Por Paulo Gratão.
Durante toda a vida, Lara Lopes, 34, foi perseguida, agredida e até presa em Moçambique, sua terra natal, por ser lésbica. A homossexualidade era considerada crime no país até 2015. Em 2013, ela fugiu para São Paulo.
Lara discursou no lançamento da plataforma que mapeia pedidos de refúgios LGBT+ ao governo brasileiro. Ela é uma das 369 pessoas LGBTs que pediram para se refugiar no Brasil, entre 2010 e 2016. Destes, 130 já foram reconhecidos.
Os dados se tornaram públicos pela primeira vez na última semana de novembro e correspondem a um levantamento feito pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Além do Brasil, apenas Inglaterra, Noruega e Bélgica divulgaram essas informações.
Por que eles vêm para cá?
Atualmente, 72 países criminalizam as relações homoafetivas com prisões, punições corporais e até pena de morte. Além do Brasil, a Acnur estima que cerca de 40 países reconheçam pedidos de refúgio de LGBTs.
A primeira solicitação de refúgio que o Brasil recebeu, em virtude de orientação sexual, foi em 2002. Um casal de homens colombianos fugiu para o país após diversos ataques de grupos armados contra homossexuais na região em que viviam. Eles foram aceitos pelo Conare por “fundado temor”, pois ainda não havia norma específica sobre refúgio por perseguição a LGBTIs.
No mesmo ano, a Acnur lançou uma nota sobre perseguição baseada em gênero, que gerou a Diretriz de Proteção Internacional nº1. Sete anos depois, em 2009, a nona edição do documento mencionava especificamente perseguições motivadas por questões ligadas à orientação sexual e identidade de gênero real ou percebida.
Mas o Brasil não é perigoso para LGBTs?
De fato, o Grupo Gay da Bahia estima que 445 LGBTs foram assassinados no Brasil em 2017 por motivações LGBTfóbicas. O número classifica o país como território de risco para a comunidade.
A barbeira venezuelana Yelitza Ricardo, 34, no entanto, se sente mais segura aqui do que em seu país de origem. “Eu sei que também há preconceito, mas aqui eu posso me expressar. Lá não há essa liberdade em relação ao nosso estilo de vida, nem organizações pró-LGBTI”, comenta.
Yelitza chegou no Brasil há sete meses, morou por um tempo em um abrigo de refugiados para venezuelanos, mas sofreu discriminação entre seus próprios compatriotas. Com isso, foi encaminhada para a Casa Miga, em Manaus (AM), primeiro centro de acolhida exclusivo para refugiados LGBT+ no Brasil.
Mesmo sendo uma mulher declaradamente lésbica, foram outras motivações que a fizeram deixar seu país de origem. Por essa razão, a Acnur estima que a quantidade de LGBTs refugiados no Brasil seja ainda maior do que o número divulgado.
Primeiro centro de refugiados LGBTs funciona em Manaus
A Casa Miga é gerenciada pela associação Manifesta LGBTI com apoio da Acnur. Por pouco mais de um mês, Yelitza e mais cinco mulheres moraram no espaço.
O presidente do Manifesta LGBTI, Gabriel Mota, conta que o objetivo inicial era atender LGBTs expulsos de casa, mas logo percebeu que os refugiados precisariam de tratamento especial. “Na Venezuela não existem direitos civis para LGBTI. Quando chegam aqui e vão para abrigos convencionais, passam por processos de homofobia e transfobia, além de tudo que já sofrem. Nossa missão é proteger os direitos humanos dessas pessoas no Brasil”, conta.
Jovens e homens gays são a maioria
A maioria dos LGBT+ que solicita refúgio ao governo brasileiro é de jovens entre 18 e 29 anos. Os principais países de origem são os que criminalizam LGBTs, ou com contextos sociais que não garantam sua proteção. Quase 90% das solicitações são de pessoas vindas da África, principalmente da Nigéria (32,7%), Gana (12,2%), Camarões (11,7%), Serra Leoa (6,8%) e Togo (5,7%). Homens gays correspondem a 65% do grupo, lésbicas a 10% e bissexuais a 3%. Outros 13,5% estão classificados como “sem informação”.
Um dado que chama atenção é que 7,5% dos pedidos de refúgio são de homens heterossexuais que são perseguidos em seus países por aparentarem ser homossexuais. A maioria (77,5%) busca São Paulo como refúgio, seguido do Distrito Federal (8%) e Rio de Janeiro (7,5%).
Dificuldade de acolhimento
Em São Paulo, no Instituto de Reintegração do Refugiado (Adus) não existe um levantamento sobre motivação do refúgio. “Nós orientamos a fazer apenas perguntas objetivas, de identificação. Muitas vezes, (o motivo) é algo traumático, que nem a própria pessoa sabe lidar direito”, explica o diretor jurídico do Adus, Sidarta Martins.
Apesar disso, ele confirma que os não-heterossexuais costumam vir, principalmente, de sociedades africanas e carregam diversos estigmas, dificultando o acolhimento. O instituto conta com advogados voluntários que orientam os refugiados, mas muitos não sabem que têm direito à proteção no Brasil.