Está prevista para essa terça feira (1), o julgamento na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) do Habeas Corpus impetrado pela defesa de Rafael Braga, preso e condenado por tráfico de drogas em sentença judicial unicamente com base na palavra dos policiais. A relatora será a desembargadora Katya Monnerat.
Rafael se tornou uma pessoa emblemática para discussão da seletividade penal e o racismo institucional do Poder Judiciário. No Rio de Janeiro, estado onde ele foi preso e será julgado, há uma súmula que traduz o pensamento de todo o Judiciário nacional no sentido de que se entende como possível a condenação com base exclusiva em depoimento dos policiais que efetuam a prisão. No caso de Rafael, a sentença foi contestada por testemunha ocular da inocência do acusado, bem como pelo depoimento do próprio réu.
Essa tese é refutada com veemência na doutrina e no meio jurídico, que apontam a imensa margem para abusos decorrente da cega confiança do Poder Judiciário na atuação policial ostensiva. Como aponta o professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Antônio Pedro Melchior, condenar Rafael Braga apenas com base na palavra policial viola o processo penal brasileiro.
Policiais que prenderam o imputado em flagrante ou atuaram na investigação tem interesse em defender a legalidade e correção da própria atuação, o que é mais ou menos óbvio. Não são testemunhas, por isto. Se necessário ouvi-los em juízo, devem ser tomadas com reserva, por não estarem compromissados em produzir ‘conhecimento verdadeiro’, afirmou o professor.
Entretanto, mesmo com tantos questionamentos teóricos e fáticos da sentença, Rafael foi condenado a 11 anos de prisão e está preso desde 12 de janeiro de 2016, dia em que foi levado em flagrante pelo policial militar. Nessa data, uma testemunha que não tem parentesco com o réu e que mora perto do local onde ocorreu a prisão, foi espontaneamente prestar depoimento para dizer que viu Rafael ser abordado sem qualquer droga, mas que ainda assim foi agredido e arrastado pelos policiais para a viatura.
Contra essa prisão, insurge-se a defesa de Rafael Braga em Habeas Corpus. A peça é assinada pelos advogados Lucas Sada, Carlos Eduardo Cunha Martins, Ednardo Mota de Oliveira Santos e João Henrique de Castro Tristão.
No Habeas Corpus, os advogados destacam que Rafael Braga:
i) tem ocupação lícita como funcionário de auxílios gerais no escritório de advocacia João Tancredo;
ii) tem residência fixa comprovada;
iii) sustenta com veemência de que seu caso se trata de flagrante forjado;
iv) apesar de ter sido condenado por associação criminosa, ele foi preso sozinho, evidenciando grande contradição acusatória;
v) foi preso sem portar qualquer tipo de arma;
vi) existe testemunha ocular atestando sua inocência;
vii) quantidade de drogas atribuída a ele é ínfima (0,6g de maconha e 9g de cocaína);
viii) não existe qualquer investigação sobre com quem ele teria supostamente se associado, nem como e nem por quanto tempo.
De outro lado, os advogados demonstram que não houve justificativa para prendê-lo e mantê-lo preso; que nenhuma das hipóteses legais de prisão estão presentes no caso concreto e que outras medidas restritivas de direito são possíveis. A sessão ainda pode ser adiada caso o tribunal queira averiguar os documentos, como a carta de emprego de Rafael, que a defesa juntou ao processo.
“A jurisprudência da mais alta corte de justiça do país [STF] reconhece, com absoluta razão, que pessoas pertencentes a poderosos grupos políticos ou econômicos, acusadas do cometimento de infrações penais “econômicas” que teriam lesado o patrimônio público na ordem de milhões, mesmo quando reincidentes, devem ser presumidas inocentes e ter resguardado o direito constitucional de recorrer em liberdade. Sendo assim, por qual razão, o paciente, pobre, semianalfabeto, morador de favela, acusado de praticar, sem violência, o comércio de uma quantidade pequena de drogas ilícitas deve ser privado de sua liberdade antes da formação definitiva de culpa?“, argumentam os advogados.
O julgamento contará com posição do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra a concessão da liberdade para Rafael Braga, conforme parecer de apenas três páginas assinado pelo Procurador de Justiça Julio Roberto Costa da Silva, o qual se propõe a argumentar sobre a manutenção da prisão em apenas metade de uma página. Com isso, o MP-RJ fica marcado em mais um episódio. Vale lembrar que, recentemente, a instituição organizou um seminário sobre “bandidolatria”, “desencarceramento mata” e reflexões de Kim Kataguiri, jovem do Movimento Brasil Livre (MBL), sobre segurança pública, tudo pago com dinheiro público.
Leia aqui Habeas Corpus na íntegra
Leia o parecer do Ministério Público
Fonte: Justificando.
Fonte foto de capa: Mídia Ninja.