Por Mônica Nunes. Publicado em 7 de dezembro de 2020
O anúncio da Academia Brasileira de Ciências (ABC) não poderia vir em melhor momento para os povos indigenas, em especial para os Yanomami.
Em 3 de dezembro, após Assembleia Geral Ordinária, a diretoria da instituição divulgou o resultado das eleições para membros titulares (43% são mulheres), correspondentes, colaboradores e afiliados (46,7% são mulheres).
E, entre os eleitos, está uma das maiores e mais influentes lideranças indígenas do Brasil e do povo Yanomami: o xamã Davi Kopenawa.
Agora, ele faz parte do quadro da Academia, como um dos membros colaboradores que, de acordo com a instituição, são “personalidades que tenham prestado relevantes serviços à instituição ou ao desenvolvimento cientifico nacional“.
Kopenawa foi escolhido para integrar esse grupo juntamente com o professor e cientista político Abílio Baeta Neves, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Os eleitos tomam posse em 1o de janeiro e devem receber seus diplomas durante a Reunião Magna da ABC 2021.
As cerimônias de posse sempre aconteceram associadas a simpósios científicos, em cada região, quando os indicados apresentavam suas pesquisas. Mas, devido à pandemia da covid-19, os encontros presenciais estão suspensos.
Como as restrições de contato continuarão valendo no próximo ano, certamente tudo será feito de forma virtual, mas a diretoria da instituição disse que está avaliando a situação para decidir a melhor configuração.
Integrar o corpo de membros da Associação Brasileira da Ciência é um reconhecimento importante da sociedade científica, um marco nestes tempos tão sombrios.
Representa, a valorização da sabedoria ancestral e também a possibilidade de renovação para o pensamento científico! Um novo olhar da ciência para os povos originários. E vice-versa.
Prêmio e exposição
De dezembro de 2018 a abril de 2019, os Yanomami foram homenageados pela fotógrafa Claudia Andujar e o Instituto Moreira Sales (IMS) com uma belíssima exposição – A luta Yanomami -, em São Paulo, que apresentou a história de bravura e dor desse povo. Ela conheceu esse povo nos anos 70, na Amazônia, quando eles ainda estavam isolados.
A mostra seguiu para o IMS do Rio de Janeiro e, este ano, foi montada na Fundação Cartier, em Paris, mas teve que ser interrompida logo que foi inaugurada, devido à pandemia. O espaço reabriu para visitação só em junho, onde permaneceu até setembro.
Nesse mesmo mês, foram anunciados os vencedores do Right Livelihood Award, da fundação que lhe dá nome, conhecido também como ‘Nobel Alternativo’. Kopenawa estava entre eles, como noticiamos aqui. Foi escolhido pelo júri devido à sua “corajosa determinação em proteger as florestas e a biodiversidade da Amazônia, e as terras e a cultura de seus povos indígenas”. E foi o único homem!
Três ativistas também foram escolhidas: a adolescente Greta Thunberg que mobilizou 4 milhões de pessoas pelo clima, no mundo, na semana passada, a defensora dos direitos humanos Aminatou Haidar e a advogada chinesa Guo Jianmei.
Em 4 de dezembro, em Estocolmo, na Suécia, ele dividiu a premiação de um milhão de coroas suecas (R$ 430 mil, aproximadamente) com a Hutukara Associação Yanomami, cofundada e presidida por ele desde 2004 para divulgar a cultura de seu povo.
Mensagem do xamã e campanha
As palavras e os ensinamentos do xamã Davi Kopenawa, revelados no livro A Queda do Céu, que ele escreveu com o antropólogo Bruce Albert, inspiraram o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana a produzir o filme A Mensagem do Xamã, lançado em meados de novembro (contamos aqui).
Com duração de pouco mais de dois minutos e narrado na língua Yanomami por Dário Kopenawa, filho de Davi, o filme condensa seu pensamento e suas reflexões e integra a campanha #ForaGarimpoForaCovid, lançada em junho para pedir ao governo federal a retirada imediata de garimpeiros ilegais e o combate à pandemia na Terra Yanomami, em Roraima.
A campanha, que teve o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), entre outras organizações. foi encerrada na semana passada com uma mobilização muito especial em Brasília.
Dário Yanomami e Mauricio Ye’kwana, representantes do Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana, foram à Brasília para participar de reunião da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, coordenada pela Deputada Federal Joênia Wapichana, em Brasilia. Contamos aqui.
Durante o encontro – que também contou com lideranças dos povos Munduruku e Kayapó para denunciar o garimpo ilegal em suas terras –, os dois líderes entregaram, aos deputados federais, as 438 mil assinaturas coletadas em petição online, além do relatório ‘Xawara – o avanço da Covid-19 na Terra Indígena Yanomami e a omissão do Estado‘, recém-lançado, e encaminhado também para autoridades do Executivo e do Judiciário.
A campanha #ForaGarimpoForaCovid lançou uma carta aberta em novembro. A entrega da petição e do relatório, em Brasília, encerrou a campanha – que ainda teve projeções dos desenhos belíssimos do artista Joseca Yanomami e de palavras de ordem, que ilustraram as cúpulas e as torres do Senado e da Câmara dos Deputados.
A campanha acabou, mas a luta continua e ganha um reforço importante com a entrada de Kopenawa na ABC como membro colaborador. Que esta seja uma parceria longa e próspera! E que traga muitos frutos para seu povo e todos os povos indígenas do Brasil.