Lideranças Guarani se reúnem em Porto Alegre para discutir a conjuntura e definir estratégias de luta, articulação e mobilização

Via CIMI.

Lideranças indígenas do Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul/CAPG e da Comissão Guarani Yvyrupa/CGY, com apoio do Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul (Cimi Sul), Conselho de Missão  entre os Povos Indígenas (Comin), Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e do Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental (Cepedis), reuniram-se em Porto Alegre para refletir e discutir sobre o contexto político, econômico e jurídico relativo aos povos indígenas no Brasil e planejar ações conjuntas no sentido de enfrentar os problemas advindos deste contexto.

Participaram da reunião lideranças Mbya Guarani do Rio Grande do Sul e Avá-Guarani do Paraná, mais especificamente da terra Guassu Guavirá, localizada nos municípios de Guaíra e Terra Rocha. O procedimento de demarcação desta terra está sendo questionado por fazendeiros na Justiça Federal da 4ª Região, estando ainda pendente de julgamento uma apelação cível no tribunal. Além disso, as comunidades Avá-Guarani devem interpor uma ação pedindo o seu ingresso no processo, visto que, apesar de serem as partes mais interessadas na demanda jurídica, já que esta ação os afetam diretamente, não foram se quer citados pela Justiça, descumprindo exigência constitucional prevista no Artigo 232/CF 1988 e as determinações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), normatização internalizada no sistema jurídico brasileiro desde 2004.

Num primeiro momento da reunião, as lideranças realizaram um ritual religioso ligando, portanto, as demandas atuais a Ñhanderu (o Deus que acompanha o dia a dia dos Guarani), pedindo força e abençoando as lutas e a coragem dos povos neste período de tantas adversidades. Depois as lideranças, uma a uma, falaram sobre as suas histórias de vida e resistência, sobre os desafios e problemas oriundos da falta de demarcação das terras, a omissão dos governos em fazer cumprir as determinações legais e os ataques que sofrem em função dessa omissão, pois, no entender dos indígenas, incentiva e autoriza os fazendeiros, os donos das mineradoras e madeireiras a invadirem suas terras, depredarem e queimarem as matas e a praticar atos de violências contra as pessoas individualmente e contra as comunidades.

Foto: Via CIMI.

Num segundo momento da reunião, se fez um apanhado de processos judiciais movidos contra as demarcações de terras e o quanto isso afeta o cotidiano das comunidades porque gera insegurança jurídica e estimula as mais variadas práticas de agressões contra os Mbya, Avá, Nhendewa, Kaiowá. Em geral, aquelas áreas de terras que tiveram procedimentos de demarcação iniciados ou concluídos encontram-se judicializadas. Ou seja, há uma espécie de fábrica de processos contra os direitos constitucionais dos povos indígenas em todo o Brasil e isso é grave porque faz parecer que a Constituição Federal é letra morta e os direitos originários, inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis nela inscritos inexistem para o Estado e para o sistema de justiça e coloca os indígenas sob o risco perene de não terem onde viver, apesar de serem eles os primeiros habitantes do território brasileiro.

Foto: Via CIMI.

Depois, num terceiro momento se fez uma análise das determinações do governo brasileiro no que se refere a política indigenista. As lideranças caracterizam o momento atual como de disseminação de ódio contra os povos indígenas. Quando refere aos indígenas e seus direitos, o presidente da República o faz com preconceito e desprezo. Ele tem desprezo no olhar, que se traduz em palavras racistas e destrutivas, palavras estas que autorizam para o desencadeamento de todo um processo de destruição e devastação das terras, das águas, da natureza e de todo o ecossistema. Com seu ódio, o governo Bolsonaro incendeia o país e compromete a vida de todos, não só dos povos indígenas. No entender dos indígenas o modelo predatório de se relacionar com a vida é típico de gente que não pensa nos outros, mas tão somente em si e em seus ganhos financeiros, não se importando com os impactos e as consequências para o dia de amanhã. Vive-se no Brasil a pior das experiências de governabilidade, porque as instituições que deveriam coibir e controlar o governo, o acompanham em pensamento e perspectivas e, portanto, não agem, tendo em vista que as pessoas que poderiam impedir as ações nefastas do governo priorizam seus interesses pessoais, individuais e a manutenção no lugar de poder onde se encontram.

Por fim, num quarto momento, as lideranças reafirmaram o compromisso de se manterem firmes na luta por seus direitos constitucionais e mais do que isso, pensam em fortalecer suas articulações e mobilizações em seus espaços organizativos como a Comissão Guarani Yvyrupa, o Conselho de Articulação do Povo Guarani e as suas organizações internas e comunitárias, através de seus caciques, lideranças religiosas, professores, agentes de saúde, estudantes, movimentos de mulheres, de jovens e dos idosos em todas as regiões onde há presença do Povo Guarani, desde o Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

As lideranças acreditam que os povos resistirão e superarão esse momento de profunda crise política, econômica e jurídica com as forças de suas espiritualidades, seus vínculos com as ancestralidades, suas organizações sociais, religiosas, culturais e a articulação entre aqueles que sofrem os impactos desse sistema genocida.

Porto Alegre, RS, 22 de agosto de 2019.

Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul/CAPG

Comissão Guarani Yvyrupa/CGY

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