“Ler com a criança fortalece os laços afetivos”, afirma professora do RN

No Dia Internacional do Livro, pesquisadora potiguar defende a criação de uma cultura de leitores

Professora Miriam faz roda de leitura para crianças da rede pública de ensino durante CIENTEC – UFRN – Acervo Pessoal / Reprodução

Por Isadora Morena.

Celebrado neste 23 de abril, o Dia Internacional do Livro foi comemorado pela primeira vez em 5 de abril de 1926, na Espanha. A data surgiu em homenagem ao nascimento do escritor espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), autor da clássica obra Dom Quixote de La Mancha. No ano de 1930, o governo espanhol transferiu a data comemorativa para o 23 de abril, dia do falecimento do artista.

Em 1995, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) instituiu o 23 de abril como “Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor”. A data tem como objetivo promover o prazer da leitura, a publicação de livros e a discussão sobre direitos autorais.

Nesta data, o Brasil de Fato RN conversa com a professora Miriam Dantas de Araújo, idealizadora de eventos de literatura e de políticas públicas para educação e incentivo à leitura no Rio Grande do Norte. A professora nos dá dez ensinamentos sobre a literatura infantil e nos apresenta a importância de criar ou fortalecer a cultura da leitura nas crianças durante essa pandemia.

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Brasil de Fato RN: No último sábado, 18 de abril, foi também o Dia Nacional da Literatura Infantil. Qual a origem dessa outra data?

Miriam Dantas de Araújo: O Dia Nacional do Livro Infantil é uma homenagem ao escritor Monteiro Lobato, nascido em Taubaté (SP) nessa data. Lobato é considerado o criador de uma literatura para a infância genuinamente brasileira. É de sua autoria uma série de histórias e personagens que vêm encantando as crianças de ontem e de hoje. O fantástico “Sítio do Picapau Amarelo” com seus moradores: Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho, Pedrinho, o Visconde de Sabugosa e a irreverente boneca Emília dialogam com a infância de cada um de nós, crianças ou adultos.

Quais outros autores da literatura infantil nacional você indica? E da produção potiguar?

Atualmente, o Brasil possui excelentes escritores para crianças, alguns deles, premiados nacional e internacionalmente, como Ziraldo, Lygia Bojunga, Roger Mello, Bartolomeu Campos Queirós, Roseana Murray, André Neves, entre outros. Em nosso estado, além do nosso clássico Câmara Cascudo, temos hoje autores reconhecidos como Salizete Freire, José de Castro, Manoel Cavalcante, Ana Cláudia Trigueiro e Daniel Campos.

Entre esses autores potiguares, você destaca uma obra em especial? Por quê?

Entre os autores potiguares contemporâneos, eu destacaria Salizete Freire e seu livro “Mundo pra que te quero”. O livro conta a história de uma menina que “insistia em não esperar o tempo chegar para poder crescer” e sai pelo mundo afora à procura de respostas para as suas inquietações através de uma linguagem poética e instigante. O livro é ilustrado por André Neves, renomado ilustrador e escritor. A obra foi finalista do Prêmio Jabuti, na categoria Livro Infantil. O Jabuti é uma das principais premiações de literatura no Brasil e mostra a relevância dessa obra.

Ao longo da sua trajetória acadêmica e profissional você pesquisou a leitura enquanto hábito. O que você descobriu?

Como professora, sempre me inquietou ouvir os colegas afirmarem que os alunos não gostavam de ler porque não tinham o hábito da leitura. Ler seria uma questão de hábito? Filósofos e teóricos da Psicologia definem hábito como algo que você treina e, de tanto repetir, se torna capaz de realizar sem pensar. Ora, o ato de ler é um ato de pensamento, que exige um trabalho mental muito complexo e, nesse sentido, não pode ser considerado um hábito. Então, o que podemos dizer é que a leitura transcende o hábito. Vai muito além, por envolver um nível de relações bem mais complexas. Isso do ponto vista mental. Os autores preferem dizer que formar leitores é formar uma cultura de leitura.

Qual a importância de ler para uma criança? Quais são os benefícios da leitura para o desenvolvimento infantil?

Como professora, mãe, avó e bisavó, sempre gostei de ler para as crianças do meu convívio. Ler literatura com a criança fortalece os laços afetivos, contribui para o seu equilíbrio emocional e para que ela se alfabetize com mais tranquilidade e de forma mais plena. E mais: a leitura de literatura possibilita ao leitor desenvolver a sua imaginação e sensibilidade; vivenciar experiências diferentes das suas; colocar-se no lugar do outro, construindo, assim, afetividade e empatia. Contribui, portanto, para a formação humana e cidadã.

Qual a idade recomendada para começar a ler para uma criança? E em qual idade se recomenda que ela leia sozinha?

Como afirmei anteriormente, os benefícios da literatura são inúmeros. Daí a importância de compartilhar a leitura com as crianças desde cedo, ainda bebês. A experiência tem mostrado que elas se encantam com histórias rimadas, com a nossa voz ritmada, com o colorido das ilustrações desde muito cedo. Cantigas de ninar, parlendas, trava-línguas, histórias lidas ou contadas são algumas das formas de introduzir a literatura na vida das crianças, seja através da família ou da escola. O ato de compartilhar a leitura não tem idade, nem prazo determinado para  terminar. No entanto, é a criança ou o adolescente quem vai descobrindo o prazer de ler com autonomia. Então, ela vai preferir ler sozinha, o que é muito bom.

Que atitudes e estratégias as famílias e as escolas podem adotar para que a criança tome gosto pela leitura?

Acredito que a melhor estratégia para formar leitores é o exemplo. Se esse exemplo vem de casa, melhor ainda. A escola também tem um papel fundamental. Ela é responsável não só por ensinar ler, mas por ensinar a gostar de ler. Compartilhar a leitura de literatura com as crianças e adolescentes é uma ótima estratégia. Se familiares e professores gostam de ler, comentam sobre o que estão lendo e estimulam as crianças a fazerem o mesmo estão contribuindo para a construção de uma cultura de leitura.

Quais critérios os familiares e educadores devem ter na escolha de um livro infantil?

Partimos do princípio de que os livros literários podem abordar diversos temas, desde os que transportam o leitor para o mundo da fantasia, até os que tratam de temas mais reais. O importante é que esses livros tenham uma linguagem poética, trabalhem com os sentimentos e estimulem a sensibilidade e a imaginação do leitor. Também não devem apresentar lições de moral explícitas (à exceção das fábulas, que tem esse componente no próprio gênero). As histórias, em geral, possuem valores que são internalizados pelas crianças, não havendo necessidade de serem realçadas ou explicitadas. Livros como “Menina bonita do laço de fita”, de Ana Maria Machado, por exemplo, ensina a criança a não ter preconceito sem lhe dar nenhuma lição. Em “Correspondência” de Bartolomeu Campos Queirós, crianças trocam cartas onde expressam seus anseios por um mundo melhor de forma poética. São exemplos de livros que respeitam a compreensão e percepção da criança, mas também as ajudam a refletir sobre a vida.

Como a leitura pode ajudar crianças, e também adultos, a enfrentar essa pandemia?

A leitura pode contribuir para o fortalecimento dos laços de carinho entre as pessoas que partilham esse momento. A leitura, ao estimular a sensibilidade, a empatia e a imaginação, também acende o sentimento de esperança na construção de uma cultura de paz e solidariedade.

Que políticas públicas podem ser adotadas para o incentivo a uma cultura de leitura?

No âmbito nacional e local, já temos Planos de Leitura aprovados, mas precisam ser efetivados. Nos últimos anos, tínhamos tido alguns avanços com a distribuição de acervo literário nas escolas e a promoção de projetos de incentivo à leitura literária através do PNBE (Plano Nacional de Biblioteca Escolar). Entretanto, com o atual governo, houve o desmonte dessas políticas.

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Aqui, em Natal, tivemos aprovado o projeto de construção de quatro bibliotecas-parques, uma em cada região administrativa da cidade. Apesar de o projeto ter sido aprovado na Câmara Municipal de Natal, com recursos garantidos, não foi construída uma sequer. Sem falar na Biblioteca Câmara Cascudo fechada há tanto tempo! Sai governo, entra governo e nada é feito de fato para reabri-la.

Acredito que, para a efetivação de políticas públicas de leitura, é preciso que a sociedade acredite e lute para isso. As escolas das redes municipais de ensino de Natal e Parnamirim são um exemplo de resistência. Seus projetos de leitura, alguns premiados nacionalmente — saraus, clubes de leitura, incentivo à leitura na família e à produção literária dos alunos —, nos enchem de esperança e alento.

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