Wesley Flávio da Silva, presidente da associação rural Nova Esperança, foi assassinado na última sexta-feira, 17 de junho, por volta das 9h da manhã, dentro do Projeto de Assentamento Nova Floresta, no município de Campo Novo de Rondônia, localizado a 322 km de Porto Velho (RO).
Segundo informações divulgadas, Wesley morreu após ser baleado pelas costas por uma pessoa que chegou numa moto vermelha na sede da associação Nova Esperança. Testemunhas disseram que o atirador chegou a apertar a mão da vítima e, depois de conversarem por um momento, efetuou o disparo. Wesley faleceu no local, antes da chegada do socorro médico.
Wesley da Silva tinha 37 anos, era casado, pai de um casal de filhos menores de idade, e já foi secretário de obras do município vizinho de Governador Teixeira, onde foi realizado o velório. A liderança rural e sua família haviam se mudado de Governador Teixeira para Campo Novos após receber uma série de ameaças de fazendeiros locais.
Até o momento nenhum suspeito foi apontado como autor ou mandante do crime e considera-se que a motivação do assassinato esteja relacionada à um conflito agrário.
Área de conflito agrário com graves situações de violência
A Associação Nova Esperança reivindica uma terra pública ocupada por mais de 280 famílias desde 2018. Um antigo seringal desapropriado em 1989, no qual foi criado nos anos 90 o projeto de Assentamento Nova Floresta, mas que teve a maior parte da área sem a efetivação do assentamento após ser grilada pela Fazenda Marechal Rondon, do ex-senador, deputado federal, prefeito e por último, vereador de Ariquemes, Ernandes Amorim.
Amorim é um conhecido e controverso político local, vinculado ao garimpo, que já sofreu prisão e diversos processos e condenações por agressões e por corrupção, sendo acusado também de desmatamento ilegal.
O local de conflito, situado entre os municípios de Governador Teixeira e Campo Novo, já foi palco de tensão após acusações de desaparecimento de dois caseiros e do ataque de um grupo de pistoleiros aos posseiros da área que, segundo informações locais, foi realizado por uma milícia de doze homens, comandada por um ex-policial de Buritis conhecido como “Zeca Urubu”, em 18 de julho de 2020.
Na época diversos vídeos e fotografias, que foram divulgados nas redes sociais de Rondônia, denunciaram diversas pessoas que foram espancadas e vários carros danificados a balas. Deixaram, ainda, uma lista com ameaças de morte a seis pessoas do acampamento.
Reintegração de posse
Na manhã de uma quinta-feira, 04 de fevereiro de 2021, uma megaoperação policial executou uma reintegração de posse no local com homens da Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e um Helicóptero do Núcleo de Operações Aéreas de Rondônia (NOA).
Mais de 180 famílias tiveram as casas e roças destruídas durante os três dias que demorou o cumprimento da reintegração de posse, acarretando, dessa maneira, uma situação de extrema vulnerabilidade às famílias em plena pandemia da COVID-19.
Na ocasião, conseguiram evitar que todas fossem despejadas, porém, a ação de reintegração, nestas circunstâncias, colocou em perigo de contágio centenas de pessoas em situação de risco e de extrema vulnerabilidade. Segundo os posseiros, algum tempo depois da efetivação do despejo, mais de trinta famílias contraíram o vírus da COVID-19, seguramente por terem sido impedidos de manter o isolamento e precisarem se refugiar em casas de familiares e em acampamentos.
Suspensão da ordem judicial e reocupação da área
Uma nova ameaça de reintegração de posse foi suspensa com intervenção do Ministério Público Federal de Rondônia, em parceria com a Defensoria Pública do Estado. Após uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Agravo N. 1002678-68.2021.4.01.0000) o despejo que estava programado para ocorrer no dia 17 de março de 2021 não se concretizou.
Os camponeses, atendidos pela Ouvidoria do DPE, obtiveram apoio do MPF, que no mês de janeiro de 2021 agravou uma decisão da Justiça Federal, defendendo a efetiva competência federal e o domínio do Incra na área. Após decisão, os posseiros fizeram a reocupação da área e expulsaram um grupo de pistoleiros armados que estava na sede da fazenda do Amorim, os quais se refugiaram na Terra Indígena (TI) vizinha, a Uru Eu Au Au.
Assim, este conflito em momentos atinge também a aldeia indígena Alto Jamar, da TI Uru Eu Wau Wau, causando grande constrangimento e colocando famílias em risco, já que os indígenas precisam atravessar a área em disputa para entrar e sair de sua aldeia. Há décadas a fazenda tem sido acusada de ser utilizada para garimpo ilegal, com denúncias atuais de invasões e roubo de madeira da Terra Indígena.
Em 2022, já são 22 assassinatos no campo brasileiro
Recentemente, diversos vídeos e reportagens divulgados pela Associação Nova Esperança na mídia de Rondônia mostram as reivindicações e o trabalho na terra das famílias de posseiros e as suas dificuldades no conflito com o ex-senador Amorim, que também se manifestou.
Continua a tensão diante das possibilidades de uma nova reintegração de posse, que pode estar acontecendo após a Procuradoria Especializada do INCRA não ter se manifestado, a pedido da justiça, sobre a titularidade da área.
Com a morte de Wesley da Silva, e após a confirmação das mortes no Vale do Javari, os assassinatos por conflitos no campo no Brasil registrados pela CPT em 2022, segundo dados parciais do Centro de Documentação Dom Thomás Balduino (CEDOC) já somam 22 assassinatos, dos quais 18 ocorreram na Amazônia Legal.
A CPT Rondônia, em conjunto com outras organizações parceiras, divulga nota pública cobrando a investigação do crime no Projeto de Assentamento Nova Floresta, assim como a punição do autor e dos mandantes. Leia na íntegra:
Basta de impunidade e de assassinatos no campo de Rondônia
Reunidos em Conselho Estadual da Comissão Pastoral da Terra Regional Rondônia (CPT RO), junto com representantes da Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), da Organização Vida e Juventude, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Rondônia (Fetagro), assim como diversas associações de pequenos agricultores, no dia 17 de junho de 2022, em Porto Velho, durante a apresentação do Caderno de Conflitos de 2021, nos chegou a triste notícia do crime que vitimou Wesley Flávio da Silva, de 37 anos, casado, pai do um casal de filhos, e presidente da Associação Nova Esperança, em Campo Novo de Rondônia.
Este grupo de 280 famílias de posseiros reivindica uma área grilada pelo ex-senador Ernandes Amorim, uma terra pública da União que já tinha sido expropriada pelo Incra para criação do Projeto de Assentamento Alta Floresta.
Unindo nossas vozes àqueles que repudiam as mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips em toda a Amazônia, nos deparamos em Rondônia com mais uma morte que se soma à de Ari Uru Eu Au Au em 2020, numa região próxima. Mais uma morte, entre as quatro já registradas neste ano de 2022, depois das 11 de 2021, que fez de Rondônia o estado do Brasil com mais mortes no campo.
Todos estes registros de camponesas e camponeses mortos em conflitos no campo de Rondônia permanecem sem esclarecimentos, sem apuração rigorosa dos fatos, sem punição dos autores e muito menos dos mandantes. Com o agravante que, das 11 mortes registradas no ano passado, oito foram atribuídas à atuação das forças policiais.
Em contraste com outros atos atribuídos aos grupos de pequenos agricultores, nos quais rapidamente são acusados os supostos autores. Alguns recebem um trato totalmente diferente em unidades de conservação, reservas extrativistas e terras indígenas, em lugares como Cujubim ou o Parque de Guajará Mirim, diante das infrações de madeireiros, grileiros e garimpeiros.
Wesley já tinha recebido ameaças e mudado do município de Governador Teixeira para o de Campo Novo de Rondônia. Porque os crimes de ameaças não são investigados e punidos antes que o pior aconteça? Com isto, a morte da liderança da Associação Nova Esperança pode somar-se a esta triste estatística de impunidade dos crimes no campo em Rondônia, que apenas estimula o crescimento de um espiral de violência e abona aqueles que não acreditam mais na capacidade do sistema de justiça do Estado para reduzir os conflitos e atender as famílias mais vulneráveis.
Viemos somar nossas vozes em solidariedade, especialmente à família de Wesley, aos posseiros da Associação Nova Esperança e a todas as defensoras e defensores de direitos humanos ameaçadas e perseguidas em todo o país, especialmente na Amazônia.
Exigimos que este crime seja investigado e esclarecido com a maior rapidez possível, assim como seus autores e mandantes punidos. Da mesma forma para os crimes cometidos no campo contra todos aqueles homens e mulheres que nos deixaram de forma prematura pela violência, sendo necessária uma Força Tarefa que investigue de forma imparcial todas as mortes de camponesas e camponeses registradas em Rondônia nos últimos anos.
Wesley da Silva, presente!
Porto Velho, 19 de junho de 2022.
Conselho Regional da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia (CPT RO)
Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR)
Organização Vida e Juventude
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Rondônia (Fetagro)
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