coloquial – a qual chamava de idioleto manoelês archaico – e por buscar inspiração nos temas mais simples e banais, Manoel de Barros dizia ser possível resumir sua trajetória de vida em poucas linhas. “Nasci em Cuiabá, 1916, dezembro. Me criei no Pantanal de Corumbá [MS]. Só dei trabalho e angústias pra meus pais. Morei de mendigo e pária em todos os lugares da Bolívia e do Peru. […] Publiquei dez livros até hoje. Não acredito em nenhum. Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo que fui salvo”, escreveu.
Para Behr, todos esses nomes cumpriram missão na Terra. Sua fala não é de lamento ou tragédia. Está mais para um reconhecimento, um agradecimento por tudo que fizeram. “Todos eles tinham em comum o verbo compartilhar. Sentimentos, emoções, criações. Deixaram uma boa obra. Perda seria se não tivessem escrito nada. Tudo que nasce, cresce e um dia morre. A morte é o que nos iguala. Tentar solucionar o insolúvel, esclarecer o drama humano foi isso que eles deixaram. Eles tiveram essa grandeza de compartilhar, não guardaram para si”, disse.
O próprio Manoel de Barros já dizia: “O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito”. Precisamos de mais erros como os que nos deixaram em 2014.
*Repórter da Agência Brasil/colaborou Alex Rodrigues
Fonte: Agência Brasil