Por Montserrat Martins*.
Bolsa do governo federal para prostituição, você ouviu falar? Está na internet, como também está que a Marina “defendeu” o Feliciano, duas “notícias” que tem em comum serem falsas, “anti-campanhas” políticas criadas na internet, espalhando falsas versões dos fatos. Porque isso se prolifera tanto aqui, nosso esporte nacional é mesmo a fofoca?
Lembro minha surpresa na Alemanha encontrando nas bancas revistas sobre programas de TV, tipo as revistas brasileiras sobre novelas; surpresa porque eu imaginava que esse tipo de “informação” era um fenômeno tipicamente brasileiro. Tá bom, pode até ser universal, mas vamos dizer que a fofoca aqui tem vida mais fácil que em países mais sisudos, pode ser?
Vivemos numa cultura de manchetes: ler os títulos sem ler os textos, ouvir falar e fazer suas próprias associações. Sei de um adolescente que escreveu uma redação indignada porque o Ronaldo Fenômeno ganhou milhões “do governo” para emagrecer, até lhe lembrarem que quem pagou foi a Globo. Sim, o dinheiro público também vai para as grandes empresas (ta aí o Eike), mas aquele adolescente não estava pensando nisso, só trocando dados, com sua justa indignação.
O Brasil se destaca entre o público do Facebook, um fenômeno mundial que agora é a ‘coqueluche nacional’ (ou ‘dengue nacional’, atualizando a gíria?). Não é por acaso, redes sociais são perfeitas para informações assim, tipo memes. Estes, por definição, são pequenos pedaços de informação que se propagam como vírus. O conceito de “meme” foi criado por um cientista neo-darwinista, por analogia com os genes: assim como os seres vivos tendem a reproduzir seus gens, suas idéias também tendem a se difundir, em pequenos fragmentos de fácil memorização.
Memes não tem o menor compromisso com a verdade: assim como vírus, sua tendência é a propagação, são “amorais” (prévios à moral) porque se propagam automaticamente, por sua própria natureza. O uso político que se faz deles, claro, é outra coisa. Campanhas difamatórias são a base da velha política, do tipo mais rasteiro, aquele de caluniar seus adversários. Essa prática é imoral, mas a maior parcela da população nem pensa nisso, reproduz automaticamente esses memes – por essa característica de se reproduzir sem que as pessoas pensem antes de os adotarem é que são memes. Tente criar um ‘meme’ complexo, não há como: memes são superficiais, por sua própria natureza de fragmentos de memória de fácil memorização e difusão.
Esse é o cenário do século XXI e é nele que temos de viver – no Brasil então nem se fala, um ambiente cultural propício para “leitores de manchetes”, em que saímos repetindo o que não sabemos bem. Sem esquecer que não é fenômeno só nosso, mas universal, calcado em características humanas, que merecem ser melhor compreendidas. Um belo tema para trabalhos científicos nessa área, das ciências humanas e sociais.
*Montserrat Martins, colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: EcoDebate